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Crônicas de um Estado laico

Crônicas de um Estado laico

Indignação seletiva

O massacre de cristãos no Congo e o silêncio cúmplice da mídia

massacre de cristãos no congo
Morador da província de Kivu do Norte, no Congo, foge da guerra civil que varre o país. (Foto: Stringer/EFE/EPA)

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Entre os dias 12 e 15 de fevereiro de 2025, um massacre de cristãos na República Democrática do Congo revelou, mais uma vez, o abismo entre o que deveria indignar e o que, de fato, mobiliza a opinião pública global. Mais de 70 pessoas foram brutalmente assassinadas por extremistas islâmicos das Forças Democráticas Aliadas (ADF), seus corpos encontrados em uma igreja protestante na vila de Kasanga. Famílias inteiras dizimadas pelo simples fato de professarem a fé cristã. O horror desse episódio ecoa nos corredores vazios da grande mídia, que parece tratar a perseguição aos cristãos com uma frieza cirúrgica. Por que tanto silêncio? E, pior, por que essa seletividade?

Para compreender essa barbárie, é preciso olhar para o contexto em que ela se insere. A República Democrática do Congo (chamada Zaire até 1997) é um país de maioria cristã (mais de 50% da população), com boa distribuição da população entre protestantes e católicos, seguidos de religiões animistas e uma minoria muçulmana (cerca de 2%). Ainda assim, o país está longe de ser um refúgio seguro para os cristãos, pois é palco de uma complexa rede de conflitos armados, instabilidade política e falência institucional, que transformam a liberdade religiosa em um direito constantemente ameaçado.

A última Constituição da República Democrática do Congo, promulgada em 2015, além de reconhecer o pluralismo religioso (como fez em 2006) e proibir discriminação étnica ou religiosa, estabeleceu que a “pessoa humana é sagrada e tem direito à vida”. No entanto, essa proteção legal se mostra ineficaz diante da realidade brutal imposta por grupos extremistas que atuam impunemente em diversas províncias, sobretudo no leste do país. A província de Kivu do Norte, onde ocorreu o massacre, é uma das mais instáveis, sendo frequentemente palco de ataques de milícias islâmicas que veem os cristãos como inimigos a serem erradicados.

Para muitos, há vidas que valem mais do que outras. O sangue cristão, aparentemente, é menos noticiável.

A ADF, responsável por essa recente onda de assassinatos, é um grupo jihadista de origem ugandesa que, desde os anos 1990, vem semeando o terror na região. Ligada ao Estado Islâmico, a organização tem como objetivo estabelecer um califado na África Central e vê no cristianismo um obstáculo a ser eliminado. Suas táticas incluem execuções sumárias, sequestros, destruição de igrejas e a imposição de um regime de terror sobre as comunidades cristãs. Apesar disso, há pouca ou nenhuma ação internacional efetiva para conter esse avanço.

O que torna essa tragédia ainda mais revoltante é a resposta – ou melhor, a ausência dela – por parte da mídia ocidental e das instituições internacionais. O que aconteceria se, em vez de cristãos, as vítimas desse massacre fossem minorias religiosas de outras confissões? Quantos veículos de comunicação dariam manchetes de primeira página, quantas personalidades fariam protestos simbólicos, quantas organizações lançariam campanhas urgentes? A resposta é evidente. A indignação seletiva demonstra que, para muitos, há vidas que valem mais do que outras. O sangue cristão, aparentemente, é menos noticiável.

Essa parcialidade não é apenas um erro jornalístico – é uma traição aos valores fundamentais que sustentam a civilização ocidental. O tripé que forjou o Ocidente – Jerusalém, Atenas e Roma – ensina que a dignidade humana não pode ser relativizada. Jerusalém nos deu a visão de um Deus pessoal que valoriza cada vida; Atenas nos legou a razão e o direito natural; Roma consolidou o Estado de Direito. Quando ignoramos ou minimizamos ataques contra cristãos, estamos minando esse alicerce e permitindo que a barbárie avance.

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A indiferença diante do sofrimento dos cristãos perseguidos não é apenas um problema moral, mas também um alerta político e geopolítico. O avanço do jihadismo na África não pode ser subestimado. A falência dos Estados na região dos Grandes Lagos, somada ao financiamento externo desses grupos, cria um ambiente fértil para a expansão de uma ideologia que vê na destruição do cristianismo uma meta. O mundo ocidental, que tanto se orgulha de seus valores democráticos e humanitários, deveria levar essa ameaça a sério.

O artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU garante a liberdade religiosa, mas esse direito se torna letra morta quando a comunidade internacional escolhe ignorar sua violação. Cristãos no Congo, na Nigéria, no Paquistão e em tantos outros países estão sendo mortos com uma frequência alarmante. A pergunta que resta é: quantas vidas precisam ser ceifadas para que o Ocidente acorde?

A indignação não pode ser seletiva. Ou defendemos a dignidade humana em sua totalidade, ou nos tornamos cúmplices do silêncio que perpetua esses horrores. É hora de denunciar, reagir e cobrar coerência daqueles que se dizem defensores dos direitos humanos. O sangue cristão clama por justiça – e nós não podemos ignorá-lo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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