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Tarcísio eleito
| Foto: Reprodução/Facebook

Tarcísio de Freitas resolveu botar o ex-CEO Renato Feder à frente da Educação em São Paulo. Diante da demanda de preparar aulas para a rede estadual, o seu método definitivamente não cheira bem: segundo noticiou a Folha de S. Paulo, o governo paulista "vai passar a usar o ChatGPT, ferramenta de inteligência artificial, para produzir as aulas digitais que são usadas pelos professores de todas as escolas da rede estadual paulista. Até então, o material didático era produzido por professores curriculistas, ou seja, especialistas na elaboração desse tipo de conteúdo. Agora, esses docentes terão a função de ‘avaliar a aula gerada [pela inteligência artificial] e realizar os ajustes necessários para que ela se adéque aos padrões pedagógicos’.”

Hoje, não existe coisa no mundo mais superestimada que a inteligência artificial. Ao menos no âmbito textual, ela não passa de um plagiário automatizado, que sai juntando palavras em frases segundo critérios estatísticos, segundo uma base de dados. Depois de o usuário da ferramenta jogar esses búzios, é preciso que algum indivíduo da espécie Homo sapiens sapiens, dotado de inteligência natural e conhecimento, leia a coisa e a corrija segundo o seu humaníssimo discernimento. Inclusive, para aprimorar as estatísticas do robozinho, há uma fase de testes na elaboração da IA na qual a equipe – composta por vários indivíduos da espécie Homo sapiens sapiens – dá uma melhorada nos resultados da IA, julgando se são bons ou ruins. Como a área de TI é cheia de gente esquisita de cabelo colorido que coleciona bonequinho, as inteligências virtuais, de maneira pouco surpreendente, dão respostas parecidas com as de quem pinta o cabelo de azul e coleciona bonequinhos.

E aí temos que o ministro da educação do governador supostamente conservador botou um robô woke do Bill Gates para preparar as aulas, mas é tudo muito bom (segundo a direita liberal) porque é tecnológico e reduz custos. Eu tenho cá minhas dúvidas se reduz custo mesmo, porque o ChatGPT é software proprietário e o Estado está pagando por isso – quem está recebendo é, como sempre, Bill Gates, que tem todo o interesse do mundo em criar a dependência do ChatGPT. Depois, quando o governo jogar os búzios, mandando o ChatGPT criar o currículo, vai ser necessário pagar a alguém para olhar o que foi feito e fazer as correções. No caso, então, a intervenção humana sobre o resultado estatístico se dá primeiro na produção da IA, com a turma de cabelo azul, e depois no uso da IA.

Hoje, não existe coisa no mundo mais superestimada que a inteligência artificial

Por isso, no orçamento, a única coisa certa é o acréscimo do custo da IA, porque é inevitável pôr alguém para corrigir o resultado aleatório que sair. No caso de São Paulo, os professores curriculistas serão pagos não para atualizar o currículo, senão para arrumar a atualização aleatória feita pelo robô. Não faço ideia de como é a remuneração, mas é perfeitamente possível que consertar o estrago dê mais trabalho do que simplesmente fazer sem IA, só com a cabeça própria. Assim, é perfeitamente possível que o uso de IA no serviço público sirva só para dar dinheiro ao Bill Gates. Se houver alguma economia, é possível que seja só na do pagamento do funcionário que vai consertar o estrago: o gestor público dirá que o trabalho do professor curriculista é mais leve que o de antes, de modo que quando um se aposentar, não será preciso chamar outro, já que os novos tempos trazem muitas facilidades. Bill Gates tem o dele garantido, haja ou não redução de custos totais.

Professores e jornalistas são duas classes que têm, com razão, atraído antipatia para si. Essa antipatia é ainda maior nos setores conservadores da sociedade, haja vista a necessidade que os professores e jornalistas costumam sentir de tutelar os filhos e o público com ideologias muitíssimo impopulares. Esta semana tem corrido no X um boato de que o Uol estaria demitindo um monte de jornalista devido à implementação de IA. Por óbvio, não faltou quem soltasse fogos, assistindo feliz à miséria dos jornalistas de um veículo todo identitário.

De fato, não deixa de ser uma ironia saborosa: pessoas que deveriam pensar, mas se portam como robôs previsíveis, repetindo tudo quanto é clichê da ideologia woke, vão enfim ser substituídas por robôs que não pensam e fazem um “trabalho” igual ao seu. Há um vídeo de uma dupla de humoristas anglófonos cujo nome infelizmente esqueci, e por isso não pude pôr aqui, no qual se explica como seriam escolhidas as pautas da extinta revista Vice: o jornalista tem um quadro com palavras-chave como “crack”, “travestis”, “venezuelanos” e sai jogando dardos. Juntando as palavras, dá a pauta. O pior é que o princípio da inteligência artificial para criar pautas é bem esse.

No entanto, vale lembrar que a IA não se restringe a áreas acanalhadas por maus profissionais. Como mostrei em minha resenha d' A quarta revolução industrial (Edipro, 2016), de Klaus Schwab, a meta dos tecnocratas do WEF é acabar com a classe média, substituindo não só o trabalho braçal por máquinas, como também o trabalho qualificado da classe média por IA. A inteligência artificial não é só uma ameaça ao trabalho de professores e jornalistas, mas também ao dos médicos – uma profissão que tipicamente ocupa os postos mais altos da classe média, e que, creio, só Cuba conseguiu pauperizar.

Será que um médico robô conseguirá ser melhor que um bom médico humano? Eu não creio, assim como tampouco creio que um robô será melhor do que um bom professor humano e do que um bom jornalista humano. No entanto, numa sociedade pauperizada, ou que seja tocada só por quem priorize o lucro, é perfeitamente possível que as pessoas sejam forçadas a se contentar com coisas fuleiras. “É médico robô ou médico nenhum”, dirá o liberal econômico. “A esquerda odeia os pobres porque quer tirar deles o único médico que eles podem ter: um robô!!”, dirá uma IA liberal de direita depois de os colunistas de direita terem sido trocados – sem que o seu público sentisse a diferença – por robôs treinados para repetir bordões de liberais de direita.

Repito a conclusão que tirei na minha resenha de Klaus Schwab: “Estamos acostumados no Brasil a reclamar de leis trabalhistas que impedem, por exemplo, de demitir cobrador ou frentista, a falar que falta trabalhador qualificado etc. Mas e quando o emprego qualificado também for automatizado? O mau médico vai alegar, erroneamente, que seu trabalho é essencial; o bom médico, alegará o mesmo, mas talvez não encontre ninguém disposto a pagar por ele. O cobrador, se tivesse um lobby, talvez conseguisse encomendar uma pesquisa capaz de apontar a redução de acidentes de trânsito. Mas ninguém liga; todos querem uma passagem mais barata, uma consulta mais barata, tudo mais barato. Talvez seja o caso de concluir que as democracias devam reavaliar suas prioridades, sob pena de acabar todo mundo desempregado, sendo servido por drones, vivendo como gado até talvez ganhar uma eutanásia pública, gratuita, de qualidade, após solicitar o serviço por meio de uma atendente robotizada de algum serviço social.”

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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