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A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que cristãos conservadores podem se recusar a fornecer serviços comerciais para casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que cristãos conservadores podem se recusar a fornecer serviços comerciais que envolvam criação artística personalizada para casamentos entre pessoas do mesmo sexo.| Foto: EFE/EPA/Shawn Thew

É um consenso que a liberdade de expressão, palavra bonita e tão propalada por todas as vertentes ideológicas por aí, sofre ameaças constantes no mundo politicamente correto e do combate às fake news (mais uma tática de colocar a culpa em todos, para que ninguém possa fazer nada, a não ser quem tenha poder para fazer alguma coisa). Pois, de forma retumbante e histórica, a Suprema Corte americana, por 6 votos a 3, resolveu dar um lampejo de esperança a essa liberdade tão cabal, veículo que transporta as demais liberdades na civilização ocidental. Trata-se do caso 303 Creative LLC v. Elenis, que teve decisão publicada em 30 de junho.

Uma webdesigner evangélica, Lorie Smith, tem uma empresa dedicada a construir websites e fazer projetos de marketing digital para empresas. Em seu site, ela tem a seguinte declaração de valores:

Como cristã que acredita que Deus me deu os dons criativos que se expressam por meio deste negócio, sempre me esforcei para honrá-Lo na forma como o opero. Meu objetivo principal é projetar e criar conteúdo expressivo, como roteiros, gráficos, websites e outros materiais criativos, para transmitir a mensagem mais convincente e eficaz possível para promover os propósitos, metas, serviços, produtos, eventos, causas ou valores das minhas clientes. No entanto, por causa da minha fé, sou seletiva em relação às mensagens que crio ou promovo. Embora esteja disposta a atender a todas, sempre tenho cuidado para evitar transmitir ideias ou mensagens, ou promover eventos, produtos, serviços ou organizações que sejam inconsistentes com minhas crenças religiosas.”

A maioria dos ministros (justices) da Suprema Corte entendeu que o trabalho de Lorie Smith era uma expressão – uma arte digital – e que, portanto, ela não poderia ser compelida a criar algo que vai contra sua consciência religiosa

Para evitar que acabasse forçada a criar sites de eventos que contrariam suas convicções – por exemplo, de um casamento homoafetivo –, ela buscou a Justiça para garantir seu direito. Perdeu nas duas primeiras instâncias, mas seu caso chegou à Suprema Corte. Lá, a maioria dos ministros (justices) entendeu que o trabalho de Lorie era uma expressão – uma arte digital – e que, portanto, ela não poderia ser compelida a criar algo que vai contra sua consciência religiosa.

Os Estados Unidos, em sua Primeira Emenda à Constituição, de 1791, possui uma clara frase sobre o fato de que o Estado, através do Congresso, não poderia fazer qualquer lei “estabelecendo religião ou proibindo seu livre exercício”, nem “cerceando a liberdade de expressão”. Por séculos este sagrado direito, sob o cuidado de gerações de juristas, tem garantido àquele país a alcunha de “terra das liberdades”. Por mais que se critiquem abusos – e eles existem, oras, em todo lugar –, é realmente um exemplo para o mundo vermos ministros de cortes constitucionais respeitando, vejam, a Constituição!

A decisão foi divulgada no fim do pride month americano, dois dias após o 28 de junho, tradicional “dia do orgulho” da comunidade LGBTQIA+. O relator, justice Neil Gorsuch, mostra sua visão originalista (aquela em que a Corte constitucional deve decidir os casos à luz da visão dos que escreveram a Constituição, do chamado “constituinte originário”), ao dizer que:

“Os constituintes incluíram a Cláusula de Liberdade de Expressão na Primeira Emenda com o intuito de garantir a liberdade de pensamento e expressão. Essa escolha foi feita porque reconheceram que a liberdade de expressão é tanto um fim em si mesmo quanto um meio essencial. É um fim porque a liberdade de pensar e falar está entre os direitos humanos inalienáveis que devem ser protegidos. É um meio porque a liberdade de pensamento e expressão desempenha um papel fundamental na busca e divulgação da verdade política.”

Já a condutora do voto divergente, a justice Sonia Sotomayor, mostra sua visão neoconstitucionalista (em que o magistrado deve interpretar a Constituição à luz do espírito da época) e fala sobre uma visão “conservadora” na atual formação da Corte:

“O tribunal também reconheceu o ‘efeito prejudicial significativo’ que poderia ser causado se fornecedores de produtos e serviços, com objeções de natureza moral e religiosa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, fossem autorizados a exibir placas informando que se recusam a vender bens ou serviços destinados a casamentos gays. É notável como a situação evoluiu nos últimos cinco anos.”

O embate constitucional é sempre empolgante, tanto na luta ideológica entre originalistas e neoconstitucionalistas, mas o histórico mesmo é o lampejo de esperança que os tribunais respeitem os fundamentos civilizatórios que nos trouxeram até aqui.

A religião oferece um conjunto de valores, princípios éticos e sistemas de crenças que influenciam a visão de mundo e o comportamento dos adeptos

A religião ocupa um espaço muito maior na vida social do que muitos estão dispostos a admitir. Ela abrange uma ampla gama de crenças, práticas e tradições que fornecem orientação moral, estrutura social e significado existencial para seus seguidores. Ela oferece um conjunto de valores, princípios éticos e sistemas de crenças que influenciam a visão de mundo e o comportamento dos adeptos. Além disso, a religião muitas vezes fornece uma base para a organização social, estabelecendo normas, rituais e estruturas de autoridade que moldam as interações sociais e promovem a coesão comunitária.

Não podemos relativizar ou normalizar que a religião não seja um elemento-chave da vida social porque, inegavelmente, ela o é. Querer tirá-la do espaço público é passar, como o Thiago já disse algumas vezes aqui, a guilhotina na alma.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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