Opinião

Memória gustativa

09/09/2022 14:16
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No encontro preparatório para o Prêmio Bom Gourmet 2022, foram reunidos na redação desta Pinó editores e colaboradores com a prazerosa incumbência de recuperar a memória gustativa das últimas décadas em Curitiba.
Como se tivesse sido um bom aluno no tempo do antes, fui para o encontro com a lição de casa na ponta do lápis. Uma nominata dos que ajudaram a fazer da gastronomia curitibana um caso de reconhecido sucesso. Nomes que desbravaram os sabores da cidade e marcaram época como sinônimo do bom e do melhor. Incluindo investidores, chefs, garçons, sommeliers, maitres e outros profissionais e atores que fizeram parte da área gastronômica.
Entre outros, citei Leonardo Werzbitzki, o velho Onha, do Bacalhau do Espeto e do Restaurante Embaixador com sua feijoada e carne de onça; a Churrascaria do Erwin; Émile, do Île de France; dona Júlia, do Matterhorn; Pepe, do Bar Palácio; Mehl, da Confeitaria Iguaçu; Bernardo Troib, o Badida da Churrascaria; Victor, do Bar do Victor; Alexandre, do Chalé Suíço; irmãos Assis, da Sociedade Helvetia; Ingeborg Rust, do Hummel-Hummel; Dorothea Richter, do No Kafe Fest, no Solar do Rosário; Francesco D’Angelis, da Massalândia Roma; Giovanni Muffone, do Baviera; Egon Taruhn, do Cantinho do Eisbein; Isaltino, do restaurante Tortuga; Massimo Lorenzetti, da Porta Romana; Helena Menezes, do Estrela da Terra; Waldo X-Picanha; João Paulo de Oliveira Mello, o “pai” do “X-Salada” em Curitiba e criador do lendário Tipiti-Dog; dona Erminia Calicetti, do Bologna; dona Flora Madalosso, cujo sobrenome diz tudo; e por último, não podia deixar de citar o publicitário Sergio Mercer, que no suplemento de variedades “Fim de Semana”, no finado “O Estado do Paraná”, se assinava Barão de Tibagi, para gáudio dos que tinham água na boca ao ler uma bem temperada crônica gastronômica.
Das tantas travessuras e peripécias de Sérgio Mercer, que costumava reger uma plateia de boêmios do lendário bar Bebedouro do Largo da Ordem para cantar “Meu limão, meu limoeiro” (entre eles cantores e músico que se apresentavam no Teatro do Paiol), uma delas foi para o álbum de memória gustativa de Curitiba. Em 1980, o intelectual italiano Umberto Eco esteve em Curitiba e poucos o conheceram pessoalmente. Dos primeiros teóricos das histórias em quadrinhos, o autor de “O Nome da Rosa” deu uma palestra sobre semiótica e depois foi jantar no restaurante Varsóvia, a convite de Sérgio Mercer, então presidente da Fundação Cultural de Curitiba. Apreciador da comida polonesa, Umberto Eco acabou manchando a gravata vermelha com o molho do chef Janus Stoklowski. Mercer tirou sua gravata de seda italiana e passou para o escritor, que lhe retribuiu com a que estava usando. A gravata vermelha deve estar até hoje num relicário, em Tibagi.
Capítulo importante no álbum de memória gustativa de Curitiba seria dedicado ao advogado Eduardo Rocha Virmond, conforme contei no meu livro “A rua e a bruma, a régua e o ­compasso”.
Ex-presidente da OAB, ex-presidente da Academia Paranaense de Letras e ex-secretário de Cultura de Jaime Lerner no Governo do Paraná, além de profundo conhecedor de ópera e crítico de jazz nos seus tempos de jornalista, Eduardo Rocha Virmond fez a primeira carta de vinhos dos restaurantes de Curitiba. Em 1970, quando o restaurante Bologna abriu suas portas na Praça Osório — o primeiro endereço a levar o nome da cidade natal da família Caliceti —, num certo domingo Virmond estava almoçando ali com familiares quando a chef Erminia Caliceti saiu da cozinha para receber o bem-sucedido advogado com uma consulta inusitada:
- Il dottore teria um tempinho para fazer uma carta de vinhos para a nossa adega?
- Sim, como não? Sarebbe un piacere, dona Erminia. Nenhum restaurante de Curitiba possui uma carta de vinhos.
Dito e feito. Numa época com poucas ofertas de bons vinhos no mercado da cidade, o Bologna começou a comprar seus vinhos com orientação de Virmond e, dali em diante, o advogado da família Caliceti sempre teve dificuldades para pagar os vinhos que ele mesmo bebia no Bologna.
- Regalo della casa, dottore!