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Algumas pessoas seriam tiranos temíveis, tão cruéis quanto os grandes monstros da história, se apenas tivessem a oportunidade.
Quem nunca foi maltratado por agentes públicos assentados em minúsculos tronos? Nas esquinas das instituições, nas portarias das repartições, nos corredores das empresas e, por vezes, até nas igrejas, já provamos do poder do “pequeno poderoso”: aquele que recebeu uma fração de autoridade, mas age como soberano absoluto de um território que reconhece como seu império.
É a chamada “teoria dos pequenos poderes” – o fenômeno que ocorre quando alguém, ao assumir uma função limitada, passa a exercê-la com ferro e fogo. O balcão, o crachá, a chave de acesso, qualquer símbolo de autoridade, tornam-se tronos de compensação para quem nunca se sentiu ouvido ou valorizado.
Nesses casos, não é o poder que corrompe, é o poder que revela.
O tom de voz imperativo, a necessidade de lembrar constantemente que está no comando, a pressa em corrigir, o prazer em negar e o desconforto em dialogar denunciam o tirano em miniatura. Controlam detalhes irrelevantes como se fossem cláusulas de segurança nacional e transformam a rotina em campo de batalha pela manutenção da própria importância. São generais de uma geografia irrisória e sentinelas da própria vaidade.
É nesse terreno que o síndico autoritário, o chefe de corredor e o coordenador do nada se tornam versões modernas de Nabucodonosor em escala doméstica. O pequeno poder nasce da carência de reconhecimento e da insegurança emocional. O microdéspota não busca servir, busca ser visto. Cada ordem é um pedido de validação, o grito de quem tenta provar valor por meio da submissão do outro.
A fé de jovens pacíficos se torna ameaça porque fere o ego de quem confunde autoridade com controle. O diretor auxiliar não defendeu a laicidade – defendeu o próprio trono imaginário
A combinação entre insegurança pessoal e algum nível de autoridade é sempre explosiva. O livro de Provérbios descreve esse fenômeno com precisão: “Sob três coisas estremece a terra, sim, sob quatro não pode subsistir: sob o servo, quando se torna rei...” (Provérbios 30,21-22a). Pois bem. Essa profecia antiga se cumpriu, mais uma vez, na semana passada, em Curitiba.
No Colégio Estadual São Paulo Apóstolo, um grupo de alunos se reuniu, durante o intervalo, para orar e compartilhar um momento de fé. Sem perturbar as aulas, sem usar recursos públicos, sem impor nada a ninguém. E, no entanto, o diretor auxiliar da escola interrompeu o encontro, proibindo o culto e chamando a mãe de um dos estudantes para “adverti-la” – não por indisciplina, por colar na prova, vandalismo ou uso de drogas, mas por algo infinitamente mais perigoso aos olhos dos microdéspotas contemporâneos: eles estavam orando.
Nada mais simbólico do que esse episódio. O caso é um retrato fiel da “teoria dos pequenos poderes”: a fé de jovens pacíficos se torna ameaça porque fere o ego de quem confunde autoridade com controle. O diretor auxiliar não defendeu a laicidade – defendeu o próprio trono imaginário, o pedestal que a vaidade construiu no coração de quem jamais deveria exercer o poder de educar.
Foi preciso que um vereador, Guilherme Kilter, denunciasse o absurdo e convocasse uma audiência pública na Câmara Municipal, marcada para o dia 21 de outubro, para que o óbvio fosse lembrado: orar não é crime, é direito humano fundamental.
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O episódio do Colégio São Paulo Apóstolo é mais do que um caso isolado. É o sintoma de uma doença moral: a dos pequenos poderes exercidos por grandes vaidades. O microdéspota educacional, armado de um crachá e de uma versão própria (que inventou no reino de sua cabeça) da Constituição, acha-se guardião da modernidade – quando, na verdade, é apenas um novo déspota, incapaz de reconhecer a beleza da liberdade e o poder transformador da oração.
O poder é sempre um teste moral. Alguns o usam para servir; outros, para se vingar do mundo. O verdadeiro líder não intimida, inspira. Não oprime, ergue. Lidera pelo exemplo, não pelo medo. Como escreveu Dostoiévski, “todo homem tem dentro de si um tirano adormecido; o que o desperta é a ausência de amor”. Na contramão disso tudo, Jesus ensinou que o poder é serviço: “Quem quiser ser o maior, seja o servo de todos.”
Talvez o maior antídoto para os pequenos poderes ainda seja o amor – e, ironicamente, a oração que tentaram calar naquele pátio de escola.
(Bispo JB Carvalho, que colaborou neste texto com os colunistas, é téologo, escritor, professor universitário, compositor e bispo titular e presidente da Comunidade das Nações.)
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos






