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Drieu Godefridi, autor de O Reich Verde
Drieu Godefridi, autor de O Reich Verde| Foto: Reprodução YouTube

O filósofo belga Drieu Godefridi, doutor em Filosofia do Direito pela Sorbonne, lançou seu primeiro livro no Brasil ano passado, pela editora Armada. Trata-se de O Reich Verde: Do aquecimento global à tirania verde. Em seu prefácio, redigido em 2019, resume o propósito do livro, a saber: chamar a atenção ao fato de que o ambientalismo é tão explícito em suas intenções genocidas quanto o nazismo e o comunismo, de modo que ninguém poderá alegar surpresa ou desconhecimento após a catástrofe. Diz ele: "Quando estimados pensadores ambientalistas exigem a abolição da democracia e da liberdade 'em nome do clima', quando tais pensadores pretendem honestamente demonstrar que o bem da Terra requer a redução da população a um décimo do seu volume atual, quando toma forma, diante dos nossos olhos, uma ideologia mais radical em suas intenções homicidas que qualquer uma de suas predecessoras, aí é que devemos mais uma vez retomar o grito de 'nunca mais' e entender que tempos difíceis estão, de fato, novamente diante de nós."

Há mais de dez anos o filósofo critica publicamente a ideologia de gênero, e em 2015 publicou um livro sobre o assunto intitulado La Loi du Genre, ou seja, A Lei do Gênero. Sua abordagem desses problemas contemporâneos não deixa escapar a forma jurídica que tais teorias assumem.

Não sei o leitor, mas eu, de minha parte, fico impressionada com a uniformidade das preocupações políticas mundo afora. O normal deveria ser um gaúcho ter dificuldade de entender a política dos acrianos, mas as queixas de um belga em 2013 se adéquam à realidade de uma baiana em 2018. Vejo uma palestra europeia de 2012 e penso nas normas do meu campus tropical para combater o grave assunto da "violência contra a mulher" no local -- sendo que o campus obviamente não é o lugar aonde os maridos vão esbofetear as esposas.

No continente americano, nossas vistas estão embotadas por um anticomunismo culturalista muito performático e nada programático. Será que na Europa os intelectuais têm mais informação do que está acontecendo? Como se verá adiante, sim e não: eles dispõem de mais textos burocráticos a serem analisados (Godefridi já trazia em 2019 um projeto holandês de deixar de cuidar dos velhos), mas tampouco há por lá uma explicação clara e consolidada quanto um eventual motor primeiro dessa situação.

Eis abaixo a pequena correspondência trocada entre Drieu Godefridi e esta que vos escreve.

Pergunta sobre gênero

Não sei como vão as coisas na Europa ocidental, mas aqui, no Brasil, há uma considerável agitação contra a "ideologia de gênero". Eu dizia "teoria de gênero", porque é a maneira como os próprios filósofos chamam a doutrina deles. Quando alguém usava a expressão "ideologia de gênero", isso era um indicativo de adesão a um movimento intelectual pop chamado olavismo. (Tem este nome por causa de Olavo de Carvalho, um filósofo autodidata e crítico cultural muito carismático que tinha uma legião de fãs, os olavetes.) É possível tomar um táxi numa cidade grande e ouvir invectivas contra a "ideologia de gênero" e o "marxismo cultural". São termos importados dos EUA via olavismo. Na verdade, me incomodava o fato de nossa discussão parecer excessivamente maquinal nas importações de problemas dos EUA, seja à esquerda ou à direita.

Pois bem: vi a sua apresentação sobre a teoria de gênero no Youtube, um vídeo de 2013, e fiquei com a impressão de que minha vida, aqui no Brasil, é decidida por tratados assinados por burocratas europeus misteriosos. Eu não fazia ideia da existência da Convenção de Istambul, de 2011. O senhor poderia explicar ao leitor brasileiro o que é a convenção de Istambul, e como é a relação entre tais convenções e as democracias europeias?

Resposta sobre gênero

Em 2011, a Convenção de Istambul deu força de direito não só à ideologia de gênero, mas à sua versão mais extremista, diretamente saída de autores como Judith Butler [Gender Trouble, 1990; Problemas de gênero (Civilização Brasileira, 2003)]. Assim, o artigo 12 da Convenção exige a erradicação (sic) dos preconceitos, costumes, tradições e todas as práticas fundadas sobre "um papel estereotipado das mulheres e homens". Erradicação: o vocabulário é o dos religiosos ao estilo da Santa Inquisição e dos fanáticos, indigno de um texto de direito contemporâneo. "Erradicar" toda referência, até mesmo a meramente linguística, à distinção entre homens e mulheres? Isto, em todo rigor lógico e semântico, deve conduzir à erradicação dos próprios conceitos de homem e mulher. Pois a distinção em palavras não poderia subsistir se nada mais os distinguir na realidade. Estamos no cerne da ideologia extremista e odiosa do gênero.

É preciso distinguir cuidadosamente dois níveis: o sexo e o gênero. Que o gênero seja construção social, ninguém nega. A visão cultural da mulher em Esparta, na Roma antiga ou na Suécia em 2022 só têm poucos pontos em comum. O mesmo se dá com o papel cultural da mulher (e do homem) na Europa contemporânea e na Arábia Saudita. Pretender que as categorias de homem e mulher sejam integralmente biológicas, portanto imutáveis, decerto não faz nenhum sentido. O gênero é cultural.

Mas há o sexo. O sexo é uma realidade propriamente biológica. Biologicamente, o homem e a mulher são duas categorias radicalmente distintas. De sua alteridade complementar nasce e renasce a cada dia a humanidade. É essa alteridade biológica que a ideologia de gênero nega ao sustentar que o sexo — o sexo, não somente o gênero — é uma categoria puramente cultural, "integralmente sedimentada pela linguagem" (J. Butler).

Dito de outro modo, as mulheres, como categoria sexual distinta, não existem. Essa negação da mulher não é um efeito periférico do generismo: é seu objetivo principal. Que a categoria de mulher (e de homem) se defina também, e de início, pelo seu sexo, é o que tais extremistas não podem tolerar, pois exigem que sejamos homens ou mulheres por mera decisão de foro íntimo.

O generismo é um negacionismo do real, da biolgia como ciência e da mulher como categoria distinta. Tudo isso em nome da luta "contra as violências cometidas contra as mulheres" (sic) — o título oficial da Convenção de Istambul.

A Convenção de Istambul foi adotada pelo Conselho da Europa, não pela União Europeia. Ela só é obrigatória para os países signatários do Conselho da Europa, depois de entrar em vigor. Com certeza a senhorita tem razão: dados os pesos econômico e simbólico da Europa, bem como o seu savoir-faire "legístico", é evidente que esse texto, apesar de pavorosamente mal-ajambrado, serve de referência em vários países da América do Sul. Sobretudo por países como a Argentina e o Brasil conservarem uma espécie de deferência perante a Europa — para o bem e para o mal.

A Convenção de Istambul é um texto indigno de nossa civilização. O Brasil teria a ganhar se jamais o levasse em consideração para lutar efetivamente contra as violências bem reais cometidas contra os inocentes.

Perguntas sobre crédito de carbono

Por duas razões, não creio que se deva adotar a distinção sexo X gênero. Primeira: é uma distinção fútil, pois todas as coisas são passíveis de serem diferentemente interpretadas por diferentes culturas. Há religiões que cultuam árvores como deuses, e no entanto não temos duas palavras para diferenciar a árvore divina da árvore puramente física. Se tivéssemos, seria difícil dizer que "a árvore é um deus para tal povo", porque precisamos da palavra objetiva para dizer isto. Segunda: essa distinção boba é a invenção de um Mengele do progressismo, John Money, o pseudocientista que fez um cruel experimento com os gêmeos Reimer e publicou descobertas fraudulentas.

A direita dos EUA e do Brasil tem razão ao dizer que se trata de uma ideologia, não de teoria. A teoria científica de Money se revelou falsa e fraudulenta. Depois veio Judith Butler e a converteu em ideologia dogmática. Tudo na ideologia de gênero é absurdo demais, e é ainda mais absurdo que a loucura de uns poucos se imponha sobre a maioria nas democracias.

O problema da Convenção de Istambul, então, é o problema desses tratados eternos do direito internacional, assinados por autoridades transitórias -- tratados draconianos que não foram discutidos pelo povo nas eleições. Como o senhor disse acerca do ambientalismo n'O Reich Verde, essa ideologia não dá voto, então são necessários jornalistas e juristas para legitimá-la e impô-la.

Acho que o tratado internacional draconiano mais conhecido no Brasil é o Acordo de Paris. Há vários anos a Deusa Ciência nos diz que o CO2 do pum da vaca vai matar todo o mundo. Há à direita gente que pensa que o Brasil pode ganhar dinheiro com créditos de carbono. Creio que, se lessem o seu livro, entenderiam que o mundo do crédito de carbono é o mundo da pobreza e da economia. O senhor pode nos explicar o seu raciocínio?

No entanto, é bem estranho pedir ao povo que acredite que há elites malvadas que querem matar a humanidade. Passa-se por doido. Assim, pergunto: Por que essa gente do ambientalismo, da ideologia de gênero e (vai no pacote) do neorracismo tem tanta capacidade de se impor sobre as democracias? Quem é essa gente? É a mesma do ESG, do WEF?

Respostas sobre crédito de carbono

1. Encontrar correspondências objetivas — tais como o fato de que a maioria dessas teorias se impõem pela escada internacional — é uma coisa, e eu faço. Crer que "tudo está ligado" é um pensamento de amálgama — a pior das desonestidades intelectuais segundo Raymond Aron — e me recuso absolutamente essa facilidade de pensamento. Para além dos fatos, não existem fantasmas. Nassim Nicholas Taleb é muito lúcido quanto a essas questões.

2. Taxar o carbono é um imposto, portanto um custo suplementar. A curto e médio prazo, esse imposto só pode, por essência e definição, encarecer o custo de todas as coisas — tanto é que a produção de qualquer bem e a prestação de qualquer serviço implicam a emissão de CO2.

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