Opinião

Os magos das Araucárias

15/12/2022 18:24
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Com a morte súbita de Isabel Salgado, a lamentada perda de Rolando Boldrin, vem à imaginação a tão prateada Gal Costa cantando o samba enredo “O amanhã”: “O que será o amanhã? Como vai ser o meu destino?”. Quando penso no que nos aguarda em 2023, lembro dos Magos das Araucárias. Sana-Khan foi o primeiro Mago das Araucárias, paranaense que chegou a prever o futuro de Getúlio Vargas.
Quarta-feira, 1º de janeiro de 1930. No olho de um furacão que faria tremer o território brasileiro, o candidato Getúlio Vargas foi comemorar o Ano Novo no Rio de Janeiro. Na suntuosa recepção do Hotel Glória, afundado no sofá e com o inseparável charuto na boca, Getúlio mantinha os olhos colados em um homem magro e tímido sentado ao seu lado, um mago a quem acabara de entregar as mãos para saber das profecias.
— Vossa Excelência será o presidente do Brasil pela força das armas!
Vargas ficou inebriado. A cada profecia extraía densas baforadas do charuto, demonstrando especial interesse pelo que ouvia. Sana-Khan, que observava as mãos do candidato da Aliança com ar profissional, chama a atenção para um sinal precioso na mão direita de Vargas:
— Vossa Excelência tem quatro estrelas! Uma na mão direita e três na esquerda. Júpiter, o rei dos deuses, encarna liderança, governo, lei, suprema magistratura. Vossa Excelência nasceu predestinado como homem de governo.
Meia hora depois, trôpego de sono, Vargas despediu-se dos amigos. Ao se ver sozinho no elevador, contemplou extasiado as linhas e os sinais que tanto o impressionaram. Parecia convencido pelo Mago das Araucárias de que o destino do País estava em suas mãos. Como de fato estava.
A família Curi merece um livro. Quem sabe um romance da política provinciana, com enredos semelhantes às tramas de novelas mexicanas. O mago Michel Curi abriria o primeiro capítulo. Ao contrário do que muitos acreditam, na família Curi o verdadeiro mago foi Michel. Aníbal Curi era “apenas” um bruxo. Ou guru. Rafael Iatauro, ex-presidente do Tribunal de Contas do Paraná, era íntimo da casa. Raramente deixava de almoçar com Michel, aos sábados, onde sempre havia uma mesa bem fornida para quem por lá aparecesse. Do café da manhã ao jantar. Durante as noites da semana, principalmente, não era fácil conversar com o “turco”, tamanha a romaria que se formava em sua residência, dos mais simples aos mais aquinhoados, políticos ou socialites, sequiosos em resolver seus problemas ou simplesmente saber do futuro.
Entre tantas, Iatauro lembra de uma marcante passagem. Carlos Lacerda e Juscelino, que haviam sido inimigos mortais, se uniram após a Revolução Militar, e percorreram o norte do Paraná fazendo pregação incendiária. Com eles, o ex-deputado Jorge Curi, que fora não só amigo e líder de Lacerda na Câmara Federal, mas também seu sócio em empreendimentos privados.
Certa manhã, Jorginho Curi ligou para Niva, mulher de Aníbal Curi, e pediu que preparasse uma quibada, especialidade que a cunhada havia aprendido com o sogro Salomão, o patriarca.
— Vou levar o Lacerda (disse Jorge), o homem quer conhecer o Michel.
Durante a sobremesa com doces árabes, Carlos Lacerda começou a desafiar Michel sobre previsões, em tom educado, mas de visível deboche. Michel não se perturbou. E, diante das risadas do carioca, o Mago das Araucárias desfilou uma série de fatos íntimos que só Lacerda tinha conhecimento.
Meio assustado, Carlos Lacerda pediu licença para conversar com Michel, a sós. Se reuniram num escritório da casa onde permaneceram por mais de uma hora. Lá pelas tantas, a porta se abriu e Lacerda apareceu, meio zonzo. Sem perder a fleuma, própria das inteligências raras que em nada acreditam, o “corvo” (apelido do ex-governador carioca) foi logo afirmando:
— É! O homem diz coisas interessantes. Gosta, contudo, de dar seus “chutinhos”. Imaginem que ele afirmou que se eu não parasse de desafiar os militares ia sofrer grande perseguição política, e nunca mais ocuparia cargo público.
Respirou fundo e emendou:
— Até aí, tudo bem! Agora vejam o absurdo: como se nós estivéssemos voltando ao tempo da velha Roma, Michel garantiu que o Brasil, já, já, vai ser governado por um triunvirato militar!
E soltou uma sonora gargalhada.