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No auge da militância, tolerância com trans desaba no Reino Unido
| Foto: Unsplash/Ian Taylor

Nos últimos quatro anos, justamente no auge da militância, a tolerância com as pessoas trans desabou no Reino Unido. É o que mostra a pesquisa British Social Attitudes, feita periodicamente nos últimos 40 anos pelo governo britânico. Em todas as demais questões pesquisadas, que envolvem sempre a pauta de costumes, houve avanço da visão liberal.

É uma pesquisa interessante porque não tem relação com o que a pessoa pratica ou acredita ser melhor para a própria vida. O governo levanta periodicamente qual a tolerância para que outras pessoas tenham determinado comportamento, sob o ponto de vista exclusivo da avaliação moral. A pesquisa faz algumas afirmações e pergunta se o entrevistado concorda totalmente, discorda totalmente ou nenhuma das duas coisas. A primeira amostragem é de 1983, mas nem todas as perguntas começaram a ser feitas naquela época. A pesquisa ganhou mais nuances, então alguns temas começam a ser medidos depois.

O repertório militante é apenas uma desculpa para promover no mercado determinado grupo e inviabilizar a concorrência.

Na questão da formação de família houve uma mudança grande entre a década de 1980 e esta década de 2020. As perguntas sobre o tema são, por exemplo:

Não há problema em um casal viver junto sem a intenção de se casar.

Em 1994, 64% concordavam com isso, número que subiu para 81% agora. Os que discordavam caíram de 19% para 8%.

Pessoas que desejam ter filhos devem obrigatoriamente se casar.

Em 1983, 70% pensavam assim e o número caiu para 24%. Os que eram contrários cresceram de 17% para 45%. Triplicaram os que não têm opinião formada, de 10% para 30%.

A violência das campanhas que fingem defender direitos de pessoas trans ficou conhecida no mundo todo.

Também cresceu exponencialmente a tolerância com sexo antes do casamento e relações entre pessoas do mesmo sexo nos últimos quarenta anos, com uma pequena queda de 2019 para cá.

No gráfico, a linha roxa define quem acha não haver nenhum problema com sexo antes do casamento. A cor de rosa é dos que consideram não haver nenhum problema com relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

A importância dada à fidelidade no casamento, no entanto, permanece quase inabalada entre os britânicos nos últimos 40 anos.  Em 1983, 58% dos britânicos diziam considerar sempre errado o sexo de uma pessoa casada fora do casamento. Hoje, o índice é de 57%.

Um dado interessante do compilado das pesquisas é que a moral pública não muda do dia para a noite. Também quando vemos os recortes por idade, fica claro que cada geração acaba mantendo boa parte de seus conceitos morais ao longo da vida.

Obviamente existem mudanças. O mundo muda e nós também aprendemos com a vida. O que não há ali é mudança radical. Aliás, há uma única: a visão sobre pessoas transgênero.

A perseguição à escritora J. K. Rowling, criadora de Harry Potter, é um marco.

A discussão pública sobre o tema começa em 2004 no Reino Unido. Há um debate legal acerca do reconhecimento. Em 2005, passa uma lei que permite a mudança dos documentos das pessoas que se identificam com o outro sexo e comprovadamente têm disforia de gênero.

De 2016 até 2019, a visão sobre transexuais quase não mudou no Reino Unido. As perguntas feitas sobre o tema eram autodescritivas e divididas em três níveis diferentes.

O nível de preconceito auto-descrito em relação a pessoas que são transgênero.

“Muito preconceito” ficou sempre em torno de 2% ou 3%. Agora saltou para 6%.

“Um pouco de preconceito” era em torno de 12% a 5% e saltou agora para 27%.

“Nenhum preconceito” ficava em torno de 82% a 83% e agora caiu para 64%.

Qual a grande mudança que aconteceu em 2019? Foi a tal história da autodeclaração, que causa polêmica no mundo todo. Até 2019, só se reconhecia como transgênero a pessoa que tinha o diagnóstico de disforia de gênero e realmente fazia esforços para ser reconhecida como de outro sexo. Além disso, era um tema relacionado exclusivamente a pessoas maiores de idade.

É importante notar que, antes dessa época, nem no Reino Unido e nem no Brasil havia tanta popularidade nos tratamentos cirúrgicos. Claro que havia pessoas que recorriam e a história mais famosa por aqui é a de Roberta Close. Mas havia também casos como o de Rogéria, que jamais desejou um tratamento cirúrgico mas se apresentava socialmente como figura feminina.

Basta carimbar uma mulher como transfóbica para que se justifique a destruição dela.

A autodeclaração passou a questão a uma outra realidade. Basta alguém dizer que é de outro sexo para ser reconhecido como sendo uma pessoa trans. É precisamente esse ponto que incendiou a opinião pública. No Reino Unido ainda tem o adicional de baixar a idade para 16 anos.

A violência das campanhas que fingem defender direitos de pessoas trans ficou conhecida no mundo todo. A perseguição à escritora J. K. Rowling, criadora de Harry Potter, é um marco. Basta carimbar uma mulher como transfóbica para que se justifique a destruição dela.

Eu sou uma das pessoas que enxerga nesse tipo de militância um fenômeno de mercado e concorrência desleal completamente desconectado com causas. O repertório militante é apenas uma desculpa para promover no mercado determinado grupo e inviabilizar a concorrência.

A lógica do melhor produto deixa de valer e é substituída por julgamentos morais sumários, promovidos pelos canceladores. Este é, aliás, o pano de fundo de todos os casos que conto no meu livro, Cancelando o Cancelamento, publicado pela LVM Editora.

Se havia dúvidas quanto ao efeito da militância sobre a causa, agora não há mais. Tudo o que fizeram fingindo que defendiam o direito das pessoas trans só serviu para aumentar o preconceito.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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