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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

Cumplicidade

STF chora por Moraes, mas não por inocentes

Aumento do IOF
Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes (Foto: Rosinei Coutinho/ STF)

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De tempos em tempos, o Supremo Tribunal Federal (STF) nos brinda com cenas inesquecíveis. Não, não falo de julgamentos históricos que engrandecem a democracia. Falo de espetáculos emocionados que mais parecem peças de teatro, transmitidas ao vivo para o Brasil assistir incrédulo.

A mais recente ocorreu nesta última quinta-feira (25). Gilmar Mendes, o homem mais influente e poderoso do país, foi às lágrimas ao elogiar seu colega Alexandre de Moraes. Voz embargada, face tremendo, lágrimas marejando os olhos: tudo para enaltecer o “heroísmo” de Moraes na defesa da democracia.

Infelizmente, não é apenas uma cena de “camaradagem” entre magistrados. Tanto Gilmar quanto Moraes se emocionaram com o errado: juízes agindo ao mesmo tempo como vítimas, investigadores e acusadores, processos conduzidos absolutamente fora da lei e condenações que mais parecem vingança.

Em sua fala, Gilmar exaltou a “tranquilidade” e a regularidade com que o processo contra a suposta “intentona golpista” teria sido conduzido. Tranquilidade? Regularidade? Só se for no mundo invertido. Tranquilidade é quando ministros dão chiliques diários na imprensa, comentando e prejulgando casos que ainda vão julgar? Isso é vedado por lei e deveria torná-los suspeitos.

Regularidade é decretar prisão domiciliar de Bolsonaro com monitoramento policial até no quintal de sua casa, sem previsão legal? Regularidade é instaurar medidas cautelares a pedido do líder do PT, adversário direto do réu? Regularidade é quando o Supremo reage em tempo real às sanções vindas dos Estados Unidos, retaliando a direita e o ex-presidente? Esse é o “tudo regular” de Gilmar Mendes. Uma regularidade digna de ficção distópica.

Enquanto ministros se emocionam em plenário, famílias de brasileiros comuns choram em silêncio. Cito um exemplo emblemático: dona Sônia, idosa de 68 anos, portadora de câncer maligno, moradora do Paraná, cuja história foi revelada pelo vereador de Curitiba Guilherme Kilter (Novo-PR) e contada aqui na Gazeta do Povo.

Foi a Brasília como turista, entrou no Congresso empurrada pelo cerco policial após sair da Catedral de Brasília, sem quebrar um azulejo sequer. Mesmo assim, foi presa. Passou 14 dias incomunicável na Colmeia, penitenciária feminina do Distrito Federal. Depois, oito meses com tornozeleira eletrônica, sem poder ir à igreja ou sair de casa. Até que a Polícia Federal, por ordem de Alexandre de Moraes, levou-a de novo ao presídio.

Isso é justiça, ministro Gilmar? Isso é devido processo legal? Ou é apenas mais uma vítima da farsa que o senhor chama de “regularidade”?

As lágrimas desta semana lembram outra cena inesquecível no Supremo: quando o mesmo Gilmar Mendes chorou em homenagem a Cristiano Zanin, advogado de Lula, no julgamento que declarou Sergio Moro suspeito e que sacramentou o retorno de Lula à presidência.

Uma suprema ironia: lá, Gilmar exaltava a imparcialidade do tribunal. Hoje, chora de novo, mas pela atuação de um colega que concentra em si todos os papéis que a Constituição proíbe acumular. Juntaram sete fatos num mosaico para declarar Moro parcial, mas para afastar Moraes bastaria tomar qualquer um dentre vários, tal a gravidade: é vítima, atuou como investigador e promotor, é inimigo do réu…

Quem, afinal, é o juiz parcial? Quem, afinal, é o juiz suspeito?

As lágrimas do Supremo não são pelas injustiças sofridas por cidadãos anônimos como dona Sônia, nem pela erosão das garantias individuais, nem pela politização da Justiça. São lágrimas de crocodilo, derramadas em homenagem a si mesmos, em um espetáculo de autopreservação e poder.

Enquanto ministros se comovem em público, brasileiros comuns sofrem em silêncio. A diferença é que as lágrimas do povo não são de autocomiseração ou emoção encenada. São de dor verdadeira, causada por um sistema que deixou de servir à justiça para servir a si mesmo.

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