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Interior da igreja da Virgem de Begoña, na China, construída por franciscanos espanhóis antes da tomada do poder pelos comunistas.
Interior da igreja da Virgem de Begoña, na China, construída por franciscanos espanhóis antes da tomada do poder pelos comunistas.| Foto: Javier García/EFE

Nós sabemos que a relação entre religião e política é um tema complexo e controverso; na última década e meia, aumentou o grau de tensão social no país por este tema – e o público envolvido, especialmente evangélico – ter se tornado um novo player político. As eleições de 2022 serão material fértil para estudos nas ciências sociais, tanto para a direita quanto para a esquerda, no sentido de entender melhor o perfil do eleitorado e da própria sociedade brasileira.

Neste particular, quero destacar um texto de autoria da professora Nilma Lino Gomes, publicado no site do PT em 10 de março, no qual ela conclama as bases do partido a combater o que chama de “fascismo à brasileira”. Em resumo, os ingredientes que Nilma aponta como o caldo deste monstrengo são formulados da seguinte forma:

Não basta pensar que o reconhecimento da situação de exploração capitalista e os caminhos apontados pelo socialismo são suficientes para equacionar tamanha complexidade arraigada na formação do nosso país e alimentada pelos ideais (sic) de propriedade privada, conservadorismo, mercado e fundamentalismo religioso.”

Os inimigos do coletivismo de esquerda sempre foram a propriedade privada, o conservadorismo, as instituições e a religião, especialmente a cristã

Como fundamentação de origem marxista, não há nenhuma incoerência. Os inimigos do coletivismo de esquerda sempre foram mesmo 1. a propriedade privada, ambiente que, se protegido, não permite o alcance das garras do Estado cooptado ideologicamente e cria senso crítico ligado pelos laços familiares; 2. o conservadorismo, leia-se as instituições, tendo na família a primeira delas e o mercado livre como espaço de trocas baseadas na solução de problemas e serviço ao próximo, recompensando as melhores ideias e formas mais eficientes e baratas de atendimento aos problemas; e 3. a religião – especialmente a cristã –, sem a qual não haveria nada do que hoje conhecemos como ocidente.

Para combater este “mal” que o conservadorismo produz à nação brasileira, fazendo de todos os que não concordam com os ideais coletivistas de esquerda verdadeiros fascistas – o que realmente me incomoda é o esgarçamento dos termos, pois fala-se tanto em “fascismo” que todo mundo hoje fica em dúvida sobre o que seja o tal conceito –, o texto traz algumas ideias. No campo religioso, fez-se a seguinte formulação:

“O trato da religiosidade cristã, no atual contexto, é um ponto a ser discutido com atenção e mais um desafio. Que política pode ser feita para que o PT e a esquerda não sejam vistos como ameaças a qualquer religiosidade, já que defendemos o Estado laico? Talvez tenhamos de investir mais em uma política de esclarecimento e de compreensão do que seja a laicidade.”

A verdade? A esquerda enxerga a religião cristã como um obstáculo à sua noção de democracia por vários motivos. Em primeiro lugar, justamente como observado pelos primeiros teóricos marxistas, o cristianismo é como uma raiz firme das chamadas “instituições da liberdade”. A partir da fé cristã e da ética social dela decorrente se enxergam as esperas para liberdade de consciência, religiosa, econômica, associativa, política, criando-se um amálgama valorativo que evita a concentração de poder – sempre nefasta na experiência humana, pois revela uma marcha do autoritarismo ao totalitarismo. Ou seja, onde há cristianismo forte há pluralidade respeitada, sociedade que floresce, desenvolvimento humano. Isto não sou eu que digo, é o testemunho da história.

Apesar disso, temos visto os esforços no ocidente para quebrarem o tripé democrático das liberdades, em várias frentes. Uma delas é a tática de opor grupos de pessoas, como se fossem inimigos justapostos, em um maniqueísmo social, tratando de quebrar a sociedade em minorias e ser a defensora de todas elas, contra o “malvado fascismo à brasileira”. Lembremos que a religião é vista pelos teóricos comunistas como o “ópio do povo”, um obstáculo forte à “iluminação” que sua teoria deveria provocar, mantendo as massas alienadas quanto ao destino material da raça humana, que somente poderia atingir o fim da história a partir da adoção global do coletivismo socialista.

Até aqui, muita teoria. Pois vejamos um ponto no mapa onde tudo se encaixa na prática: obviamente, na China do inédito terceiro mandato presidencial de Xi Jinping, onde uma política crescente e autoritária de “sinicização” das religiões está em andamento. Este processo trata de conformar as religiões às diretrizes do Partido Comunista Chinês, de maneira a eliminar qualquer pensamento plural e trazer homogeneidade (absolutamente forçada) ao pensamento social daquele país.

Na China do inédito terceiro mandato presidencial de Xi Jinping, uma política crescente e autoritária de “sinicização” das religiões está em andamento

Nas palavras do quase futuro ex-premiê Li Keqiang, é necessário “guiar ativamente as religiões para se adaptarem à sociedade socialista”. Ou seja, fazer exatamente como a professora Nilma propõe em suas estratégias de combate ao “fascismo à brasileira”. A diferença é que, na China, já não há instituições capazes de fazer frente ao Estado gigante e totalitário, e o pluralismo político é absolutamente desconhecido. Aqui no Brasil trata-se de um fundamento constitucional da República, segundo o artigo 1º, V, da Constituição.

Essa política chinesa tem sido particularmente dura com os cristãos, frequentemente perseguidos e reprimidos. Na província de Henan, os fiéis são obrigados a preencherem formulários para adentrarem seus templos e há dois bispos católicos presos sem qualquer motivo aparente; ainda assim, os cristãos são fortemente perseguidos, pois representam 4% da população, uma proporção maior que no resto do país – coincidência?

A opção constitucional brasileira pela laicidade colaborativa tem se mostrado uma solução democrática para acomodar uma sociedade plural

Afinal, qual modelo pode ser bom para a busca de aumento da solidariedade entre os povos? No âmbito do Estado e da religião, temos aqui no Brasil o melhor modelo! A opção constitucional brasileira pela laicidade colaborativa tem se mostrado uma solução democrática para acomodar uma sociedade plural. Aqui, Estado e religião, estamento burocrático e sociedade política, andam de mãos dadas na busca do bem comum, respeitando os regimentos (esferas, ou outro nome que o valha) de influência – o Estado na imanência, a religião na transcendência. Falamos bastante disso em nosso livro A Laicidade Colaborativa Brasileira: da aurora da civilização à constituição brasileira de 1988, que o leitor pode conhecer melhor aqui.

Enquanto houver liberdade teremos espaços para discussão de ideias. Sem pluralismo não há democracia. E ser plural é também afirmar, amparado na Constituição brasileira (e em todos os tratados internacionais), que o cristianismo é um contribuinte decisivo para a cultura democrática, e assim seguirá como voz e estandarte.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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