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Crônicas de um Estado laico

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Eleições

Chame-os do que você é?

Jair Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia e a primeira-dama, Michelle, durante a Marcha para Jesus realizada no Rio. (Foto: Reprodução/Redes sociais.)

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Começou oficialmente a corrida eleitoral que definirá rumos de impacto bastante importante para o futuro do Brasil. Há muito na balança, todos sabemos: economia mundial em processo de recessão, guerra russa contra a Ucrânia demorando muito mais que o previsto, e estes são apenas dois exemplos da década complexa que enfrentamos.

Como não há vácuo no poder, a leitura política tem se movido nos últimos tempos para uma parcela crescente da população brasileira: o chamado “voto evangélico”. Há muitos que insistem em não entender o fato de que a religião permeia a vida humana e é um fato social inescapável. Foi assim ao longo de toda a história, continua sendo hoje e, certamente, ainda o será no porvir. Os grupos – de direita, esquerda, centro, liberais, socialistas, não importa – que não entenderem isso ficarão à margem.

Porém, quando um grupo movido pela fé espiritual parece ganhar protagonismo na “arena pública”, onde o secularismo (quase como uma religião) impera há 200 anos, muitas vozes parecem se unir para não permitir sua ascensão. O que é muito curioso, justamente porque os fundamentos da República, que vemos no artigo 1.º da Constituição, são valores intercambiáveis que permitem o funcionamento tanto da democracia quanto do Estado de Direito. Dentre estes, o quinto é o chamado “pluralismo político”.

O establishment ainda não aprendeu a lidar com a voz profunda, que ecoa os valores que forjaram nosso espírito nacional

A palavra “plural” já diz tudo: mais de uma voz, diferentes ideias. Ou seja, a visão de mundo diferente traz aportes para o cuidado com as coisas da polis, de forma que a sabedoria se encontre justamente na “multidão dos conselheiros” (Pv 11,14). Este, porém, é um ideal difícil de atingir. Não há nada mais complicado do que ideias diferentes.

O que vimos nesta primeira semana de campanha é que os lados polarizados usam, como nunca, linguagens, conceitos e imagens envolvendo religião. Bolsonaro e a primeira-dama Michelle mostraram – como ao longo de todo o mandato – sua afinidade com temáticas de costumes, e mostram o que o lulopetismo representa em termos de retrocesso em temas como a proteção da vida intrauterina, o espaço de novos atores políticos, em especial de denominações cristãs de matriz neopentecostal, e o combate a uma agenda progressista identitária para cima de ordens religiosas. Posicionaram, desta forma, a batalha eleitoral como uma guerra do “bem” contra o “mal”.

Lula iniciou sua campanha dizendo que Bolsonaro é possuído pelo demônio, e que não quer falar a nenhuma “facção religiosa”. Seus apoiadores, em evento na USP organizado pela professora Marilena Chauí (a mesma que disse odiar a classe média e que os que desejam preservar da família tradicional são “bestas”), aplaudiram com entusiasmo quando a professora Ermínia Maricato disse que os pobres são vítimas de igrejas, que por sua vez são “verdadeiras máfias”.

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André Janones, por sua vez, viralizou uma frase que dizia “Bolsonaro usa Deus; Deus usa Lula”. Muitos compartilhamentos, muita conversa que estimula debates infrutíferos. Afinal, Deus usou já tanta coisa interessante (vale conferir Nm 22,28-30)...

O Brasil, este grande cenário de várias cores, etnias, religiões e visões de mundo, está em grande colapso de ideias. O establishment ainda não aprendeu a lidar com a voz profunda, que ecoa os valores que forjaram nosso espírito nacional. O Iluminismo que grassa nas cortes e muitos endereços descolados não conseguiu dominar as mentes e corações de dezenas de milhões de brasileiros, que são movidos pela esperança da vida eterna – cujo reflexo molda suas decisões de cada dia.

Parece que os tons vão se cristalizando. O bolsonarismo aposta em uma pauta de costumes, que já foi parte importante da agenda de 2018, e demonstra – mais com dados que com propaganda – o que conseguiu entregar em meio a uma pandemia global e guerra com proporções econômicas mundiais. O petismo (com muita ajuda da mídia) vai tentando “recuperar sua história”, focando em economia e dizendo que “no meu tempo era melhor”.

E, pouco a pouco, o cenário do balanço de poder vai mudando aqui na terra de Vera Cruz.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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