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Este conteúdo é fruto da minha trajetória como especialista em captação de recursos, atuando com a missão de fortalecer organizações sociais em todo o Brasil.
Ao longo de mais de duas décadas, trabalhando com captação nacional e internacional, compreendi que acessar recursos globais não é apenas uma questão financeira: é uma oportunidade de reposicionar nossas organizações no cenário mundial, ampliar seu impacto e construir soluções de longo prazo para os desafios sociais e ambientais.
A captação internacional de recursos desponta como uma das estratégias mais promissoras para organizações sociais que buscam sustentabilidade financeira e maior impacto em seus territórios.
Nos últimos anos, mais de 1.300 fundações americanas destinaram recursos ao Brasil, beneficiando quase cinco mil organizações em mais de treze mil doações. Esse dado reforça que não apenas grandes ONGs, mas também instituições de pequeno e médio porte podem se preparar para acessar financiamentos globais e ampliar suas ações.
Um Cenário Global em Transformação
O cenário internacional vive um momento de abertura sem precedentes. A pandemia acelerou mudanças no setor filantrópico, tornando fundações mais flexíveis em suas exigências e permitindo que organizações utilizem os recursos de forma estratégica, com menos burocracia.
Hoje, cerca de 80% das doações globais destinam-se ao fortalecimento institucional, ou seja, ao investimento direto em equipe, estrutura e governança. Essa tendência, somada à ascensão da filantropia feminina, liderada por nomes como MacKenzie Scott, abre caminho para uma nova lógica de confiança e parceria, baseada em doações irrestritas e duradouras.
Dois temas emergem como prioridades globais em 2025: as mudanças climáticas e a equidade racial. Organizações, mesmo aquelas que não atuam diretamente na pauta ambiental, precisam demonstrar compromissos de sustentabilidade, sobretudo no contexto da COP30 em Belém. Ao mesmo tempo, a inclusão do ODS 18 — dedicado à equidade racial — impulsiona as ONGs a refletirem sua atuação também na promoção da diversidade, inclusão e justiça. Essas agendas não são apenas tendências, mas critérios cada vez mais decisivos para conquistar a confiança de financiadores
Como pensam os financiadores
Nos Estados Unidos, o maior mercado filantrópico do mundo, cerca de 600 bilhões de dólares circulam anualmente em doações, e aproximadamente 20% desse valor é destinado a organizações fora do país. O que chama atenção é que mais de 70% das doações americanas são irrestritas, permitindo que as instituições apliquem os recursos de acordo com suas necessidades reais, fortalecendo a base organizacional e não apenas projetos pontuais.
Já na Europa, o padrão é distinto: o convencimento não vem pela emoção, mas pela clareza dos resultados. Fundações europeias valorizam dados, indicadores de impacto e parcerias locais que demonstrem legitimidade no território.
A preparação é a chave do sucesso
Para acessar esse mercado, não basta vontade. É preciso preparação: governança sólida, relatórios financeiros transparentes, site bilíngue, equipe capacitada para dialogar em inglês e presença digital coerente com a missão institucional. Essa prontidão internacional transmite a confiança necessária para que doadores estrangeiros se sintam seguros em investir, mesmo a distância.
A jornada da captação internacional é tanto estratégica quanto relacional. Não se trata apenas de enviar propostas a fundações, mas de cultivar relacionamentos de longo prazo, baseados em confiança mútua.
Nesse caminho, muitas organizações ainda cometem erros básicos, como não ter materiais em inglês, não deixar claro o pedido de apoio ou monopolizar reuniões sem ouvir os interlocutores. Evitar tais deslizes e adotar uma postura clara, objetiva e colaborativa pode fazer toda a diferença.
Uma construção de longo prazo
Por fim, é importante destacar que captar fora do Brasil exige visão de longo prazo. Fundações internacionais costumam firmar contratos de dois a três anos e valorizam organizações com planos estratégicos que apontem para horizontes de dez ou vinte anos. Isso revela que a captação internacional não deve ser vista como solução imediata, mas como construção contínua de credibilidade e impacto.
Em um cenário global marcado pela urgência climática e pela luta por equidade racial, as ONGs brasileiras têm a oportunidade de se reposicionar e conquistar novos aliados. A chave está na combinação de profissionalismo, transparência e capacidade de comunicar histórias reais de transformação. A captação internacional não é apenas uma forma de trazer recursos: é um convite para que organizações brasileiras se inscrevam em um movimento global de mudança, conectando justiça social à justiça climática e construindo futuros mais sustentáveis.
Colunista voluntário:
Ana Flávia Godoi é especialista em captação de recursos nacionais e internacionais, da AFG Consultoria. É também professora associada da Rede Filantropia, e atua no Conselho Deliberativo da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos).




