• Carregando...
Antiga ferrovia atravessa os Andes e faz a ligação entre Salta, na Argentina, e Antofagasta, no Chile. Foto: Divulgação
Antiga ferrovia atravessa os Andes e faz a ligação entre Salta, na Argentina, e Antofagasta, no Chile. Foto: Divulgação| Foto:

Os livros de história registram que foi em busca da consolidação de um novo caminho para as Índias que Portugal atracou em terras brasileiras. Passados mais de cinco séculos daquele acontecimento histórico, o Brasil e outros países vizinhos enfrentam o duro desafio de abrir novas rotas que os aproximem das nações asiáticas. Os projetos para encurtar as distâncias até a Ásia são muitos, mas um, especialmente, tem ganhado destaque nos primeiros meses deste ano: o corredor ferroviário bioceânico do Sul, que envolve diretamente o Paraná, Mato Grosso do Sul, Paraguai, Argentina e Chile.

Os debates sobre o corredor do Sul vêm de longa data. Os avanços, no entanto, foram poucos. Agora, o governo do Paraná lançou uma ofensiva dentro e fora do país em busca de apoio para dar a largada à obra. Apesar de estudos anteriores, o projeto está longe de ter uma definição, dada a sua complexidade de implantação. São dificuldades relacionadas à governança nos quatro países envolvidos bem como os altos investimentos necessários e a aplicação de tecnologia de ponta.

No início deste mês (dia 07), o governador Ratinho Junior (PSD) recebeu no Palácio Iguaçu dirigentes da OnlyStars, que representam grupos empresariais chineses e portugueses no Brasil. Durante o encontro, segundo informações do governo, foram apresentadas possibilidades de rotas e ramais que ligarão o Brasil ao Oceano Pacífico por meio ferroviário.  O secretário estadual do Planejamento e Projetos Estruturantes, Valdemar Bernardo Jorge, e o diretor-presidente da Ferroeste, André Gonçalves, foram designados pelo governador para compor um grupo de trabalho que irá avaliar qual o melhor modelo a ser executado.

“É um sonho tirar do papel o corredor bioceânico, mas qualquer decisão depende do Governo Federal. Precisamos vencer a burocracia, especialmente para criar uma normativa alfandegária única, já que envolve quatro países”, disse o governador após a reunião, que também teve a participação de Reinaldo Azambuja, governador do Mato Grosso do Sul, outro estado diretamente interessado no projeto.

O encontro do início deste mês foi antecedido por outras reuniões feitas pelo governador Ratinho Junior e membros de sua equipe para tratar do tema. Antes mesmo de tomar posse, em dezembro do ano passado, Ratinho Junior apresentou ao então presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a ideia para retomar o projeto do corredor bioceânico. Na ocasião, a expectativa do governador eleito era obter sinal verde da União e dos demais países envolvidos para tocar a em frente a proposta. Em abril, uma equipe chefiada pelo governador se reuniu em Brasília com diplomatas do Paraguai, Chile e China para tratar do projeto.

Analisando a nossa malha de transporte, percebeu-se que 80% da produção é transportada por rodovia e outros 20%, por ferrovia. A ideia é unir o setor produtivo do Oeste do Paraná e do Mato Grosso do Sul por meio de uma ligação ferroviária até Paranaguá. Essa é a grande demanda dentro do território paranaense e de um pedaço do Mato Grosso do Sul. Extrapolando, a proposta é atravessar outros países até Antofagasta, no Chile, abrindo nova saída para a Ásia.

Valdemar Bernardo Jorge, secretário de Planejamento e Projetos Estruturantes do Paraná.

Competitividade

A proposta do corredor bioceânico vem ao encontro das demandas de setores produtivos dos países envolvidos, especialmente do agronegócio, que é grande exportador. Afinal, uma saída pelo Oceano Pacífico reduziria em 8 mil quilômetros a viagem dos produtos brasileiros até os mercados da Ásia. Dados de entidades de produtores mostram que o custo do frete rodoviário, por tonelada, passa de R$ 150. Com uma ferrovia bem estruturada, a redução de custos seria de R$ 60 por tonelada, significando R$ 300 milhões anualmente injetados na economia regional do Paraná, gerando empregos, oportunidades e mais qualidade de vida. Isso sem contar o crescimento da competividade dos produtos exportados pela região.

Hoje, boa parte dos navios que saem carregados dos principais portos brasileiros rumo à Ásia segue para o sul da África, dobra o Cabo da Boa Esperança – como fez Vasco da Gama em 1497 –, atravessa o Oceano Índico até acessar o Pacífico. Há também a opção do canal do Panamá, na América Central, mas há limitações quanto ao tamanho dos navios. Com o corredor bioceânico, o caminho para a Ásia ficaria mais curto e a travessia seria feita em menos dias.

Se, por um lado, há praticamente consenso sobre a necessidade de abrir novas saídas para a Ásia e ampliar a capacidade do modal ferroviário – mais barato que o rodoviário –, por outro, não há ainda clareza sobre o modelo a seguir, além de enormes dificuldades a serem superadas.

Traçado da Ferroeste pode integrar corredor internacional. Foto Chuniti Kawamura/ANPr.
Traçado da Ferroeste pode integrar corredor internacional. Foto Chuniti Kawamura/ANPr.

Dificuldades

“A parte mais complexa desse projeto é que envolve quatro países e tem cinco itens cruciais para a sua viabilidade. O primeiro é a necessidade de ter um sistema de concessão comum – hoje, em cada país o modelo de parceria é diferente. O segundo desafio é a integração aduaneira. Quando uma carga é embarcada, ela tem que seguir do embarque até o ponto final fechada, lacrada. Não podemos em cada fronteira abrir a carga, fechar de novo, isso tornaria a operação muito cara, lenta, inviável. A terceira parte é a questão tributária. Tem que ter uma certa unificação, não adianta ter uma carga tributária mais baixa num país e mais alta em outra. Já a quarta questão se refere à tarifa do transporte – deve ser estabelecido um conjunto tarifário semelhante, muito próximo, de acordo com cada trecho e complexidade. E por último, é preciso ter uma unificação das exigências de cunho ambiental. Esses são os pontos mais complexos, da parte de governança, que antecede a execução do projeto”, diz Josemar Ganho, representante da Cooperativa Interdisciplinar de Serviços Técnicos (Intercoop) nas discussões do projeto bioceânico.

Uma das principais dificuldades são as questões regulatórias de vários países, que precisam ser superadas para poder viabilizar um edital coerente no regime de concessão. Tem que ter unificação tarifária, perfil tributário semelhante, sistema de concessão semelhante, aduanas integradas e questões ambientais niveladas.

Josemar Ganho, representante da Cooperativa Interdisciplinar de Serviços Técnicos (Intercoop) no projeto do corredor bioceânico.

O secretário Bernardo Jorge reconhece que essas são dificuldades que terão de ser resolvidas em primeiro plano. “Para superar essas questões de concessões, barreiras alfandegárias e tarifárias estão sendo feitas reuniões para fazer um diagnóstico do que existe de legislação de cada país. Depois disso pode-se formar um conselho que ficaria encarregado de buscar conjuntamente uma unificação, uma solução. Vamos fazer a nossa parte, trabalhando no traçado dentro do Paraná. O Chile tem um traçado que precisa ser reajustado, a Argentina também. O Paraguai não tem traçado, mas tem estudo. Estamos na fase de conversas multinacionais”, explica.

Traçado

Após a solução dos problemas que envolvem governança e relações multilaterais, outro problema complexo é com relação ao traçado do corredor ferroviário. Em que pese as discussões e estudos já feitos, ainda há muita incerteza sobre o melhor caminho a seguir. “A via que queremos é uma nova ferrovia de Paranaguá até Maracaju (MS), entrando no Paraguai por Salto del Guairá até Encarnación e de lá até Antofagasta, no Chile. O valor estimado por nossos estudos é de um investimento de US$ 10 bilhões, sendo que, desse total, cerca de US$ 800 milhões vão para a plataforma logística integrada binacional Mundo Novo (MS)-Guaíra (PR)-Salto del Guairá (Paraguai)”, defende Ganho.

Um estudo financiado pelo BNDES em 2008, e concluído em 2011, prevê um ramal entre Maracaju (MS) e Cascavel (PR), entrando no Paraguai por Foz do Iguaçu. Esse projeto é citado pelo secretário Bernardo Jorge como opção de traçado. “Nós temos a programação para fazer um ramal entre Cascavel e Foz do Iguaçu, que ligaria o corredor bioceânico ao Paraguai e à Argentina. Estamos trabalhando em várias frentes. Podemos fazer simultaneamente, um traçado até Guaíra, ligando Dourados e Maracaju, outro até Foz e a transposição da Serra do Mar. É essencial criarmos uma rota para que a produção agrícola do Oeste do estado e de parte do Mato Grosso do Sul chegue por ferrovia até Paranaguá. Assim como a abertura do corredor até o Chile”, pondera.

Independentemente do traçado, dois pontos da linha férrea são considerados de dificuldade extrema: a transposição da Serra do Mar e da Cordilheira dos Andes. “A empresa Rumo – que opera o trecho da Serra do Mar atualmente, por meio de concessão federal – defende que ela tem capacidade de ampliar o transporte com mudanças tecnológicas utilizando o traçado atual. Nós não temos conhecimento científico e técnico adequado para poder fazer essa análise. Então a ideia é contratar o BNDES como estruturador, que vai buscar todos os estudos técnicos para definir a melhor modelagem”, explica Bernardo Jorge. Segundo o secretário, “o que existe de consenso é que se precisar de fazer um novo traçado para transpor a serra e ampliar a capacidade de transporte de carga para Paranaguá”.

Transposição da Serra do Mar é considerada uma das partes mais complexas da obra. Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo
Transposição da Serra do Mar é considerada uma das partes mais complexas da obra. Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo| GAZETA

Procurada pela reportagem para opinar sobre o corredor bioceânico, a Rumo informou que “por se tratar de um projeto que não é da Rumo, nós não comentamos sobre o assunto”. O consultor Jose Ganho, que na segunda-feira (12) participou de um seminário sobre o tema em Assunção, no Paraguai, diz que existem na mesa outras propostas para transpor a Serra do Mar e que também poderiam ser usadas na transposição dos Andes. Uma delas, segundo o consultor, seria montar um novo modal no trecho da serra, chamado de SkyWay, um tipo de transporte de autopropulsão elevado, em cima de trilhos e por cabos que transporta individualmente containers. “É extremamente fácil de instalar, menos agressivo ao meio ambiente”, defende.

Prazos

Superadas todas as questões relacionadas a governança e de definição do traçado, finalmente chegaria o momento de formalizar o projeto para, depois, dar início às obras. A pergunta que vem é: em quanto tempo é possível colocar os trens nos trilhos? Para o secretário Bernardo Jorge, as obras podem começar em dois anos e meio. Assim, a ideia é que até o final do mandato do governador Ratinho Junior pelo menos um trecho dentro do Paraná já em andamento. “Nosso desejo é implantar os primeiros trilhos da ferrovia até o final desse mandato”, diz.

Quanto à conclusão do corredor bioceânico, as previsões são de longo prazo. Há quem estime pelo menos 10 anos. “A partir do momento que forem acertadas as questões entre os países, saindo um edital único da construção inteira, de 6 a 8 anos é possível começar a operação. A engenharia hoje consegue superar todos os obstáculos”, prevê, otimista, Josemar Ganho.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]