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Bolsonaro
Jair Bolsonaro assinando a ficha de filiação ao PL, partido pelo qual tentará se reeleger em 2022| Foto: Presidência da República/Flickr

Analistas políticos têm dito que a situação de Bolsonaro na eleição de 2022 será bem diferente de 2018. O diferencial seria a ausência de desgastes em seu primeiro pleito.

Eu discordo dessa análise por duas razões. A primeira é que está bem claro que Bolsonaro não tem liberdade para governar. Até os ministros do STF perderam o pudor de dizer que o país tem um regime semipresidencial. Um senador foi ainda mais longe e disse que o STF está abaixo de Deus e acima dos outros dois poderes (Executivo e Legislativo). A segunda razão é que, em 2018, não tínhamos a menor ideia do que estávamos levando. Pairava o temor de Bolsonaro usar Guedes só pra ganhar voto e chutá-lo depois das eleições.

Foquemos hoje na primeira razão.

Bolsonaro na pandemia – medicamentos

No começo da pandemia, Bolsonaro deu algumas declarações desmioladas e outras que se provaram corretas. Teve conversa de “histórico de atleta” em cadeia nacional, teve caixa de cloroquina apontada pra ema braba do Planalto. Passou-se a impressão falsa de que o remédio da malária era tiro e queda contra covid. Depois a ivermectina desbancou a hidroxicloroquina na condição de panaceia.

No entanto, o lado aparentemente sensato dessa controvérsia venceu e se provou insensato. No início da pandemia, era compreensível aconselhar as pessoas a não procurarem os hospitais à primeira suspeita de covid. Afinal, caso a pessoa não estivesse infectada, estaria se deslocando à toa a um possível foco de covid.

Hoje é possível saber que a hidroxicloroquina combinada com azitromicina era a solução que um médico de família de Nova Iorque chamado Vladimir Zelenko propunha para seus pacientes, e que ele fizera um videozinho caseiro pedindo que a informação chegasse até Trump. Na época, porém, o que o brasileiro via na TV e na internet era Bolsonaro imitando Trump. Houve também a notícia de que Trump lucraria com a venda daquele remédio de malária.

Assim, as pessoas normais acreditavam no começo da pandemia que o único tratamento possível para a covid era a intubação, e que Bolsonaro estava apontando uma solução fácil para um problema difícil. Então tome-lhe comprar respiradores (muitos não chegaram). Quem queria aventar, em 2020, a possibilidade de um lobby global de primeiro mundo conseguir pressionar governos e imprensa para impedir o tratamento de uma doença letal? Era muito menos insólito pensar que dois políticos (Bolsonaro e Trump) queriam lavar as mãos com um placebo.

A pandemia foi durando. Aquilo que era uma campanha por cautela – não se enfiar no hospital por qualquer espirro – foi se tornando uma campanha contra medicamentos promissores. Ao que tudo indica, pesquisadores foram capazes de matar em Manaus para difamar a hidroxicloroquina com superdosagem. A imprensa, outrora confiável, batia o bumbo dizendo que o estudo em Manaus provava que a hidroxicloroquina mata, omitindo que os pesquisadores deram doses letais. Se alguém em 2020 aventasse uma coisa dessas, eu ia tachar de teórico da conspiração. A gente gosta de crer que não está sob o jugo de um bando de psicopatas, e exige evidências bem fortes para mudar de ideia.

Para avaliar a confiança que o povo tem em Bolsonaro, será útil averiguar a venda de ivermectina. Como disse Eli Vieira, o tratamento precoce é tabu. Bolsonaro é favorável ao tratamento. Logo, é claro que ele é antissistema, mesmo sendo presidente.

Bolsonaro na pandemia – comércio

O mantra da grande imprensa era “a economia a gente vê depois”. Só gente insensível poderia ser contra o fechamento do comércio. Demetrio Magnoli, que é um dos dois ou três intelectuais esquerdistas sérios do país, escreveu uma coluna irônica na Folha de São Paulo chamada “Carta a um não confinado” que caricaturava bem o pensamento dos jornalistas: “Não ponho o pé na rua há semanas. Leio, aproveito meu pacote da Netflix, experimento receitas, até comecei a pintar. Exercito-me na esteira da sala. Peço tudo por aplicativo. Faço sacrifícios: sinto falta do Iguatemi, dos meus restaurantes preferidos, de viajar. Você, não confinado, sabota meus sacrifícios, espalhando o vírus. Devo qualificá-lo como um ser antissocial.”

A precisão da caricatura ganhou a prova mais eloquente possível: a influente jornalista Vera Magalhães não entendeu a ironia e compartilhou a sério no Twitter, dizendo “Excelente texto do Demetrio Magnolli [sic], que trata de algo de que falei ontem em fio aqui: distanciamento social é conduta de sacrifício pelo todo.” Magnoli, que nem usa redes sociais, foi xingado à beça por quem não conhecia seus posicionamentos, e nem dá pra reclamar.

Os governadores e prefeitos passaram a fechar o comércio proativamente, sendo muito elogiados pela imprensa por isso. Apontado como feio e bobo, Bolsonaro fez o que lhe restava: deu auxílio para que o povo não morresse de fome. Comprou vacinas experimentais. Deu dinheiro de montão para governadores e prefeitos gastarem com saúde. (Se gastaram com saúde mesmo, é outra história.) O resultado disso não poderia ser outra coisa que não inflação.

A repressão ficou no colo dos opositores. O aplacamento dos males ficou com Bolsonaro. O que um político sensato tentaria fazer? O que alguns petistas fizeram: dizer que o auxílio é pequeno e eles dariam mais. Mas o que a grande imprensa tem feito é dizer que a economia é importantíssima, e Bolsonaro é pessoalmente culpado pela inflação. Mais: que liberar o dinheiro dos precatórios para poder pagar auxílio é errado.

De repente, não mais que de repente, fez-se de capital o que se fez desprezível. Economia não era nada, passou a ser tudo. Quem vinha dizendo o tempo inteiro que economia importa, e que o auxílio é necessário? Bolsonaro, o antissistema.

Quem é o eleitor de Bolsonaro desiludido?

Eu acho que a imprensa enxerga um contingente de eleitores de Bolsonaro desiludidos só por efeito de bolha. A pauta mais famosa de Bolsonaro em 2018 era a educação. Não era propositiva, mas sim reativa. Havia um mal-estar com o avanço da agenda progressista nas escolas e Bolsonaro era o cara desbocado que não se preocupava em passar por bom moço e fazia o maior barraco contra o kit gay. As famigeradas agências de checagem dizem que kit gay é fake news porque o “Kit contra a homofobia” do ministro Haddad não chegou a ser implementado nas escolas. Resta saber se ele não deixou de ser implementado justo por causa do escarcéu do deputado Bolsonaro.

A economia tradicionalmente decidia eleição. O avanço progressista pode ter trazido uma novidade nas eleições, e eu não sei se a crise de 2014 é mesmo o único elemento de peso para explicar o voto em Bolsonaro. É razoável esperar que um grupo político mexa com criança impunemente?

Quem busca a reação ao progressismo encontra quem para votar? Moro, não. Nem mesmo Ciro Gomes, coronel nordestino que passa por progressistíssimo. Além do já conhecido Bolsonaro, resta Aldo Rebelo, que ninguém conhece direito e carrega décadas de PCdoB nas costas.

Quem está desiludido com Bolsonaro são os lavajatistas. Sinto muito, mas combate à corrupção nunca decidiu eleição. Isso é delírio de redação.

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