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Documentos estatais vazados no WikiLeaks mostravam que os EUA, a mando de Obama, tinham um programa de espionagem global em massa, e que inclusive grampeava chefes de Estado mundo afora
Documentos estatais vazados no WikiLeaks mostravam que os EUA, a mando de Obama, tinham um programa de espionagem global em massa, e que inclusive grampeava chefes de Estado mundo afora| Foto: EFE / Giorgio Viera

Em 2009, Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos da América. Se não tivéssemos a memória de um peixe, e não deixássemos que a imprensa global martelasse sua verdade sobre nós, lembraríamos de Obama como o presidente-espião. Contra a espionagem de Estado estava um certo advogado controvertido, ligado à extrema-direita racista: Glenn Greenwald. Ele costuma dizer que é um defensor da liberdade de expressão irrestrita, e por isso advogava pro bono para uma organização neonazista. No entanto, ele advogou pro bono para o líder da organização também, que foi condenado por ordenar o assassinato da juíza. Em 2005, Glenn Greenwald aparecia no New York Times como advogado pro bono do líder da organização, dizendo que ele era inocente. Matt Hale (o líder) parecia ser um nome mais conhecido do público do que o advogado ativista Glenn Greenwald. Nesse mesmo ano, ele passa a coabitar com o brasileiro David Miranda. Isto é relevante porque, como ambos acabaram se casando, o Brasil passou a ser o seu asilo em caso de briga com os EUA. O STF liberou casamento gay em 2011. Casado com um brasileiro, Greenwald não poderia ser extraditado caso tivesse mais encrencas com o governo de sua terra natal.

Quando foi que Glenn Greenwald, o advogado ativista judeu dos neonazistas, se tornou o jornalista Glenn Greenwald, defensor da esquerda latino-americana? Foi com o escândalo dos grampos, revelado pelo WikiLeaks e amplificado pelo The Guardian em junho de 2013. O que era o WikiLeaks?

Breve recapitulação do WikiLeaks

O prefixo “Wiki” vocês conhecem da Wikipédia. É “livre” em havaiano. “Leaks” é “vazamentos” em inglês. A ideia da Wikipédia era funcionar sem autor, nem planejamento centralizado: apenas por contribuições voluntárias. É uma plataforma livre para voluntários escreverem verbetes de enciclopédia. O WikiLeaks funcionaria do mesmo jeito: era uma plataforma para anônimos vazarem documentos e jornalistas publicarem reportagens. O criador dessa plataforma é o australiano Julian Assange, que seria também o seu editor.

Um belo dia, Edward Snowden, que trabalhava para a CIA e a NSA, dois órgãos de inteligência dos EUA, submete ao WikiLeaks os documentos estatais que mostravam que os EUA, a mando de Obama, tinha um programa de espionagem global em massa, e que inclusive grampeava chefes de Estado mundo afora. Snowden sabia que seria perseguido implacavelmente pelo governo, porque está cometendo um crime ao divulgar documentos secretos. Assim, em 2012 contata anonimamente um jornalista do The Guardian e uma documentarista, para ter certeza de que seus vazamentos serão aproveitados pela grande mídia. Passa de abril de 2012 a maio de 2013 se correspondendo com eles.

Antes de seus vazamentos enfim virarem uma matéria, ele pede uma licença para se tratar e foge do país. Em maio de 2013, encontra-se pessoalmente com o jornalista e a documentarista; depois sabe que está em apuros. Hoje vive na Rússia, naturalizado. Assange, por outro lado, sequer é cidadão dos EUA, e não tinha por que crer que cometeu algum crime. Ele apenas criou, em 2006, uma ferramenta formidável para jornalistas. Desde 2010, porém, foi implacavelmente perseguido por causa de outros vazamentos – os do então Bradley Manning, que virou mulher na cadeia, passou a se chamar Chelsea Manning e já tentou se matar duas vezes. O material vazado por Manning eram montanhas de documentos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão. Nos do Iraque, por exemplo, mostrava-se que as torturas e humilhações na prisão de Abu-Ghraib continuavam a ocorrer, mesmo após terem sido capa da Economist em 2004. Militares ocidentais torturavam civis árabes para obter confissões. Depois tiravam fotos como esta aqui, certos da impunidade:

Sabrina Harman com o cadáver de Manadel al-Jamadi, suspeito torturado até a morte em Abu Ghraib. Em 2005, ela foi condenada a seis meses de prisão. <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/File:Sabrina-Harman.jpg#/media/File:Sabrina-Harman.jpg">Fonte: Wikimídia</a>.
Sabrina Harman com o cadáver de Manadel al-Jamadi, suspeito torturado até a morte em Abu Ghraib. Em 2005, ela foi condenada a seis meses de prisão. Fonte: Wikimídia.

Assange hoje está preso no Reino Unido e tem contra si uma acusação de espionagem dos EUA, além de outras de assédio sexual feitas com base em leis feministas doidas da Suécia. Segundo os documentos revelados por Snowden, em 2010 os EUA instaram o Reino Unido e outros governos ocidentais a se unirem aos seus esforços de caçar Assange, que deveria sofrer acusações criminais para ter sua mobilidade reduzida.

O Brasil e a Petrobras aparecem na história

O jornalista do The Guardian era ninguém menos que Glenn Greenwald. Ele portanto já tinha uma ideia do teor das denúncias desde 2012. Em junho de 2013 começa a série de reportagens no The Guardian sobre o esquema de vigilância global empreendido pelo governo Obama. Sua ambiciosa finalidade incluía a cooperação de sistemas secretos de governos aliados para vigiarem os cidadãos. Para a maioria das pessoas, isso significaria que sua correspondência eletrônica pode ser alcançada pelo governo dos EUA, sede de serviços de e-mail e redes sociais, e que seus governos nacionais entregam informações pessoais suas para a CIA de bom grado. Nas palavras de Obama, “Não é possível ter 100% de segurança e também 100% de privacidade. Ninguém está ouvindo as suas ligações. Estamos olhando para os números e a duração das chamadas”, Mas a coisa complicava ao incluir práticas ainda mais abusivas – e até analógicas – sobre chefes de Estado e membros de governos.

O Brasil aparece em setembro. Já no dia primeiro, o Fantástico, numa parceria entre Greenwald e Sonia Bridi, mostra que Dilma Rousseff era grampeada pelos EUA. Na semana seguinte, dia 8, o Fantástico noticiava que o governo dos EUA espionava a Petrobras.

Essas notícias relativas ao Brasil saíram na imprensa internacional também. Glenn Greenwald ganhou um Pulitzer pela série de matérias no The Guardian. Em 2014, cria o veículo The Intercept e dá seguimento na investigação dos documentos vazados pelo WikiLeaks.

Tudo antes da Lava Jato

Juntando-se Dilma Rousseff e Petrobras, é inevitável pensarmos em Petrolão e Lava Jato. A Lava Jato começou só em 2014 e pegou os esquemas perpetrados na Petrobras durante os grampos. Será que quem tivesse acesso às escutas da NSA não saberia da trama do Foro de São Paulo para saquear a Petrobras e financiar governos anti-EUA? Bom, segundo Greenwald e David Miranda, os grampos da NSA começaram em 14 de dezembro de 2010 e pegaram 29 autoridades brasileiras – inclusive Palocci. Segundo o Estado de Minas, Greenwald “lembra que os alvos são esmagadoramente financeiros e econômicos. ‘Parece tratar-se de espionagem clássica, desenhada a conferir vantagem econômica dos EUA sobre o Brasil.’”

Ao mesmo tempo que estourava esse escândalo contra os EUA – junho de 2013 – ocorriam os protestos que marcaram época, tiraram a atenção das matérias de Greenwald e as jogaram no esquecimento.

Sabe-se lá por qual motivo, Obama resolveu coordenar o maior esquema global e secreto de vigilância de massa – coisa de ditadura totalitária. Esse esquema pegou as tramas do Foro de São Paulo. É razoável crer que a Lava Jato tenha começado sabendo onde cavar e o que descobrir. Para ela ir adiante, porém, foi preciso mexer nas leis e contar com ajuda do STF – que por algum tempo decidia ser constitucional deixar investigados apodrecerem na cadeia até se disporem a delatar, como no caso de Marcelo Odebrecht.

Sem grampos, STF ativista e juízes poderosos, o Foro de São Paulo não teria perdido o poder. Ele o perdeu para outros atores que não a direita brasileira. E agora esses mesmos atores se voltam contra a direita – que passou a ser defendida por Greenwald.

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