Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Cidadania Digital

Cidadania Digital

Ideologia

O problema do governo Lula não é com Netanyahu nem com Israel: é com os judeus

A Organização dos Estados Americanos criticou o Brasil por sair da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto. Especialista afirma que este é o governo mais antissemita "desde a Era Vargas". (Foto: EFE/EPA/DUMITRU DORU)

Ouça este conteúdo

Na semana passada, o governo Lula decidiu retirar o Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), uma entidade criada em 1998 na Suécia para preservar a memória dos judeus e outras vítimas do Holocausto e combater o antissemitismo em âmbito global. A adesão à IHRA não exige posicionamento político sobre o Oriente Médio nem implica vínculos diplomáticos com Israel, país que, aliás, só foi admitido anos após a fundação da aliança.

Ainda assim, o governo brasileiro optou por romper com a entidade, sob o pretexto de que ela seria “instrumentalizada por uma determinada pauta geopolítica”. A Organização dos Estados Americanos (OEA) reagiu com dureza. Em nota oficial, afirmou que a decisão do Brasil representa um retrocesso no compromisso com os direitos humanos e a preservação da memória histórica do Holocausto.

Ao associar a IHRA ao governo israelense ou ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Lula distorce o sentido da aliança e, pior, transforma a política externa do Brasil em palanque ideológico

Para muitos brasileiros, a retirada da IHRA foi recebida com surpresa e perplexidade. A IHRA é formada por 35 países membros e mais de 10 observadores, entre eles diversas nações da América Latina, Europa, América do Norte e Oriente Médio. Desde os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, vários estados e municípios brasileiros passaram a aderir à definição de antissemitismo adotada pela IHRA, em ações que não têm qualquer relação com política externa: tratam-se de medidas locais de proteção às comunidades de judeus diante do crescimento de episódios de antissemitismo aqui no Brasil.

O problema é que, ao associar a IHRA ao governo israelense ou ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Lula distorce o sentido da aliança e, pior, transforma a política externa do Brasil em palanque ideológico. A fala do presidente não tem nenhum impacto sobre o conflito internacional. Nenhuma declaração feita em Brasília moverá um fio de cabelo de alguém envolvido em conflitos no Oriente Médio. No entanto, aqui dentro do Brasil, onde convivem pacificamente judeus, árabes, persas e imigrantes de múltiplas origens, discursos de ódio têm consequência direta. Colocam em risco a segurança de brasileiros e estrangeiros que sempre viveram em paz no nosso país, fazendo negócios, criando famílias, construindo pontes.

VEJA TAMBÉM:

O Brasil é historicamente um porto seguro para os povos do mundo. Judeus e muçulmanos, turcos, armênios, libaneses, sírios e iranianos partilham bairros, estabelecimentos comerciais, escolas e comunidades inteiras há gerações, sem conflitos motivados por religião ou origem étnica. Ao importar para cá o ódio que dilacera outras regiões do planeta, o governo brasileiro desrespeita nossa própria história de paz e integração. Trata-se de uma inversão perversa dos valores constitucionais que nos regem, substituindo o universalismo solidário por uma retórica de divisão.

Como apontou o jurista e desembargador federal William Douglas, do TRF-2, em artigo publicado no Congresso em Foco sob o título "Inconstitucionalidade e racismo: qual é a política do governo Lula?", a declaração do presidente não deve ser lida como uma fala isolada, mas como marco de uma inflexão institucional na política externa brasileira. “O governo decidiu mudar nossa política externa e escolher um lado em uma guerra milenar. Fez isso de forma ofensiva e inaceitável”, afirma.

Ao deixar clara sua indignação, William Douglas observa que essa guinada fere diretamente os princípios constitucionais que regem nossas relações internacionais: “Ao ofender um povo e um país aliado do Brasil, Lula afrontou o artigo 4º da Constituição”. Em vez de promover a paz, o governo contribui para o acirramento de conflitos não no Oriente Médio, mas dentro do Brasil. Essa inversão de valores, segundo o jurista, revela que a diplomacia brasileira está sendo instrumentalizada por ideologias e ressentimentos que nada têm a ver com os interesses nacionais ou a segurança dos brasileiros.

É exatamente essa instrumentalização que me preocupa. O Brasil precisa continuar sendo o país em que judeus fazem negócio com árabes, que têm comércio com persa, que convive com turco, armênio, ucraniano, russo e quem mais tiver sido acolhido aqui. Precisamos cuidar do ambiente de paz que nossos antepassados construíram com sangue, suor e lágrimas, depois de guerras que dilaceraram seus países de origem. Não podemos permitir que, por ignorância ou fanatismo político, esse legado se perca. O Brasil não pode ser transformado num campo de batalha ideológico.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.