
Já faz um bom tempo que Hollywood está em polvorosa com as adaptações de histórias em quadrinhos de super-heróis. Só neste ano, contando por baixo, teremos cinco super-produções do “gênero”, que já estão fazendo bonito nas bilheterias – Homem de Ferro 3 (Iron Man 3) e O Homem de Aço (Man of Steel) estão aí pra comprovar a empolgação dos executivos e do público.
Sempre é bom lembrar, porém, que as histórias em quadrinhos não se resumem a seres com superforça ou que disparam raios das mãos. Há muita HQ aí bem mais pé no chão e com potencial para agradar desde os adolescentes até os sessentões em busca de uma leitura mais séria. E que, assim, também rendem filmes dignos de Oscar. Um bom exemplo? Estrada para Perdição (Road to Perdition, 2002), filme dirigido por Sam Mendes e baseado na série de histórias escritas por Max Allan Collins e ilustradas por Richard Piers Rayner.
Estrada para Perdição, assim como Marcas da Violência (filme que já discuti aqui no blog), faz parte do seleto grupo de HQs que foram parar na mão de diretores consagrados e receberam adaptações requintadas – tanto que boa parte dos espectadores nem sequer sabe que as obras originais vieram dos quadrinhos. A adaptação da HQ de Collins e Rayner, inclusive, logo foi alçada ao hall dos grandes filmes sobre gangsteres e mafiosos, ao lado de produções como O Poderoso Chefão, Os Intocáveis, Era Uma Vez na América (relembre o épico de Sergio Leone aqui) e Inimigos Públicos.
O filme de Sam Mendes é, ao mesmo tempo, um policial noir e um drama familiar. A trama se passa na década de 1930 e tem como protagonista um pai de família quieto e sério que possui uma relação fraternal com um chefão da máfia irlandesa. Sua esposa e filhos não sabem e nem perguntam qual a real natureza de seus serviços prestados ao mafioso. Até que um dos dois guris resolve acompanhar escondido o pai em uma de sua “missões”. Logo, a verdade vem à tona. O homem nada mais é do que um assassino a serviço de criminosos – e com o nome muito temido na praça, inclusive.
Estrada para Perdição foi o segundo filme dirigido por Sam Mendes, logo após sua premiada estreia no cinema com Beleza Americana (American Beauty, 1999) produção que lhe rendeu o Oscar de Melhor Direção e faturou ainda as estatuetas de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. Havia, portanto, muita expectativa quanto ao que viria em seguida. Mendes recorreu novamente ao celebrado diretor de Fotografia Conrad Hall, que o havia acompanhado na empreitada anterior e, amparado pelos produtores Richard e Dean Zanuck, conseguiu reunir um elenco grandioso – e peculiar.
Tom Hanks encarna o protagonista Michael Sullivan, enquanto Paul Newman assume o papel do chefão mafioso John Rooney – o que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Completam o elenco principal Daniel Craig, que faz o filho de Rooney, e Jude Law, na pele de um misterioso assassino contratado para dar cabo de Sullivan. Tyler Hoechlin é o filho do protagonista, que narra a história.
Tanto o filme quanto a HQ relatam a busca por vingança do matador vivido por Tom Hanks, depois que sua esposa e um dos filhos são mortos pelo filho do chefão a quem ele devotou seus serviços – e sua lealdade – a vida inteira. O pai e o filho sobrevivente são consumidos pela culpa e se vêem mais próximos do que nunca. A paternidade, inclusive, é um dos temas predominantes na trama – Rooney possui uma relação distante e tumultuosa com seu filho biológico, um homem intransigente e ambicioso, ao passo que nutre um afeto escancarado pelo homem que é seu braço direito e faz seus serviços sujos. Laços que serão afetados de forma trágica ao longo da história, por meio de várias decisões difíceis.
“Quando li (a HQ), minha primeira reação foi: é um filme. Foi feito para ser um filme. São imagens, não diálogos”, resumiu o diretor Sam Mendes na época do lançamento. E, de fato, as imagens são de encher os olhos. A reconstituição de época é primorosa e detalhista, aproveitando muitos prédios e cenários da atual Chicago, onde se passa parte da trama. O apuro com a iluminação e a fotografia de várias cenas emblemáticas – entre elas, o belo tiroteio embaixo de chuva, quando Sullivan finalmente encontra seu antigo chefe – motivaram a entrega de um Oscar póstumo a Conrad Hall, que morreu no ano seguinte ao lançamento do filme.
Há quem tenha cravado que Estrada para Perdição é “o melhor filme de gangsteres desde O Poderoso Chefão“. Não é pra tanto. Comparações são inevitáveis, mas aqui a história é mais sobre a relação entre pai e filho do que sobre a ascensão de criminosos ou o embate entre mafiosos e a polícia. E provavelmente esse é o maior mérito de Estrada para Perdição – há pouco espaço para tiroteios e perseguições e muito para os personagens em si, que, longe de serem míticos, permitem uma história mais humana e emotiva. Quem aí não ensaiou algumas lágrimas no desfecho do filme?
Dá para encomendar as três edições da HQ no próprio site da Via Lettera. Cada uma sai por R$ 29. OK, é um preço salgado, até porque as revistas mereciam um melhor acabamento, como uma capa dura e formato americano. Mas garanto que a leitura vale o investimento. E, se você tiver sorte, quem sabe dá para encontrar em algum sebo ou aquelas feiras de livros que vendem obras “undergrounds” a baixo custo.
Já assistiu a Estrada para Perdição ou leu a HQ? O que achou do filme? Deixe seu comentário aqui no blog!






