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Padre Zezinho.
Padre Zezinho.| Foto: Reprodução/Redes Sociais

Fiquei muito triste ao ver que o padre Zezinho decidiu sair das redes sociais até que as eleições acabem, devido ao uso de seu espaço, sempre voltado à espiritualidade cristã, por gente que faz campanha política de forma agressiva. A tristeza foi maior ainda ao ver a declaração dele, tão detalhada e bem explicada, acabar destroçada e distorcida pela polarização política brasileira.

Estudei em colégio de freiras dos três aos dezesseis anos de idade. Fui criada com as músicas do padre Zezinho. Tenho um carinho imenso por ele e acompanho sua mensagem, que sempre coloca a religiosidade acima da política.

Foi noticiado que ele deixou as redes por causa do bolsonarismo. Amigos meus, que não são familiarizados com o trabalho do padre, já assumiram imediatamente que estão diante de mais um religioso petista. “São Paulo tinha razão quando escreveu as epístolas a Timóteo e aos cristãos de Tessalônica. Não querem catequese, nem o Vaticano II, nem os documentos da CNBB , nem nenhuma orientação social e espiritual. Já escolheram ser catequizados por dois poderosos políticos brasileiros.”, diz o padre. (grifo meu)

Há os que simplesmente xingam o padre Zezinho porque ele não declara qual é sua posição política. Deveria dizer se é Lula ou Bolsonaro, para essas pessoas.

As respostas de irmãos católicos à postagem do padre são deprimentes. Aproveitam um desabafo dolorido para fazer campanha dos dois políticos poderosos. Dois comportamentos que se tornaram comuns no debate político de redes sociais se repetem indefinidamente nas respostas. Há os que simplesmente xingam o padre porque ele não declara qual é sua posição política. Deveria dizer se é Lula ou Bolsonaro, para essas pessoas.

Outros optam pelas postagens passivo-agressivas, aquelas que fingem acolher o desabafo e compreender mas servem apenas para dar mais uma alfinetada e, de quebra, fazer campanha. Dizem para o padre ficar tranquilo que o Lula será eleito e ele será livre de novo. Outros dizem que o padre pode ficar tranquilo que Bolsonaro será reeleito e não haverá mais ameaças à igreja. Estão repetindo justamente o comportamento sobre o qual o padre fala, o de preferir a catequese do político à catequese do religioso.

Padre Zezinho tem denunciado em suas redes sociais a ofensiva implacável do ditador Daniel Ortega aos religiosos católicos. Suas postagens, no entanto, raramente falam de questões políticas. São sempre focadas em passagens e ensinamentos bíblicos, na religiosidade católica.

E aí começa o problema. Ele começa a ser cobrado pelos fiéis para se posicionar. De nada valem mais de cinco décadas como padre, mais de 2 mil músicas que embalam nossa fé, mais de 100 livros religiosos publicados. É como se o valor do padre pudesse ser resumido a se posicionar politicamente no momento. As pessoas tendem a ficar muito agressivas nesse tipo de cobrança. Misturam o posicionamento político do sacerdote com a prática da fé.

Já tivemos outros momentos tensos na política nacional, mas não tínhamos as redes sociais. Elas geram um novo fenômeno do posicionamento político, o da extrema facilidade.

Para se alinhar a uma campanha, não é necessário alterar a rotina profissional, familiar ou realmente trabalhar na campanha. Muita gente já tinha esse tipo de posicionamento antes, colando adesivos no carro ou usando camisetas de políticos. A mudança agora é que essas posições entram no ecossistema da hipercomunicação. Colocar o adesivo de um candidato no perfil da rede social significa estar na campanha. Isso insere a pessoa em um grupo de apoio e automaticamente a expõe a um grupo de detratores.

Passamos boa parte do dia nas redes sociais. Essas conversas têm um impacto direto nas nossas relações. De alguma forma, o posicionamento político começa a ser colocado acima do trabalho espiritual, o que é uma incoerência absurda.

A Igreja Católica é fundada na ideia de hierarquia. Qualquer que seja o presidente, nos submetemos a ele como autoridade. Reconhecemos a autoridade dos membros do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Reconhecemos todas as autoridades públicas. Mas elas não interferem na religiosidade.

Irmãos de fé são acolhidos nas comunidades independentemente de suas cores partidárias ou ideologia. Há quem argumente que determinadas ideologias são incompatíveis com a fé cristã. Isso é verdade.

Seria perfeitamente possível usar as plataformas das Big Techs para espalhar a Palavra. Aparentemente, a preferência nacional é negar esse alimento e exigir que religiosos se posicionem politicamente sob pena de cancelamento.

Ocorre que o cristão condena o pecado, não o pecador. Você pode rechaçar a ideologia que a pessoa segue hoje mas, se for cristão, acredita na redenção e no poder do amor e do acolhimento para mudar o que aquela pessoa pensa. Cristãos convivem com pensamentos diversos e colocam os ensinamentos de Jesus acima das coisas do tempo.

Faço questão de transcrever na íntegra o desabafo do padre Zezinho:

“CANSEI DE ABRIR ESPAÇO PARA CATÓLICOS SUPER POLITIZADOS, IRADOS E INSATISFEITOS COM NOSSA IGREJA .  ESTOU ME RETIRANDO ATÉ DIA 31.

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DEPOIS DAS OFENSAS DE HOJE CONTRA O PAPA , contra os bispos, contra mim, com calúnias e palavras de baixo calão estou fechando esta página até dia 31 de outubro.

O triste é que as ofensas são todas de católicos radicais que preferiram o seu partido político ao catecismo católico.

São Paulo tinha razão quando escreveu as epístolas a Timóteo e aos cristãos de Tessalônica.  Não querem catequese, nem o Vaticano II, nem os documentos da CNBB, nem nenhuma orientação social e espiritual.

Já escolheram ser catequizados por dois poderosos políticos brasileiros.

Meus 81 anos, meus 56 anos de padre, meus 102 livros, minha cultura religiosa, minhas mais de 2 mil canções nada dizem para eles.

Insistem que não lhes sirvo mais como padre e pregador para eles.

Acharam candidatos mais católicos do que Papas e bispos, cujos documentos nunca leram . A Bíblia nada lhes diz. Só conhecem as passagens políticas que ajudem o seu partido. Padre bom é o que vota como eles.

Quem ajuda a dialogar com a Bíblia na mão é visto como padre inútil, ateu, comunista ou ultrapassado. Nem o papa argentino escapa. Há 2 mil anos os escribas e fariseus e saduceus e outros quatro grupos políticos fizeram o mesmo com Jesus. Para estes religiosos radicais e ultra politizados, tudo o que Ele dizia era errado.

Continuam a dizer que sou mau padre, que sou comunista e que sou traidor de Cristo e da Pátria porque ensino doutrina social cristã.

Dia 31 voltarei a conversar com os católicos serenos que ainda querem catequese espiritual e social e comportamental. Os outros já decidiram. Não querem estes livros que usamos para ensinar a fé católica.

Espero que estes católicos irados que desqualificam qualquer bispo ou padre que ousa ensinar um fiel a pensar como católicos consigam o que querem.

Querem um Brasil direitista ou esquerdista, porque está claro que não aceitam nenhuma pregação moderada que propõe diálogo político, social e ecumênico.” diz o padre Zezinho (grifos meus).

O fenômeno de religiosos com posicionamentos políticos marcados não é novo. Temos há décadas. A novidade é que os fiéis comecem a cobrar isso de líderes espirituais.

Antes dessa postagem, o padre Zezinho postou um vídeo de 2017, quando dizia que todos temos a obrigação de louvar as boas coisas do nosso Brasil. Também dizia que temos a obrigação de falar das coisas que estão erradas, já que elas não vão se consertar sozinhas. Não adiantou. Continuaram cobrando um posicionamento no segundo turno das eleições, destilando extremismo político e ofensas.

O fenômeno de religiosos com posicionamentos políticos marcados não é novo. Temos há décadas. A novidade é que os fiéis comecem a cobrar isso de líderes espirituais.

Eu compreendo religiosos que fazem questão de explicitar suas posições. Admiro muito os que hoje em dia conseguem fazer isso e, ao mesmo tempo, continuar seu trabalho espiritual com fiéis de diversos matizes políticos. A espiritualidade sempre esteve acima das brigas políticas do nosso tempo para a maioria das pessoas. Religiosos com posições políticas muito marcadas sempre foram mais alvos de críticas do que de elogios.

Nesse mundo de redes sociais, esse valor acaba invertido. As pessoas quebram seus laços com os que estão próximos e com os que realmente podem dar apoio. Preferem estabelecer laços com desconhecidos que estão longe, conexões formadas por meio dos serviços das Big Techs, que apostam fortemente no divisionismo.

As redes sociais são uma tentação constante. Likes e compartilhamentos tentam a nossa vaidade e nossa necessidade de reconhecimento social. As grandes religiões monoteístas dizem que, onde há vaidade, não sobra espaço para Deus.

Seria perfeitamente possível usar as plataformas das Big Techs para espalhar a Palavra e chegar a mais pessoas que precisam de alimento espiritual. Aparentemente, a preferência nacional é negar esse alimento e exigir que religiosos se posicionem politicamente sob pena de cancelamento.

Talvez as redes sociais tenham transformado a política na nova religião. Resta saber quantos irão cair em tentação.

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