Imagine que você conseguiu fugir de uma ditadura para viver em uma democracia. Ali é possível exercer sua profissão. Você conhece alguém para formar uma família e alcança esse objetivo. Vê seus filhos formados em faculdades de qualidade, com toda a vida pela frente. Imagine agora que, além de tudo, é um país seguro. Você pode andar falando ao celular na rua sem se preocupar. O caixa eletrônico é na rua e ninguém se preocupa.
É tão seguro que o povo criou o hábito de acampar na praia. As praias têm estrutura para isso. Você reúne seus amigos e os filhos de todos para esse tipo de programa. Passam o dia na praia e pernoitam, cantam, se divertem juntos. Voltam para casa só no dia seguinte. Diversas famílias e grupos de jovens fazem isso sempre.
O Hamas é a antítese de tudo aquilo que o progressismo ocidental diz defender. Pouco importa para aqueles hipnotizados pela ideologia
Num sábado, às 6h30 da manhã, o chão é tirado dos seus pés. Nessa praia idílica à beira do Mar Mediterrâneo, ocorre uma invasão de terroristas por mar e terra. Os adultos escondem as crianças nos vestiários. Os terroristas matam todos, com requintes de crueldade. Não sobra ninguém.
Seu filho, criado nessa democracia segura, está a 15 dias de se formar. Vai receber o diploma de advogado dia 24 de outubro. No dia 7 de outubro, ele é convocado para o exército. Uma semana depois, uma bomba explode e ele perde a visão. Sua vida passa a ser a reabilitação do seu filho.
Não é um filme, são histórias reais. Conheci essas duas histórias de perto durante uma semana em Israel, a convite da família Safra. A praia paradisíaca de Zikim se transformou em um cenário de filme de horror. É o depósito de uma carnificina covarde, perpetrada contra crianças que se divertiam no mar. A estrutura do balneário foi convertida num símbolo da crueldade humana, com os vestígios e o odor dos assassinados de inocentes.
Deby Levi, dentista, passa os dias à beira do leito do filho Matán. Ele perdeu um olho e o outro teve o nervo óptico desligado. Foi vítima de uma bomba em Gaza quando combatia pelo exército em 14 de outubro. As últimas imagens que seus olhos registraram foram do pior que o ser humano pode ver. Agora ela busca uma forma de reconstruir a vida do filho e de toda a família.
Percebi que existe realmente um mar de desinformados já inundados por uma ideologia confusa, que se diz progressista sem ser.
Contei um pouco dessas histórias nas minhas redes sociais, enquanto estava em Israel. Felizmente, a maioria das pessoas conserva em si a qualidade humana. Mas havia uma minoria barulhenta e insistente que era indiferente a essas histórias, só perguntava por que eu não ia para Gaza.
Num primeiro momento, pensei que era provocação pura e simples. Sou católica, mulher e jornalista independente. É praticamente um símbolo de tudo aquilo que o Hamas pretende varrer da face da terra. Depois percebi que existe realmente um mar de desinformados já inundados por uma ideologia confusa, que se diz progressista sem ser.
A esquerda ocidental é cada vez mais focada em pautas identitárias. Diz defender a liberdade das mulheres, da população LGBT e de todas as etnias minoritárias. É precisamente o contrário do que o Hamas pretende. Esse grupo terrorista não tem meias palavras, diz precisamente o que pretende. Um trecho do manifesto de fundação do Hamas, de 1988, diz o seguinte: “A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por matá-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venha e mate-o”.
O que fará essas pessoas acordarem? É uma das grandes questões do nosso tempo. Política e militância só fazem sentido quando conectadas com a realidade.
Parece ser algo que se encaixa como uma luva na definição de genocídio. Ainda assim, vemos movimentos que se dizem progressistas ou de esquerda apoiando isso tudo. Pior, juntam-se a ditaduras na tentativa de dizer que Israel é genocida. O governo do Brasil, infelizmente, embarcou nessa história.
Mais chocante é que os progressistas não tenham se oposto de forma veemente a esse movimento. Vemos ícones internacionais, como Greta Thunberg, defendendo as práticas do Hamas e atacando Israel. Aqui é importante deixar claro que não se trata de defender os palestinos ou famílias palestinas que sofrem com a guerra. É o que alegam esses defensores, mas não passa de falácia. O próprio Conselho Islâmico da Fatwa emitiu um comunicado que condena as práticas e ideias do Hamas.
Se nem o mundo islâmico, com suas regras particulares, admite o Hamas, por que vemos a defesa em gente que se diz progressista? É a mágica da ideologia cega do identitarismo, completamente divorciada da realidade. Essa ideologia divide o mundo em duas categorias, oprimidos e opressores. O oprimido não é quem realmente é oprimido, falamos aqui de caixinhas de grupos sociais que essa ideologia considera hipoteticamente que sejam oprimidos. Os opressores, igualmente, não são aqueles que oprimem. São aqueles colocados em categorias sociais que hipoteticamente são opressoras ou colonialistas.
Nessa lógica de pensamento, dissociada da realidade, o judeu é o ícone do branco colonialista. A receita fica mais apimentada porque, apesar de perseguido, o povo judeu recusa o carimbo de vítima. Para o identitarismo, a sentença está dada: contra os judeus tudo vale.
O Hamas é a antítese de tudo aquilo que o progressismo ocidental diz defender. Pouco importa para aqueles hipnotizados pela ideologia, já abriram mão do contato com a realidade. Racionalizam dizendo que Israel é um Estado branco colonialista, portanto deve ser combatido. O que fará essas pessoas acordarem? É uma das grandes questões do nosso tempo. Política e militância só fazem sentido quando conectadas com a realidade. Quando os fatos não importam, criamos espaço para o império da barbárie. É algo que não podemos permitir.
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