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O sociólogo Richard Miskolci voltou recentemente às redes sociais por conta de uma nova função acadêmica. Ele relatou a experiência em seu artigo Caindo na rede, de novo... (disponível aqui). Professor Titular de Sociologia do Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP, pesquisador do CNPq e Presidente do WG Digital Sociology da ISA (International Sociological Association), é referência nacional e internacional no estudo das interações digitais, da desinformação e de seus impactos sociais.
Conheço bem o peso da sua análise. Em 2022, escrevi na Gazeta do Povo sobre o cancelamento que ele sofreu, acusado de “transfobia” por militância que não conseguiu compreender a avaliação dele sobre a inviabilidade do conceito de “cisgênero”. Seu caso mobilizou juristas, acadêmicos e defensores da liberdade de cátedra, tornando-se um exemplo emblemático de como grupos organizados usam redes sociais para destruir reputações. Richard Miskolci não foi atacado por ofender ou discriminar, mas por pensar e não se render a repetir como papagaio teorias superficiais e sem sentido.
No texto mais recente, ele descreve o retorno às plataformas com um olhar de pesquisador experiente e de observador crítico. “Entrei nas redes pela primeira vez em 2008, como parte de uma investigação. Saí em 2014 porque percebi que a experiência estava interferindo na minha saúde mental e no meu trabalho. Agora, volto com um objetivo acadêmico e um olhar muito mais cuidadoso.” A escolha de palavras indica a consciência de que o uso dessas ferramentas não é neutro. Há sempre efeitos na vida emocional e profissional de quem se expõe.
Ele recorda que, antes das redes, “as relações eram mediadas por contextos físicos e temporais que filtravam os conflitos e reduziam a velocidade das reações”. Hoje, algoritmos projetados para maximizar engajamento amplificam indignações e moldam a percepção do que é relevante ou verdadeiro. Essa aceleração artificial provoca distorções. “Ao navegar pelas redes, logo percebi que elas são ambientes propícios a reforçar visões de mundo pré-existentes e a polarizar posições, mesmo quando não há razão para tanto.”
Lembrar como era a vida antes das redes é um passo decisivo para não confundir a voz mais alta com a mais importante
O relato se mistura à constatação de que, no ambiente digital, grupos barulhentos e extremados ocupam um espaço muito maior do que representam na vida real. Foi exatamente essa dinâmica que o atingiu no episódio de cancelamento. Uma minoria organizada se valeu da lógica das plataformas para construir um clima de unanimidade artificial contra ele. Essa capacidade de inflar percepções é o que dá aos algoritmos poder para interferir não apenas em reputações, mas em decisões políticas, comportamentos de consumo e até mesmo no que consideramos “bom senso”.
Relembrar a vida antes da internet é um exercício útil. É resgatar a noção de que a mediação das interações por tempo e espaço funcionava como proteção natural contra exageros e linchamentos. Ao mesmo tempo, é reconhecer que a rede, quando usada com intencionalidade, oferece benefícios inegáveis: acesso rápido à informação, contato com pessoas distantes, possibilidade de divulgação de trabalhos sem depender de intermediários.
O desafio é inverter a lógica dominante. Não se trata de demonizar as redes, mas de assumir o controle sobre o tempo e a forma como as utilizamos. Usar, em vez de ser usado. Escolher, em vez de ser conduzido. Avaliar a diferença entre uma plataforma e outra, identificar como os algoritmos nos influenciam e decidir conscientemente que tipo de conteúdo queremos consumir e produzir.
A democratização da informação, talvez o maior legado positivo da internet, só se sustenta se soubermos preservar a liberdade de pensar fora das bolhas digitais e resistir à tentação de viver no ritmo das notificações. Lembrar como era a vida antes das redes é um passo decisivo para não confundir a voz mais alta com a mais importante e para garantir que o espaço digital nos dê a liberdade que almejamos em vez de nos tornar zumbis.





