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Jacob Mchangama no Brasil é marco na defesa da liberdade de expressão

O advogado dinamarquês Jacob Mchangama vem ao Brasil lançar livro sobre liberdade de expressão
O advogado dinamarquês Jacob Mchangama vem ao Brasil para lançar seu livro sobre liberdade de expressão. (Foto: John Russell/Universidade Vanderbilt)

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Nesta semana, São Paulo será palco de uma masterclass histórica sobre liberdade de expressão. O evento, organizado por um consórcio plural de instituições, reunirá juristas, jornalistas, pesquisadores, parlamentares e representantes da sociedade civil em um ambiente de debate que tem se tornado cada vez mais raro no Brasil: aquele em que é possível divergir com liberdade, respeito e base factual. A ocasião também marca o lançamento da edição brasileira do livro Free Speech: A History from Socrates to Social Media, de Jacob Mchangama.

Como relata o jornalista Erich Thomas Mafra na Gazeta do Povo, trata-se de um evento inédito que celebra a liberdade como um valor acima de ideologias e polarizações. O artigo destaca que “será uma oportunidade de reafirmar os compromissos democráticos com a liberdade de expressão em meio à escalada de discursos de controle por parte do Estado e da sociedade” (leia aqui).

A presença de Jacob Mchangama em São Paulo é simbólica. Traz para o nosso contexto o peso da experiência internacional, o alerta dos erros já cometidos em outras partes do mundo e a inspiração de quem acredita que o diálogo ainda é possível

Tenho muito orgulho por ter sido escolhida para escrever o prefácio da edição brasileira dessa obra. Não se trata apenas de um reconhecimento profissional, mas de um chamado simbólico que dialoga com minha trajetória. Ao longo de 29 anos no jornalismo, enfrentei tentativas de censura de todos os lados do espectro político, já fui alvo de campanhas coordenadas de difamação, ameaças e silenciamentos. Isso ocorreu inclusive dentro das próprias instituições que deveriam proteger a liberdade de imprensa. Aprendi, na prática, que o direito de falar é sempre o primeiro a ser atacado quando o poder se sente inseguro. E que defender esse direito não é um gesto de conveniência ideológica, mas uma obrigação moral com a democracia.

O autor da obra, Jacob Mchangama, é um nome incontornável no cenário global da defesa das liberdades civis. Dinamarquês, jurista e ativista, é fundador da Justitia, uma organização independente dedicada ao Estado de Direito e aos direitos fundamentais. Além de pesquisador respeitado, Mchangama é um formulador atento às ameaças contemporâneas à liberdade: do populismo autoritário à cultura do cancelamento, da censura estatal à censura privada exercida por plataformas ou grupos de pressão.

Seu livro é mais do que uma história da liberdade de expressão. É um mapa das batalhas travadas por séculos em nome da possibilidade de discordar. A narrativa começa na Grécia antiga, passa pela Roma imperial, pela Inquisição, pela Revolução Francesa, pelo Iluminismo, pelos totalitarismos do século XX e chega às democracias digitais do século XXI. O que emerge desse percurso é uma lição incontornável: sempre que a humanidade avançou em direção à justiça e à dignidade foi porque houve espaço para o dissenso. E sempre que ela mergulhou em violência, opressão e ignorância foi porque alguém calou as vozes incômodas.

Mchangama mostra que os inimigos da liberdade de expressão são camaleônicos. Mudam de discurso, de bandeira, de argumento. Já se vestiram de cruz e coroa, já empunharam foices e martelos, já desfilaram em toga ou em farda, já usaram hashtags. Mas todos partilham o mesmo impulso autoritário: o desejo de controlar o que os outros podem dizer, pensar e saber.

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É também por isso que o debate brasileiro exige cuidado redobrado. Há os que atacam a liberdade abertamente, com projetos mal redigidos ou decisões judiciais abusivas. Mas há também os que juram defendê-la e, no momento seguinte, votam leis que criminalizam piadas, patrulham críticos, e tentam silenciar adversários por via institucional ou pressões diretas contra a família dos críticos. Fingem combater a censura enquanto alimentam o pânico moral que a legitima.

No Brasil de hoje, a liberdade de expressão tornou-se alvo tanto de governos quanto de militâncias e até de setores da imprensa que deveriam defendê-la. Há quem deseje criminalizar o erro, o humor, a religião, a opinião. Há quem finja proteger os vulneráveis para justificar a censura a todos. O que está em jogo é mais profundo: não é apenas o direito de falar, mas o direito de existir fora da cartilha dominante.

A masterclass e o lançamento desta obra representam, portanto, mais do que um evento editorial. São uma declaração pública de compromisso com os fundamentos da democracia. São um lembrete de que a liberdade de expressão não é um capricho burguês nem uma concessão estatal, mas a base sobre a qual se ergue toda a arquitetura da vida em comum.

A presença de Jacob Mchangama em São Paulo é simbólica. Traz para o nosso contexto o peso da experiência internacional, o alerta dos erros já cometidos em outras partes do mundo e a inspiração de quem acredita que o diálogo ainda é possível. Seu livro, agora disponível em português, chega em boa hora. Que seja lido, debatido e, acima de tudo, compreendido. Porque a liberdade de expressão é fácil de perder e difícil de reconquistar. Além disso, é a mãe de todas  as liberdades. Sem liberdade de expressão não é possível garantir as liberdades existentes nem pleitear mais liberdades.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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