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Polícia prende ativista autista por postar meme contra o Hamas

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Terroristas do Hamas uniformizados. (Foto: MOHAMMED SABER/EFE/EPA)

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O que deveria ser apenas uma noite comum em Easingwold, no norte da Inglaterra, transformou-se em mais um capítulo da escalada de censura estatal no Reino Unido. Na quinta-feira, 26 de setembro de 2025, Pete North, 47 anos, blogueiro pró-Brexit e criador do site independente Manifesto Project, foi retirado de casa por dois policiais e levado a uma delegacia em Harrogate. O motivo: um meme contra o Hamas, enquadrado na Seção 19 do Public Order Act, que prevê punição para publicações consideradas “ameaçadoras, abusivas ou insultantes” capazes de “instigar ódio racial”. Ele foi interrogado e liberado horas depois, sem acusação formal. A mensagem, porém, é inequívoca: criticar um grupo terrorista pode significar ser arrancado de casa durante a noite.

North não é um agitador de massa nem um líder de partido no Reino Unido. Mantém um blog de política e, no Manifesto Project, publica reflexões sobre políticas públicas para a direita britânica, sem ligação com partidos ou parlamentares. Mesmo assim, viu sua casa virar palco de uma operação noturna para investigar um meme. O episódio não só expõe a fragilidade da liberdade de expressão, como também revela a contradição de um sistema que se diz comprometido com a inclusão, mas humilha e põe em risco a vida de uma pessoa neurodivergente.

O Telegraph registrou que mais de trinta pessoas são presas por dia no Reino Unido por postagens consideradas “ofensivas”, e menos de uma em cada vinte chega a ser processada

Em sua conta no X, o próprio North relatou a prisão, divulgou o vídeo e descreveu a crise de saúde que sofreu durante o episódio. “Além do absurdo de me prenderem por causa de um meme, há outra coisa de que preciso falar. Passei por um sério problema de saúde ontem à noite por causa desse episódio. Tenho uma forma de Tourette – e Tourette não é o que a maioria das pessoas pensa que é. Está no espectro do autismo”, escreveu. Ele contou que, ao ter o telefone tomado pela polícia, entrou em um estado de pânico: “Mal suporto ser tocado – especialmente por estranhos. Isso me levou a uma convulsão completa de Tourette. Fiquei preso em um loop, dizendo algo ofensivo sem parar. Disseram: ‘Se você não se acalmar, vamos algemar você’. Mas isso é algo que não tenho absolutamente nenhum controle.”

Segundo North, os agentes não demonstraram preparo para lidar com alguém no espectro autista. Ele descreveu a sensação de claustrofobia dentro da viatura: “Espaços fechados para pessoas autistas são um pesadelo. Só consigo tolerar compromissos sociais se puder sair a qualquer momento e se souber onde ficam as saídas”. O relato evidencia não apenas o excesso de zelo punitivo no Reino Unido, mas também a incapacidade do Estado de lidar com pessoas neurodivergentes em situações de estresse. Em um país que se orgulha de políticas de inclusão e diversidade, a cena de um autista algemado por causa de um meme revela o abismo entre o discurso e a prática.

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O Telegraph registrou que mais de trinta pessoas são presas por dia no Reino Unido por postagens consideradas “ofensivas”, e menos de uma em cada vinte chega a ser processada. Casos recentes reforçam esse padrão: a colunista Allison Pearson foi investigada, a ativista Lucy Connolly passou mais de um ano presa por um tuíte, e o humorista Graham Linehan, tema de minha coluna anterior, foi detido por comentários sobre identidade de gênero. Em todos os episódios, o Estado assume o papel de árbitro da ofensa, deslocando o debate público para o território da intimidação.

O contraste é gritante. Em nome de proteger minorias e combater o discurso de ódio, as autoridades do Reino Unido acabam atingindo justamente aqueles que a política de inclusão deveria amparar. O caso de Pete North é emblemático: um autista com síndrome de Tourette, exposto a uma situação de extremo estresse, sem que a polícia demonstrasse qualquer preparo para lidar com sua condição. A operação, supostamente destinada a resguardar direitos, terminou por violentar a dignidade de quem mais depende da sensibilidade institucional.

A contradição revela um problema mais profundo. O Reino Unido construiu um arcabouço legal para coibir discursos que incitam violência real, mas vem ampliando esse escopo para punir palavras que apenas provocam desconforto. Ao fazer isso, transforma a lei em ferramenta de controle moral, e não de proteção. A inclusão, que deveria significar respeito à diferença e acolhimento, vira pretexto para restringir a liberdade e reforçar o poder de uma burocracia ansiosa por disciplinar o pensamento.

Sob o pretexto de combater o ódio, cresce a prática de policiar a linguagem em vez de punir crimes reais. Centenas de pessoas são presas por mês por postagens consideradas ofensivas no Reino Unido. É um jogo de intimidação, como o próprio pai de Pete resumiu: “Estamos todos olhando por cima do ombro, pensando se seremos os próximos.”

A prisão de Pete North no Reino Unido não é sobre um meme nem sobre o Hamas. É sobre a escolha que democracias fazem quando trocam o direito de falar pelo conforto de calar. O que deveria ser exceção, punir ameaças reais, vira rotina burocrática de intimidação. O resultado não é mais segurança, mas menos liberdade. Uma sociedade que aceita esse arranjo não está protegendo ninguém, está apenas terceirizando à polícia a gestão da palavra, até que a própria palavra perca o sentido.

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