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Delação no caso Marielle escancara hipocrisias
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O ministro Gilmar Mendes, em 9 de maio deste ano, disse o seguinte sobre as delações premiadas da Lava Jato: “As pessoas só eram soltas, liberadas, depois de confessarem e fazer acordo. Isso é uma vergonha. E não podemos ter esse tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente, se tratava de prática de tortura. Usando o poder de Estado. É disso que se trata”. 

Em 7 de fevereiro de 2017, o ministro afirmou: “temos um encontro marcado com essas alongadas prisões em Curitiba”. Havia cerca de dois anos que tinham sido decretadas as prisões e ninguém estava preso há tanto tempo sem condenação, mas, é claro, as condenações não haviam transitado em julgado. Isso demora muitos anos no Brasil quando se tem um bom advogado. 

Ainda assim, o ministro Gilmar entendia, ou pelo menos assim declarou, que tais prisões “discordam e conflitam com a jurisprudência dessa Corte nesses anos”. Dois anos mais tarde, em 2 de outubro de 2019, o ministro voltou ao assunto, dizendo que se usava “a prisão provisória como elemento de tortura”. 

O ministro ecoava a ladainha professada por jornalistas militantes e pelo grupo de advogados “Prerrogativas”, também conhecido como clube da impunidade - aquele do advogado que, num jantar em apoio à candidatura de Lula, soltou a seguinte pérola para criticar a Lava Jato: “se o crime já aconteceu, de que que adianta punir?” 

Um dos líderes desse grupo, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, em entrevista, afirmou que a equivalência entre delação e tortura feita por Gilmar é adequada: “Você fazer a delação com o réu preso é quase um convite para que o sujeito minta, para que o sujeito diga o que você quer que efetivamente ele diga”.

Outro integrante do clube, o hoje Secretário Nacional de Justiça do ministro Flávio Dino, Augusto de Arruda Botelho, chegou a defender o fim da delação premiada. Botelho criticou a delação como imoral e afirmou que “por trás desse réu arrependido está um homem ou mulher que, após longo período de privação ilegal de sua liberdade, física e psicologicamente comprometido (...) faz uma opção não de tese de defesa, mas, sim, de sobrevivência”. 

O silêncio desses atores todos diante da delação de Élcio de Queiroz, que incriminou novo comparsa envolvido no homicídio da vereadora Marielle Franco, é ensurdecedor. Élcio estava preso preventivamente desde março de 2019, portanto, há mais de quatro anos. Nenhuma crítica se ouviu à prisão alongada ou à delação nesse contexto por parte da esquerda, de Gilmar, de Marco Aurélio ou de Botelho.

Pelo contrário, o próprio Ministro da Justiça fez uma coletiva para falar de boca cheia da operação policial baseada na delação, ecoada como se fosse uma realização de seu governo, quando não é. Trata-se de um trabalho da polícia, de Estado, e não de governo. Outra hipocrisia, diga-se, é o silêncio nesse ponto daqueles que criticavam a Lava Jato por suposto midiatismo, diante de um Ministro político fazendo uma coletiva sobre um trabalho técnico que ele não fez e do qual sequer participou. 

Nenhuma crítica se ouviu à prisão alongada ou à delação nesse contexto por parte da esquerda, de Gilmar, de Marco Aurélio ou de Botelho

Essas hipocrisias se somam a muitas outras, como a conivência ou apoio a abusos de poder escancarados, como por exemplo a prisão de Anderson Torres por quatro meses sem acusação, a busca e apreensão realizada sobre supostos agressores do ministro Moraes em foro incompetente e contra crimes de menor potencial ofensivo e a prisão e acusação sem individualização das condutas e provas dos envolvidos no 8 de janeiro. 

A celebração de resultados investigativos alcançados por meio da delação premiada mais uma vez revela que vários “juristas”, autodesignados “garantistas”, nunca se opuseram de verdade aos meios empregados pela Lava Jato, mas sim aos resultados alcançados. O problema não eram os meios e sim os alvos. Nunca se tratou de uma luta por direitos. 

São “garantistas de ocasião”. Criticavam abusos imaginários da Lava Jato, construídos mediante narrativas, e agora silenciam diante de abusos reais escancarados. A depender da ocasião e do interesse em jogo, levantam as bandeiras do garantismo. A depender da ocasião e da conveniência, silenciam ou se revelam punitivistas arrochados. 

Quando se trata de atacar a Lava Jato, por exemplo, o garantismo vira punitivismo e arbítrio. Nesta mesma semana, o ministro Flávio Dino mandou a Polícia Federal investigar os acordos da Lava Jato, sem qualquer indicativo de crime ou desvio. Se for instaurado inquérito, como parece que vai, a perseguição política ficará ainda mais escrachada. A Polícia só pode agir quando há indícios de um fato em tese criminoso. Qual o fato em tese criminoso? Qual o crime previsto no Código Penal? Não há.

Olhando para tudo isso, a mensagem é: delação pode, mas não de político corrupto. E isso não é só para delação: é para prisão, é para condenação, é para todo tipo de responsabilização. E tem uma segunda mensagem: se contra corrupto poderoso vale-nada, contra quem ameaça poderosos com a lei, aí a regra é invertida, aí vale-tudo. Vale até negar, inventar ou torcer o Direito e usar a máquina do Estado para caçar, cancelar e punir. 

Não temos mais Estado de Direito no Brasil. Há um Estado de Poderosos, de Donos do Poder, de Donos do Brasil. Debaixo de Lula e do atual STF, nestes tempos sombrios, o Direito se tornou um mero instrumento do poder, com a conivência de um Senado acovardado. Erguendo a bandeira da democracia, os Donos do Poder no Brasil erodem, corroem e atacam, de dentro, a própria democracia.

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