
Ouça este conteúdo
Na última semana, São Paulo sediou a masterclass que marcou o lançamento da edição brasileira do livro Liberdade de Expressão: de Sócrates às Mídias Sociais, do jurista dinamarquês Jacob Mchangama. Tive a honra de ter sido escolhida para fazer o prefácio brasileiro da obra já publicada em diversos países. O evento reuniu especialistas, estudantes e ativistas em torno de uma ideia simples, mas constantemente esquecida: sem cultura de liberdade de expressão, não há lei que a sustente.
A última masterclass contou com duas conferências principais: a do professor Fernando Schüller e a de Jacob Mchangama, autor da obra. Estive presente e encontrei vários amigos. Gostaria que um dia todas as pessoas pudessem ter acesso a eventos assim, faria bem demais ao Brasil. Ambas as falas convergiram num ponto essencial: a liberdade de expressão não é um enfeite institucional, mas um pacto cultural. Sem ele, toda estrutura normativa está fadada à manipulação oportunista. Não há lei capaz de garantir a liberdade de expressão se a cultura do povo não dá importância a ela.
Esse é o centro da questão. Os ataques à liberdade de expressão no Brasil de hoje não vêm só da caneta do Estado. Eles se escondem também nos algoritmos da patrulha moral, nos coletivos que censuram em nome da inclusão
Como explicou o professor Schüller, o Brasil vive uma espécie de autoritarismo instrumental: um ambiente em que a retórica da defesa da democracia é usada seletivamente para calar vozes dissidentes, aprovar legislações ambíguas e sustentar mecanismos de censura indireta. Isso existe à direita e à esquerda, é uma questão cultural e não política. Segundo ele, essa tendência se alimenta da erosão da cultura pública de tolerância à divergência e tem se intensificado justamente entre aqueles que mais proclamam defender a liberdade.
O lançamento do livro de Jacob Mchangama ocorre em um momento decisivo. A obra é um verdadeiro antídoto contra o obscurantismo disfarçado de civilidade. Trata-se de uma investigação histórica monumental sobre as conquistas, os retrocessos e as armadilhas recorrentes em torno da liberdade de expressão, desde os julgamentos de Sócrates até os dilemas éticos das redes sociais.
No artigo que escreveu sobre o evento, o jornalista Erich Thomas Mafra sintetiza bem o espírito da masterclass: “A liberdade de expressão não deve ser defendida apenas quando convém aos nossos argumentos.” Leia o artigo na íntegra aqui
Esse é o centro da questão. Os ataques à liberdade de expressão no Brasil de hoje não vêm só da caneta do Estado. Eles se escondem também nos algoritmos da patrulha moral, nos coletivos que censuram em nome da inclusão, nas redações que silenciam os próprios colunistas por medo de represálias. Não é raro ver grupos que juram defender liberdades votarem leis antipiadas ou organizarem campanhas de intimidação contra críticos.
Mchangama lembra que nenhuma geração está imune ao autoengano de acreditar que a sua causa é tão justa que merece exceção ao princípio. Esse é o caminho mais curto para o autoritarismo, não importa que sejam alegadas boas intenções. A história mostra que todas as vezes em que essa liberdade foi relativizada por uma “boa causa”, o resultado foi a ruína da causa e da liberdade. A defesa da liberdade de expressão precisa sair dos manuais jurídicos e voltar a habitar o coração da cultura democrática. Esse é o grande desafio do Brasil hoje.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos





