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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica cibernética

Telegram e batalha geopolítica em nível extremo

(Foto: Ian Langsdon/EFE)

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Depois da estranhíssima morte de Mike Lynch, o “Bill Gates Britânico” (e de seu CFO Stephen Chamberlain) - que era dono de poderosas empresas de ciberseguranca - agora o alvo da vez foi o bilionário Pavel Durov, dono do Telegram. Muito se falou sobre o caso, mas poucos explicaram o aspecto geopolítico por trás de sua prisão, na França, no último sábado (24).

Na tentativa de mostrar o que realmente está por trás deste ocorrido, contarei com a ajuda de Mike Benz, com base numa entrevista recente que ele concedeu ao canal Real America Voice nesta semana. Benz é diretor da Foundation for Freedom Online. Ele conta com experiência no Departamento de Estado dos EUA, onde atuou na área de formulação e negociação da política externa, assim como no setor de tecnologia da informação.

Quando a apresentadora perguntou a opinião de Benz sobre o que estaria por trás da prisão de Pavel Durov, a resposta foi uma verdadeira aula de geopolítica. Ele explicou a enorme influência do Telegram no jogo do poder internacional, apontando que este é o motivo de tantas agências governamentais de diferentes países terem buscado assumir o controle da ferramenta, assim como aconteceu com as empresas Autonomous e Dark Trace, de Mike Lynch.

Ele explicou que os Estados Unidos utilizam o Telegrama como um meio de implementar suas agendas mundo afora. Um dos exemplos mais recentes foi a utilização do Telegram pelo Departamento de Estado dos EUA e pela CIA na tentativa de fomentar uma revolução colorida na Bielorrússia no verão de 2020. Revoluções Coloridas é o nome dado pelo meio militar a movimentos civis - geralmente apoiados por interesses externos - com o objetivo de derrubar oponentes.

Eu creio que a morte de Mike Lynch e a prisão de Pavel Durov aconteceram agora porque há uma relação direta com questões cibernéticas relacionadas com as eleições americanas

Na entrevista, Benz lembrou que o Telegram possui uma tecnologia de criptografia de ponta a ponta, modalidade de conversa que atrai grande interesse do meio militar, como instrumento de comunicação protegida. Tanto que esse tipo de criptografia foi originalmente desenvolvida na década de 1990 pelo setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Pentágono.

Segundo Benz, os EUA utilizam ferramentas de chat criptografado como forma de incentivar e coordenar as comunicações de grupos dissidentes num determinado país que eles desejam influenciar. Dessa forma, sua presença permanece sigilosa, longe da vigilância do governo local que eles buscam derrubar.

Uma ressalva: não estou fazendo um discurso contra os EUA. A Rússia (e muitos outros países) também utilizam esse recurso como estratégia de operações psicológicas. Lembrando que em Moscou a censura é muito maior do que nos EUA.

Voltando ao assunto. Foi assim também que, segundo Benz, os EUA tentaram derrubar Putin. O Telegram teria sido usado pela CIA como um importante recurso para fomentar os movimentos de oposição contra o presidente russo. Tanto que, em 2018, vinte e seis ONGs norte-americanas surpreendentemente condenaram a Rússia e ameaçaram Moscou quando, na época, o governo estava cogitando bloquear o Telegram. Isso porque, caso o serviço fosse bloqueado, eles ficariam sem sua melhor ferramenta de coordenação dos movimentos oposicionistas.

Na época, os EUA estavam apoiando grupos dissidentes e líderes como Alexei Navalny. Cabe pontuar que Navalny foi preparado pelos EUA na Universidade de Yale, na Yale Jackson School of Global Affairs. Lá, ele integrava o programa Maurice Greenberg World Fellows, que tem como objetivo “oficial”, declarado em seu site, “capacitar indivíduos extraordinários, de todo o mundo e de diversas disciplinas, para que aumentem sua capacidade de tornar o mundo um lugar melhor”. Na prática, eu creio que eles estavam, na verdade, os ensinando a fazer tumultos de rua e a mobilizar protestos pacíficos. Isso tudo, obviamente, utilizando o Telegram como meio de comunicação criptografada.

Quando ainda morava na Rússia, o governo solicitou a Pavel Durov acesso às comunicações de opositores de Moscou. Mas ele recusou e decidiu sair do país. Gastou uma fortuna para conseguir cidadania francesa. E acabou ironicamente sendo preso lá. Moscou chegou a pedir a extradição de Durov, mas o governo francês negou, afirmando que agora ele era cidadão da França.

Porém, os EUA também tentaram ter acesso ao Telegram, para impedir que seus inimigos usassem a ferramenta contra os interesses norte-americanos, o que Durov também recusou. Por esta razão, muitos acreditam que o motivo real por trás de sua prisão não seria o fato de ele não censurar conteúdos criminosos em sua plataforma, mas para forçá-lo a conceder uma backdoor para as agências de inteligência dos EUA. Na computação, uma backdoor é uma porta de acesso oculta que permite o acesso de terceiros ao sistema. A preocupação sobre isso é tão grande que os soldados russos foram orientados a apagar suas comunicações no Telegram, pois eles acreditam que, após a prisão, os serviços de inteligência dos EUA e de Israel já devem ter conseguido acesso aos conteúdos do aplicativo.

Neste ponto, muitos se perguntaram: se o WhatsApp também possui uma criptografia de ponta a ponta, porque Mark Zuckerberg está solto e Durov foi preso? Um dos motivos é que o dono da Meta, ao contrário do Telegram, concedeu os pedidos de acesso que as agências de inteligência dos EUA solicitaram, conforme ele mesmo admitiu em carta recente, logo após a prisão de seu concorrente russo.

Encerro o artigo com uma opinião pessoal minha: eu creio que a morte de Mike Lynch (e, no mesmo dia, de seu CFO Stephen Chamberlain) e a prisão de Pavel Durov aconteceram agora porque há uma relação direta com questões cibernéticas relacionadas não apenas às guerras na Ucrânia e em Israel, mas com as eleições americanas. Não tenho espaço aqui neste momento para explicar melhor minha opinião. Mas creio que o leitor e a leitora atentos entenderam a ideia.

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