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A sensação de que o Dia Internacional das Mulheres foi sequestrado por uma nova pauta já não é um mero incômodo para algumas mulheres, é um fato. Durante décadas, a data simbolizou a luta por direitos civis, trabalhistas e sociais das mulheres. Mas, em um curto espaço de tempo, as reivindicações femininas foram engolidas pelo debate trans e pelo patrulhamento ideológico. A questão que se impõe é simples: o dia 8 de março ainda diz respeito às mulheres ou foi transformado em um marco da militância de gênero?
Muitas mulheres, inclusive eu, cresceram acreditando que o Dia Internacional das Mulheres se tornaria cada vez menos necessário à medida que os direitos fossem assegurados e a sociedade avançasse. No entanto, o que se vê é um movimento inverso: enquanto se debateu por anos sobre a conquista e o fortalecimento de espaços femininos, hoje o que se discute é o apagamento das próprias mulheres.
O Dia Internacional das Mulheres nasceu como uma luta das mulheres trabalhadoras. Hoje, mais do que nunca, essa luta se torna essencial e não é mais apenas pelos direitos profissionais e sociais, mas pelo direito de existir como mulheres. O que era uma celebração da força feminina virou um campo de batalha ideológico, onde discordar pode custar caro
Nos últimos tempos, qualquer questionamento sobre a pauta trans se tornou sinônimo de transfobia. Não importa o tom ou o fundamento da discussão: a mulher que levantar dúvidas ou propuser reflexões críticas é imediatamente tachada e alvo de ataques coordenados, que vão do ambiente digital ao mundo real. O caso de J.K. Rowling ilustra essa perseguição. A escritora, acusada de ser transfóbica, jamais negou direitos a pessoas trans. O que ela questiona, e com razão, é: se mulheres trans são mulheres, então por que precisam da categoria trans?
A escritora Chimamanda Ngozi Adichie também já apontou que as experiências de vida de mulheres biológicas e mulheres trans são distintas. “Uma mulher que nasceu menina foi criada como menina, e quem nasce menino é criado como menino e depois passa a viver como mulher. São experiências de vida diferentes”. Acabou cancelada por dizer o óbvio.
As feministas da velha guarda, que sempre defenderam a igualdade entre os sexos, encontram-se agora em um embate que não previram. As pautas que antes eram voltadas a trabalhadoras, mães e vítimas de violência doméstica foram substituídas pela agenda de identidade de gênero. Direitos femininos históricos, como espaços seguros para mulheres, estão sendo questionados em nome da inclusão irrestrita. Casos emblemáticos mostram como a autodeclaração de gênero tem sido utilizada de forma oportunista.
Rodrigo Perez Oliveira, professor universitário, foi massacrado pelo próprio sindicato por levantar um questionamento legítimo: por que apenas a minoria trans não precisa de comprovação objetiva para acessar direitos? Pessoas com deficiência precisam de laudos médicos, negros passam por bancas de heteroidentificação para cotas, idosos precisam comprovar idade. No entanto, basta um indivíduo se declarar mulher para acessar direitos femininos? O problema não é a existência da identidade de gênero, mas a falta de critérios claros e verificáveis para evitar abusos.
Esse apagamento das mulheres já atinge até o campo jurídico. Hoje, as mulheres já não podem definir por si mesmas o que significa ser mulher. Como expus em minha audiência com o relator da OEA para liberdade de expressão, Pedro Vaca Villareal, a situação no Brasil chegou ao ponto de decisões judiciais partirem de conceitos fluidos e interpretações subjetivas, sem base legal. “Fui condenada judicialmente por um suposto ato de ‘transfobia’, embora este conceito não exista no ordenamento jurídico brasileiro”. A sentença foi baseada na interpretação de que usei uma palavra ‘indevida’, desconsiderando não apenas a intenção, mas o direito fundamental à liberdade de expressão. “Meu último recurso está no Supremo Tribunal Federal. Hoje sou eu a condenada por um crime inexistente, mas amanhã qualquer voz dissonante pode ser silenciada da mesma forma”, eu disse durante audiência oficial.
No meio desse cenário de hostilidade crescente contra as mulheres, um grupo se destaca por sua resistência: a Matria. O grupo, que reúne mulheres de diferentes espectros ideológicos, tem sido uma das poucas vozes ativas na defesa da mulher biológica. Durante anos, feministas e evangélicos estiveram em lados opostos, mas agora até setores religiosos reconhecem o trabalho da Matria na defesa do que significa ser mulher.
O Dia Internacional das Mulheres nasceu como uma luta das mulheres trabalhadoras. Hoje, mais do que nunca, essa luta se torna essencial e não é mais apenas pelos direitos profissionais e sociais, mas pelo direito de existir como mulheres. O que era uma celebração da força feminina virou um campo de batalha ideológico, onde discordar pode custar caro. No entanto, uma coisa é certa: por mais que tentem nos silenciar, as mulheres continuarão a lutar para definir sua própria identidade e seu próprio espaço.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos





