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Peter Singer
O filósofo Peter Singer, professor da Universidade de Princeton, em foto de maio de 2008.| Foto: EFE/ Angel Medina G.

Peter Singer é um filósofo muito importante para a elite global. Tornou-se notório primeiro com Libertação Animal (1975), que é a bíblia dos defensores dos direitos dos animais e motivou a fundação do PETA. Se há alguma norma moral politicamente correta, é bem provável que Peter Singer tenha escrito uma fundamentação filosófica em seu favor. Para dar uma ideia do prestígio de que Singer goza, ele tem um livro prefaciado por Bill e Melinda Gates, a saber: Famine, Affluence and Morality (2015), algo como “Fome, Fartura e Moralidade”. Ele é um crítico dos governos dos Estados nacionais e um apologista da filantropia globalista do então casal. Seu livro mais generalista provavelmente é Ética Prática, cuja primeira edição é de 1979; a segunda, de 1993 e a terceira, mais recente, de 2011. Este livro é famoso entre os seus detratores (categoria na qual me incluo) por ser a obra em que ele defende infanticídio e eutanásia de pessoas com capacidades cognitivas inferiores às de animais. Ele faz isto desde a primeira edição, coisa que lhe valeu, de início, o cancelamento de palestras na Alemanha. Àquela época, infanticídio e eutanásia de deficientes traziam memórias frescas. Em 1993, ele fez um prefácio à edição dizendo que não havia mudado de ideia quanto a nada; a nova edição se justificava por trazer mais esclarecimentos e temas. A recentíssima, de 2011, troca um capítulo sobre refugiados por um sobre mudanças climáticas. A edição que tenho em mãos é a da década de 90, comprada em sebo. Edição brasileira da Martins Fontes de 2002. Exemplar retirado da biblioteca de uma universidade particular respeitável, que na certa só o vendeu por ter comprado a mais atual.

Quebrando o tabu

Singer diz que seu “livro viola um tabu” alemão, pois desde “a derrota de Hitler, na Alemanha não tem sido possível discutir abertamente a questão da eutanásia, nem a questão de que a vida humana pode ser tão miserável a ponto de não valer a pena ser vivida”. Posta nesses termos, a eutanásia só é tabu no Ocidente para religiosos bem observantes. Presume-se, de boa-fé, que o autor considere que algumas pessoas temam muito a morte sofrida, lenta e agonizante, de modo que prefiram a eutanásia (“boa morte”, em grego), a um prolongamento protocolar da vida. No debate público dos últimos anos, o termo “eutanásia” tem sido usado com esse significado. A presunção de boa-fé inclui ainda o consentimento prévio, talvez na forma de instruções deixadas por uma pessoa aos familiares quanto ao que fazer consigo. No entanto, como os alemães bem sabem, eutanásia não precisa ser voluntária. Na verdade, Singer fala expressamente de “eutanásia não-voluntária”. E defende. Sem dúvida, Singer quebra tabus.

A falaciosidade de todo o seu pensamento, ao meu ver, está condensada na formulação “vida que não vale a pena ser vivida”. Eu posso julgar que a minha vida não vale a pena. Posso, também, julgar que a sua vida não vale a pena, ou a de um vegano. Nenhuma valoração é 100% objetiva, porque fato e valor são coisas diferentes. O fato objetivo é que pessoas cometem assassinatos, por exemplo. A valoração moral do assassinato independe desse fato, e é elaborada pelo sujeito. Não existe uma vida objetivamente indigna de ser vivida, porque ser digno ou indigno é uma valoração moral. Viktor Frankl defendeu que a vida de um interno em Auschwitz valia à pena. Stephen Hawking, todo definhado numa cadeira de rodas e incapaz até de articular a própria voz, não clamou por eutanásia e teve uma vida plena. Com Singer, tudo se passa como se a valoração fosse um dado do mundo – e não uma formulação dele, subjetiva e arbitrária. Então, quando ele fala de eutanásia, parte do pressuposto de que todo o mundo concorde com ele quanto às vidas que valem e que não valem a pena serem vividas. Ele não dá nenhum critério objetivo, e é de propósito. Como já são passados 30 anos desde a edição desse livro, vale apontar que hoje a “eutanásia” já se metamorfoseou em suicídio assistido, e passou dos doentes terminais aos meramente deprimidos, ou doentes demais para arcar com os custos médicos (vide a “eutanásia” paga pelo Canadá).

Quem é Singer para dizer que a vida de Stephen Hawking não vale a pena? Não obstante, se sua moral fosse vigente há mais tempo, Hawking poderia ter sido morto tão logo nascesse, ou abortado, bem como qualquer bebê deficiente. Ele defende “o aborto e o infanticídio, no caso de um feto ou bebê com grave deficiência”. Eis a justificação dele: “Uma coisa é afirmar que os deficientes que desejam viver plenamente as suas vidas devem receber toda a ajuda necessária para fazê-lo; outra coisa, e bem diferente, é afirmar que, se tivermos condições de escolher para o nosso próximo filho se ele vai começar a vida com ou sem uma deficiência, é puro preconceito ou atitude tendenciosa o que nos leva a optar por ter um filho sem deficiências” (p. 63). Tudo se passa como se um filho fosse uma variável matemática, e não um ser de carne e osso. É evidente que os pais de Stephen Hawking não gostariam de ver o filho sofrer tanto. Mas também é evidente que, se tivessem feito um teste de DNA que mostrasse a sua sentença e o abortassem ou matassem para ter um filho sadio, esse filho seria um irmão dele, e não ele. Além disso, note-se que de “deficiência grave” passou-se simplesmente a “deficiência”. Ora, um pai pode preferir que um filho nasça sem miopia a com miopia. Quem gosta de ter miopia? A expressão “deficiência grave” estava ali só para pegar o leitor incauto; a fundamentação serve para qualquer deficiência, ou até para a seleção de características – por que ter um filho com QI médio em vez de alto, ou um filho com orelhas de abano em vez de sem?

Tudo é assim com Singer. Muito sofisma com afetação de sofisticação intelectual.

Ao menos ele é claro ao afirmar o seu propósito: quebrar um “tabu” do Ocidente e acabar com a sacralidade da vida humana. Nas palavras dele, “comparar, e, em alguns casos, equiparar a vida dos seres humanos e a dos animais é exatamente do que trata este livro […]. A crença na superioridade humana é uma crença deveras fundamental e está na base do nosso pensamento em muitas áreas sensíveis. Desafiá-la não é uma questão trivial, e o fato de tal desafio provocar uma reação tão forte não deve nos surpreender. Não obstante, uma vez que compreendermos que a violação desse tabu sobre a comparação entre os seres humanos e os animais é parcialmente responsável pelos protestos, fica claro que não existe caminho de volta” (p. 3).

Diferenças de QI entre raças

Não existe caminho de volta porque Singer revela, nesse livro, uma nova base para uma nova moral e espera que aceitemos, já que ele confunde fato com valor. Uma vez que tenhamos lido sua Revelação, resta nos convertermos, sob pena de sermos considerados religiosos ignorantes.

Seguindo sua trilha de quebrar tabus, Singer pega os dados relativos a QI. As pesquisas são consistentes ao colocar o grupo dos japoneses como superior ao grupo dos brancos em matéria de QI, e o grupo dos brancos como superior ao dos negros dos EUA. Esse tipo de pesquisa costuma ser abafado em virtude de preocupações com a moral. Para escapar ao determinismo genético, Thomas Sowell aponta para a cultura como fator importante no desenvolvimento intelectual; elogia a diligência dos orientais e lastima a perniciosa cultura redneck que, não obstante sua origem celta, hoje é celebrada e defendida pelos negros nos EUA. Somando-se a uma má cultura, Sowell aponta a corrosão da família negra pelo Estado de bem estar – que foi desenhado por um eugenista sueco com o fim de reduzir a proporção de negros nos EUA.

Da boca para fora, Singer não rejeita a explicação culturalista para o subdesenvolvimento dos negros de lá. Também da boca para fora, afirma ser errado discriminar indivíduos negros em função do conjunto dos negros. As pessoas que realmente creem no poder da cultura e da liberdade individual propõem como soluções a oferta de educação de qualidade e a reforma dos valores. Escola de qualidade costuma ser ponto pacífico. Singer, que professa essa crença só da boca para fora, a fim de pegar os incautos, propõe uma solução bem diferente: cota racial.

Em toda a sua argumentação, vemos que ele crê no baixo QI de “grupos marginalizados” (i. e., negros) como um dado natural e imutável. Escola não resolve! Cito-o: “Equiparar o nível de todas as escolas seria bastante difícil, mas é a mais fácil das tarefas que aguardam um consciencioso proponente da igualdade de oportunidades. Mesmo se as escolas forem as mesmas, algumas crianças serão favorecidas pelo tipo de lar do qual provêm. […] O que foi dito até aqui [i. e., uma lista de desigualdades sociais que a escola não pode apagar] talvez fosse insuficiente para mostrar a impropriedade de um ideal de igualdade, mas a objeção fundamental […] ainda está por vir. Mesmo que educássemos comunalmente as nossas crianças, como num kibbutz de Israel, elas herdariam diferentes aptidões e traços de caráter, inclusive níveis diferentes de agressividade e diferentes QIs. A eliminação das diferenças no ambiente em que vive a criança não afetaria as diferenças de atributos genéticos. É verdade que poderia diminuir a disparidade entre, digamos, níveis de QI, uma vez que é bem provável que, no presente, as diferenças sociais acentuem as diferenças genéticas; mas as diferenças genéticas permaneceriam e, na maior parte das estimativas, elas são um componente fundamental das diferenças de QIs existentes. (Lembre-se o leitor de que não estamos falando de indivíduos. Não sabemos se a raça afeta o QI, mas existem poucas dúvidas de que as diferenças de QI entre indivíduos da mesma raça sejam, em parte, geneticamente determinadas.) Portanto a igualdade de oportunidades não é um ideal atraente. Recompensa os que têm sorte, os que herdaram aquelas aptidões que lhes permitem desenvolver carreiras interessantes e lucrativas e castiga o desaventurado cujos genes fazem com que lhe seja muito difícil alcançar o mesmo sucesso” (p. 48-49).

Ele não dá nenhum bom motivo para afirmar que os genes sejam a principal causa da pobreza. E como as cotas raciais são voltadas para o conjunto da “raça negra” em vez dos indivíduos, elas só fazem sentido com base na presunção de que a raça negra tenha genes inferiores.

Singer faz um paralelismo entre mulheres e negros. Estes, enquanto grupo, teriam um QI inferior; as mulheres, enquanto grupo, têm menor agressividade. Ambas as características impactam negativamente os salários. Com base nisso, Singer afirma que, “na ausência de provas concretas de discriminação, não é possível justificar a ação afirmativa com base no fato de que ela simplesmente corrige a discriminação existente na comunidade” (p. 56). Ou seja, enquanto um Silvio Almeida dispensa acusações individuais de racismo por crer no “racismo estrutural”, Singer as dispensa por acreditar no baixo QI. Como fica a fundamentação das cotas, então? “Dentro do objetivo geral da igualdade social, a maior representatividade das minorias em profissões como a advocacia e medicina é desejável por várias razões” (p. 59).

Para Singer, os negros não têm condições intelectuais de competir com brancos. Por isso precisam de cota. Ele fala em “minorias”, mas orientais são minorias e não há reivindicação de cotas para eles – pelo contrário, há mecanismos para deixá-los de fora a despeito das boas notas.

Essa é a verdadeira face do progressismo, que se diz antirracista, mas é eugenista, racista e despreza negros do mundo inteiro com base em testes de QI dos negros dos EUA.

O conceito de igualdade em que Singer se baseia é o de igualdade de interesses. Tanto homens brancos quanto negros e animais têm, segundo Singer, interesses (veremos isto depois). É claro que quem define esses interesses é o próprio Singer. Uma vez que há um planificador, fica fácil igualar os demais humanos aos animais: tornam-se todos variáveis nas planilhas do filósofo.

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