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Censura nas redes sociais
Imagem ilustrativa.| Foto: Bigstock / Rafael Henrique

Um levantamento do Pew Research Center nos Estados Unidos mostrou que o Twitter é uma bolha de jovens progressistas, a maioria identificada com o partido democrata. Não é algo que a empresa faça de propósito nem que seja possível fazer, mas traz consequências para todo o debate sobre política e sociedade.

No ambiente altamente politizado e polarizado em que vivemos, muita gente vai apelar ao tradicional “ah, eu já sabia” ou “nem precisava de estudo para saber isso”. Como diz Daniel Boorstin no excelente livro The Image, “o maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento”. Se queremos sair dessa situação insuportável de desconfiança generalizada e brigas intermináveis, precisamos primeiro conhecer com mais profundidade o impacto das novidades digitais no comportamento, na política e na imprensa.

O poder do Twitter não vem do número de usuários, vem da capacidade de emplacar tendências na imprensa mainstream.

Nos Estados Unidos, 22% da população usa o Twitter. É praticamente o dobro do percentual de brasileiros que usa essa rede social. Se você compartilha notícias ou tem participado de campanhas, provavelmente não é no Twitter que você faz isso. O cidadão comum tende a usar mais o WhatsApp, o Facebook e o Instagram. Agora, muita gente tem usado também o Tik Tok e o Kwai.

O poder do Twitter não vem do número de usuários, vem da capacidade de emplacar tendências na imprensa mainstream. E isso se deve a características que muita gente percebe e intui, mas o estudo detalha de forma objetiva. A primeira questão é que uma minoria ínfima dos usuários é responsável por todo esse caminhão de tretas do Twitter que acabam no noticiário, em demissões e quebras de contratos.

Atualmente, 80% de tudo o que ocorre no Twitter é postado por 10% dos usuários. A diferença entre os 10% mais ativos e os restantes é abissal. Foi feita uma conta da frequência do “usuário médio” da rede. Ela não vai trazer um perfil real, é uma hipótese matemática. Você pega a soma das postagens de todo mundo em um mês e divide pelo número de perfis. Dessa forma, a média daria dois tweets por mês.

Uma minoria dos usuários entra todos os dias no Twitter. No entanto, é ali que surgem tendências, debates e tretas com potencial para chamar a atenção de jornalistas. Não é pela divulgação via redes sociais ou pelo fenômeno da internet que o Twitter se torna um ambiente poderoso. É pela forma como se amalgamou à imprensa tradicional e à indústria da publicidade. Você deve conhecer inúmeros vídeos de política que circulam por diversas redes e jamais estiveram no noticiário. No entanto, se o mesmo político posta isso no Twitter ou tuíta algo, isso chegará à grande imprensa e será tratado como assunto jornalístico.

Por que isso muda completamente o jogo? Porque tudo o que sai na imprensa retroalimenta aquilo o que está em todas as redes. Essas plataformas começaram com uso social, mas mudaram. A gente entrava em Facebook, por exemplo, para encontrar amigos da escola que se perderam da gente pela vida. Hoje, a maior parte das interações entre usuários nas redes é para troca de notícias ou comentário de notícias.

Colocar um tema ou uma treta no noticiário jornalístico potencializa imensamente as ações nas redes. Muitos políticos hoje vivem disso, de fazer algo que escandalize e aguardar que inteligentinhos reajam com “veja que absurdo isso que fulano disse”. Só com isso a divulgação já é enorme nas redes sociais. Se chega ao noticiário, é a explosão do nome em todos os cantos. Quem não pegou a primeira onda de compartilhamento será atingido por essa. Quem pegou a primeira vai embarcar com o gosto especial de ter sido pioneiro na informação.

Muita gente reclama do viés ideológico em ações do Twitter e da própria imprensa. Não é segredo que, entre profissionais de imprensa aqui e em vários cantos do mundo, a maioria esmagadora é progressista e de esquerda. Ainda que você suponha a aplicação correta e disciplinada da técnica jornalística, é inegável que o produto final vai retratar um desequilíbrio ideológico muito grande. Isso realmente ocorre.

A partir do Twitter, nós temos um novo problema. A fonte de notícia também passa a ter viés ideológico. Mas acaba sendo tomada pelo todo, como se aquele ambiente fosse representativo da população porque efetivamente tem perfis de todos os matizes políticos. A demografia dos tuiteiros norte-americanos é muito diferente daquela do país. São pessoas mais jovens, com mais anos de estudo e muito mais tendência a se declararem simpatizantes do Partido Democrata.

Conhecer os detalhes dessa nova dinâmica digital é fundamental para que governos, empresas e a sociedade civil encontrem meios mais saudáveis de conviver no universo digital.

A questão da juventude – e, por que não, inexperiência – é muito flagrante. A população dos EUA se divide basicamente meio a meio entre as faixas dos 18 a 49 anos e acima de 49 anos de idade. No Twitter, no entanto, aqueles de 18 a 49 anos são 3 vezes mais frequentes que os acima de 49. Os únicos recortes em que a população do Twitter coincide com a população norte-americana são gênero e raça. Na questão econômica, no entanto, são pessoas com renda mais alta que a média do país.

Também as opiniões entre usuários são diferentes da média nacional. Há proporcionalmente mais pessoas dizendo que negros recebem tratamento pior que brancos, que mulheres têm barreiras para o progresso profissional e que imigrantes engrandecem o país.

Um ponto me surpreendeu. Você acha que as pessoas hoje se ofendem demais com tudo na internet? Entre esses tuiteiros jovens, ricos e democratas, qual você acha que vai ser a resposta? Eles vão responder que o pessoal se ofende com qualquer coisa hoje em dia em proporção igual, maior ou menor do que a população em geral? Maior. Por essa eu não esperava. Quando você pergunta nos EUA se o povo se ofende demais na internet, 54% dizem que sim. Quando você pergunta aos tuiteiros, 59% dizem que sim.

Conhecer os detalhes dessa nova dinâmica digital é fundamental para que governos, empresas e a sociedade civil encontrem meios mais saudáveis de conviver no universo digital. Eu não tenho a menor dúvida de que a tecnologia trouxe avanços inestimáveis para a humanidade e vai continuar trazendo. Precisamos aprender a não nos deslumbrar nem nos apavorar, pegar o que é bom e desprezar o que não nos serve.

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