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O Brasil vive um daqueles momentos em que a história parece hesitar entre o avanço e o retrocesso. A polarização – essa doença crônica que contaminou a vida pública – não é mais simples divergência de ideias, mas um ambiente tóxico onde paixões exaltadas substituem a razão. No lugar do debate qualificado, florescem ressentimentos, simplificações grotescas e a confortável ilusão de que basta apontar culpados para resolver problemas que se arrastam há décadas. O país está refém da lógica binária do “nós contra eles”, um atalho perigoso que empobrece a política e impede qualquer construção séria de futuro.
O Brasil precisa, com urgência, de uma ruptura – não a ruptura destrutiva que os extremos vendem, mas a ruptura da maturidade. Precisamos virar a página da política de curtíssimo prazo, movida por cálculos eleitorais, para reencontrar a figura rara e indispensável: o estadista. Aquele que pensa grande, que enxerga além do ciclo eleitoral, que sabe que governar é, acima de tudo, construir um projeto de país. O estadista não se alimenta da discórdia: ele a supera. Não instrumentaliza o medo: enfrenta-o com coragem. Não reduz o Brasil a uma arquibancada dividida: convoca o país para uma obra coletiva.
Essa mudança de rota é indispensável porque o país carece de um projeto desenvolvimentista sólido, tecnicamente consistente e moralmente sustentável. Um projeto capaz de integrar infraestrutura, educação, segurança pública, inovação científica e, sobretudo, um olhar estratégico para a Amazônia – nossa fronteira mais importante no século 21. A região concentra uma biodiversidade única, um patrimônio hídrico incomparável e a maior reserva de minerais estratégicos do planeta, destacando-se as terras raras, hoje fundamentais para tecnologias de ponta. Transformar essa riqueza em prosperidade exige muito mais que discursos emotivos: exige planejamento sério, segurança jurídica, investimento pesado em ciência e, acima de tudo, uma política que olhe para 2050, não para a próxima eleição.
A polarização destrói não apenas a política, mas a própria capacidade de imaginar um futuro comum
Um projeto desse porte também é um mecanismo indireto – porém poderoso – de combate ao crime organizado. Não se combate facções apenas com operações policiais, necessárias, mas insuficientes. O crime avança onde o Estado recua. Ele recruta jovens quando a sociedade lhes nega horizontes. Uma economia pujante, inclusiva e ancorada em oportunidades reais reduz o oxigênio do crime muito mais do que qualquer retórica inflamável. Desenvolvimento sustentável, emprego digno e educação de qualidade são, hoje, as armas mais eficazes contra a delinquência organizada. A Amazônia, com seu potencial mineral e tecnológico, pode ser o epicentro dessa nova estratégia: desenvolvimento como política de segurança.
No entanto, nada disso prosperará enquanto a política continuar sequestrada pelo espetáculo da polarização. A arena pública foi convertida em palco de hostilidades instantâneas, onde frases de efeito valem mais que ideias, e onde a beligerância rende mais curtidas do que a prudência. Nesse ambiente, governar virou performar; dialogar virou fraqueza; construir consensos virou crime. A polarização destrói não apenas a política, mas a própria capacidade de imaginar um futuro comum. E o mais alarmante: a radicalização já avançou para o cotidiano. Fragmentou famílias, distanciou amigos, contaminou ambientes de trabalho, universidades e igrejas. As pessoas já não conversam: disputam. Já não discordam: se excluem.
O estadista não teme a pluralidade; ele a convoca para construir convergências. E é exatamente isso que nos falta: uma liderança capaz de reunir, e não de dividir; de projetar, e não de improvisar; de construir uma visão estratégica que sobreviva ao calor das campanhas e às vaidades de ocasião.
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A Amazônia – esse imenso tabuleiro geopolítico – espera por essa grandeza. Não podemos continuar perdendo tempo enquanto o mundo avança rumo à transição energética, à corrida tecnológica e à disputa por minerais críticos. O Brasil tem, talvez como nenhum outro país, condições objetivas de ocupar posição central nesse cenário. O que nos falta não é riqueza natural; é direção política. Para explorar de maneira sustentável nossos recursos, precisamos de Estado eficiente, regras claras, investimentos robustos e, sobretudo, de um clima institucional que não seja permanentemente envenenado por batalhas estéreis.
O país está diante de uma encruzilhada. Ou seguimos alimentando a polarização improdutiva, desperdiçando tempo histórico e condenando gerações à mesma paralisia que nos aflige há décadas; ou damos um passo civilizatório e começamos a construir, finalmente, um projeto grande de Brasil. Um projeto que una desenvolvimento sustentável, modernização econômica, reconstrução institucional e combate inteligente ao crime organizado. Um projeto que devolva aos jovens – especialmente aos jovens da Amazônia – a esperança de um futuro melhor.
O Brasil não pode continuar refém de incendiários. Chegou a hora dos construtores. A hora dos estadistas. A hora de transformar nossa maior fragilidade – a divisão – na base de uma reconstrução nacional que não pertence a um lado, mas ao país inteiro.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




