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A modernidade exorcista: o cancelamento do diabo
| Foto: Bigstock

O sociólogo Zygmunt Bauman rachou de ganhar dinheiro escrevendo sobre a “modernidade líquida”, pois bem, vou convidar o Jean para escrevemos sobre “a modernidade exorcista”, quem sabe a gente racha de ganhar dinheiro também!

A modernidade líquida de Bauman já é passado. A segunda década do século XXI, apesar da morte do padre Quevedo, traz a ideia do exorcismo do diabo e sua turma. A ideia é exorcizá-los da sociedade, para que todos vivam o torpor dos anjos. Pera, acho que anjo também não pode, nada religioso pode...

A tarefa não é fácil, pois veja, a figura do diabo e seus asseclas é recitada em arte e prosa há milhares de anos. É impossível imaginar um mundo, por exemplo, sem os círculos do inferno da Divina Comédia de Dante Alighieri, o dilema de Fausto com o diabo Mefistófeles ou o Satã de John Milton.

Mesmo assim, falar do diabo é politicamente incorreto, então tais obras deverão ser queimadas, na fogueira da tolerância, onde todos, todas e todes poderão celebrar! Só que queimar a literatura não será suficiente, a Bíblia e o Alcorão terão que ir para a fogueira também, visto que as duas maiores religiões do mundo falam no diabo em seus textos. Jesus foi tentado pelo diabo no deserto (Mateus 4) e expulsa demônios diversas vezes em seu ministério (Lucas 4. 31-37). No Alcorão, o satã é chamado de Íblis e possui muitas semelhanças com o Satã do Cristianismo (Alcorão, Sura 7, 11-12).

E, agora? No exorcismo dos iluminados, o diabo e seu habitat, o inferno, precisam ser cancelados, nem que para isso seja preciso caçar as bruxas e todos aqueles que falam do diabo, não importa se bem ou mal. Na sanha de cancelar o diabo, os religiosos e suas religiões devem ser exorcizados do mesmo modo.

Falar do diabo é politicamente incorreto, então tais obras deverão ser queimadas, na fogueira da tolerância, onde todos, todas e todes poderão celebrar!

Evidentemente que o Cristianismo e o Islamismo não dependem do diabo, outrossim, quero aqui trazer uma reflexão. A religião existe a partir da existência de três elementos básicos: divindade, moralidade e culto. É necessário que o fiel tenha relação com uma divindade (ou várias), a partir de valores morais inseridos em seu(s) livro(s) sagrado(s) que resultem em culto, que pode ser individual ou coletivo.

Pois bem, esses valores morais orientam a relação que a pessoa religiosa possui com a divindade e estabelece os parâmetros (liturgia) e objetivos do culto. Sem um desses elementos básicos o que se tem é uma tertúlia, uma sociedade, confraria, agrupamento de amigos ou sei lá o quê. Religião depende do DMC.

Dito isso, a maioria das religiões, senão todas, possui esse dualismo do bem com o mal, tirando o mal, o que sobra? Sobra o estado perfeito, que é o alvo do religioso, contudo esse alvo é alcançado das mais diversas formas, de acordo com as mais diversas tradições religiosas, e óbvio que nunca via cancelamento instado por um grupo minoritário de progressistas iluminados de plantão. A salvação do mal vem a partir do elemento da moralidade, o M do DMC e não de “sei lá de quem”. Explicando: é ou são o(s) livro(s) sagrado(s) que indicam a figura do mal e como vencê-la!

A religião existe a partir da existência de três elementos básicos: divindade, moralidade e culto

O mais engraçado é que o pessoal que quer exorcizar o diabo criou uma narrativa que o faz em razão da “tolerância”! Pelo amor de Deus, precisam aprender o que é tolerância primeiro! Uma dica: procure no google “Carta da Tolerância” de John Locke, esse é o tratado de tolerância do Estado moderno. Spoiler: tolerância é não interferir na religião do outro! Isto é, se na minha religião tem diabo, me deixe em paz!

Com certeza, em um ambiente democrático, onde a liberdade religiosa é sua pedra nodal, qualquer um pode dizer na praça pública que o diabo não existe ou que o diabo não é tão ruim como o outro pinta ou ainda que o diabo tem outras características. Liberdade e igualdade, requisitos de uma democracia.

O fato é que proibir alguém de falar do diabo é intolerância religiosa, pois se trata de um ato comitivo de interferência direta na religião do outro. Pior ainda é querer usar o aparato estatal, via legislativo ou via judiciário, para proibir alguém de falar do diabo.

O Estado não é laico? Então como o Legislador ou o Juiz de Direito pode me proibir de falar do cramulhão? Ou de sua casa? Eles entendem de diabo e de inferno? Onde fica? Se é quente? Se é tão ruim assim? Ora bolas! Eu não sei você, caro leitor, eu continuarei falando do diabo, especialmente para que Deus nos livre dele, a sétima petição do Pai Nosso. Aliás, pretendo, em seguida, escrever contra uma tal doutrina diabólica de que as igrejas estão no terceiro setor, mas isso é assunto para outra coluna!

Dica final: quem quiser exorcizar o diabo, converta-se primeiro a uma religião, pois é a religião que entende do mundo dos espíritos e não uma ideologia política, progressista ou secularista.

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