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“Olha, realmente a coisa está feia, viu? Eu não estou aguentando mais, em termos físicos, psicológicos, emocionais. Eu não consigo dormir sossegado, não tenho tranquilidade, estou perdendo completamente a higidez mental — o pouco que eu ainda tinha, viu? Realmente, a coisa está feia”, disse o juiz Airton Vieira, auxiliar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em áudios vazados para a imprensa.
Airton Vieira, é claro, é aquele juiz que se tornou nacionalmente famoso pela frase “Use a sua criatividade”, dita a Eduardo Tagliaferro, o mesmo interlocutor dos áudios vazados. A criatividade de Tagliaferro deveria ser usada para fabricar provas contra a Revista Oeste, que permitissem ao ministro Alexandre de Moraes expedir uma ordem secreta para o YouTube desmonetizar a revista. A frase foi dita depois de Tagliaferro afirmar que não encontrou nada de ilegal nas reportagens da Oeste, apenas jornalismo.
Como se não bastasse sua primeira frase célebre, Airton Vieira agora tem outra: “Eu não estou aguentando mais”. A frase é simbólica de como se sente todo o país: nós também não aguentamos mais, Airton. A coisa está realmente feia, e nenhum de nós consegue dormir sossegado ou manter qualquer resquício de tranquilidade e higidez mental. Se para você, que trabalhava diretamente para um dos homens mais poderosos do país desde 2019, já estava difícil, imagine para nós, que convivemos com censura, abusos, pescarias probatórias, bloqueios, cassações e repressão desde 2019.
Como será que deveria ficar a minha tranquilidade, a minha higidez mental, depois de ter sido a primeira pessoa incluída por Alexandre de Moraes no infernal inquérito das fake news, no dia em que Toffoli o abriu? Sem ter acesso aos autos? E depois de ser novamente incluído na investigação por criticar a decisão que me cassou, sem ter, mais uma vez, acesso aos autos? E a tranquilidade das outras centenas, milhares de pessoas investigadas no inquérito, presas, condenadas sem provas individualizadas, separadas das famílias, com contas de redes e bancos bloqueadas?
Como estará Filipe Martins, física e psicologicamente, suportando há anos uma acusação falsa e sem provas, que o jogou ilegalmente na cadeia por seis meses, sem denúncia, e que até hoje o obriga a se deslocar todas as segundas-feiras até o Fórum de Ponta Grossa/PR, num ritual inútil, aparentemente ordenado por Moraes apenas para humilhar e desgastar? Como estará sua higidez mental, sem poder ter redes sociais, dar entrevistas ou exercer seu direito mais básico de pensar, falar e se expressar livremente? Sem poder sequer… trabalhar como professor.
E os filhos de Débora Rodrigues? E as senhoras idosas, com comorbidades e graves problemas de saúde, presas no 8 de janeiro? E Daniel Silveira? E Rodrigo Constantino, enfrentando bravamente um câncer nos EUA enquanto ainda é perseguido por Moraes? E os moradores de rua acusados de “golpe de Estado” por Moraes, que ficaram de 11 meses a mais de um ano presos sem denúncia? Listar todos os casos, todas as situações absurdas, todas as vidas destruídas por Moraes e seus abusos tomaria, por si só, uma vida inteira.
Airton Vieira disse mais. Nos áudios vazados, reclamou das pressões que sofria dentro do gabinete de Alexandre de Moraes: pedidos “para anteontem”, cobranças constantes, falta de crédito aos assessores, interferência do ministro em todos os aspectos do trabalho, inclusive nas audiências de custódia conduzidas pelo juiz. O autoritarismo e a opressão impostos ao país — colocado de joelhos por ele — se reproduziam em menor escala ali, a ponto de Airton querer sair o mais rápido possível de Brasília e voltar ao cargo de desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
E ele não é o único juiz em Brasília a reclamar de Moraes. Nas últimas semanas, pipocaram na imprensa relatos de ministros do Supremo, colegas do próprio Moraes, absolutamente incomodados com sua postura belicosa, agressiva e hostil. Ele decide como quer, faz o que quer e sempre dobra a aposta contra todos os inimigos ao mesmo tempo, sem medir consequências. Depois da ordem de prender Bolsonaro, ministros deixaram vazar sua irritação, a ponto de afirmarem que poderiam até derrubar a decisão — algo impensável até pouco tempo atrás, quando a ordem de se unir em torno de Moraes era obedecida bovinamente por todos no STF.
Convidados por Lula para um jantar em desagravo a Moraes após a aplicação da Lei Magnitsky, 4 dos 11 ministros faltaram; um dos presentes, Fachin, que assumirá a presidência do STF em setembro, deixou escapar à imprensa que compareceu contra a sua vontade. A maioria se recusou a assinar, com o próprio nome, uma nota institucional de apoio e, nesta semana, O Globo revelou que Gilmar Mendes e Barroso chegaram ao ponto de pedir que Moraes “maneirasse” em suas decisões, se acalmasse e baixasse a bola.
Airton Vieira não aguenta mais, o Brasil não aguenta mais e, agora, parece que até mesmo os próprios colegas de Moraes no STF não aguentam mais. Até quando?




