Marcas na cidade

Pixo: arte ou vandalismo?

31/01/2023 18:29
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Mural na exposição “Corners of(f) Society, 2018, na Colab Galery, Alemanha. | Bruno Rodrigues

Uma frase que bem me define é “só sei que nada sei”. Gosto de revisar pré-conceitos constantemente, sobretudo no que tange à arte e criatividade.
Nos últimos dias, tive a oportunidade de fazer uma incursão no mundo do pixo. Acredito que muitos dos nobres leitores já se viram “xingando” um pichador. Mas vale a pena trazer à tona a definição de arte e do belo. O papel da arte não é o entretenimento. Nem tudo que é arte é belo; e nem tudo o que é belo é arte.
Um dos mais importantes acontecimentos para delimitar o espaço da arte foi a obra “Roda de Bicicleta” ou a “Fonte”, assinadas pelo artista Marcel Duchamp. Elas pertencem ao conceito do ready made; no qual objetos cotidianos e utilitários são recontextualizados.
Será que alguém de fato acha as obras acima citadas bonitas? Ou será que elas, até os dias atuais, geram grande estranheza?
É aí que mora sua importância, definindo-as como algumas das mais importantes obras de arte da história do século 20. Não por acaso, foi precursora de movimentos como o surrealismo, dadaísmo e pop art.
“A arte luta com o caos, mas para torná-lo sensível”, apontam os filósofos Deleuze & Guattari.
O pixo é a mais pura e verdadeira forma de expressão do caos. Vêm do âmago de uma parte marginalizada da sociedade, que não encontra espaço para registrar sua existência. Valores que tangenciam o pixo são de alto grau de sofisticação: a semiótica, na qualidade de signos representando e comunicando, e a efemeridade, ou seja, eles não têm a intenção de serem eternos, pelo contrário, valorizam sua transitoriedade.
Na atual sociedade, a escrita por si só é relacionada à dignidade. Uma pessoa que não sabe escrever, analfabeta (cuja definição literal é sem alfabeto), é condenada à marginalização. A escrita, aprendi em visita a Coreia do Sul, diz respeito também a existência e ao pertencimento.
Por muitos séculos, os coreanos foram obrigados a falar e escrever o chinês, uma vez que eram colonizados pela China. Seu idioma e escrita, o hangul, é um dos mais novos idiomas do mundo, criado em 1480. Porém, em meados de 1900, os coreanos novamente foram proibidos de falar e escrever com o hangul por seu novo colonizador, o Japão, criando uma fissura na autoestima do “ser” coreano. No pós-guerra, a primeira consequência foi o resgate do hangul, que não apenas une o país, como também é motivo de orgulho pelo povo coreano, tendo inclusive um museu próprio chamado National Hangeul Museum.
Particularmente, valorizo muito as histórias locais, que representam a verdadeira brasilidade. O pixo é assim, repleto de brasilidade. Criado e existente apenas em solo brasileiro. Assim como não há um único Brasil – há diversos Brasis –, não há um único pixo, mas diversos. O pixo paulistano é reto e pontiagudo. O pixo carioca é repleto de curvas. O pixo mineiro, como não podia deixar de ser, é uma mescla dos dois superiores e apresenta retas e curvas. Já o pixo nordestino, em geral, remete a um autógrafo e é de leitura impossível.
Há várias estéticas do pixo, o que comprova os valores de sua representação em acordo com seu contexto local. Obviamente que a arte, assim como o cientista, o pesquisador, o design, tem sua relevância decorrente de uma árdua pesquisa, experimentalismo e recuo histórico. Assim como nem todo artigo científico ou peça de design são relevantes, nem todo pixo tem a mesma “profundidade” em seu discurso.

A Utopia do pixo

A comunidade do pixo não tem vaidades. Tampouco é movida pelo interesse monetário. Na essência, é um movimento transgressor, tal qual o grafite. Fatores como o quão difícil é a base para o pixo, o quanto se destaca pela identidade própria de seus traços e o colecionismo dos “papéis” com registro de pixos de cada um que são trocados entre seus integrantes (uma espécie de autógrafo de um ao outro, e que demonstra a quantidade de estrada seguida) são o tesouro a ser perseguido.

O belo

A beleza é algo relativo. Depende dos olhos de quem observa. Porém, um valor que para mim é indissociável da beleza é o significado atrelado a mesma. E para entender tal significado é de suma importância o entendimento do contexto e da alma no qual é efetivada a criação. E o pixo é pura alma.
“O jovem sorri na tela enquanto ela dura”, diziam Deleuze e Guattari.

Confira entrevistas com os pixadores e artistas Bruno Rodrigues e Micaela Altamira.

Bruno Rodrigues, pixador e artista

Como se inicia sua história com o pixo?
Ainda criança, admirando o estilo de vida que era levado pelo namorado de uma prima, que fazia pixação no meu bairro e, assim, andava por toda a cidade inspirando aquela sensação de ser livre, de ter atitude. Eu, muito novo e sob a vigilância dos meus pais, não podia sair sem ter autorização e nem ficar na rua, como faziam alguns colegas. Tudo isso por medo de que eu seguisse um caminho errado, já que minha família já tinha sofrido a perda de irmãos, primos e conhecidos para o crime. Andava com minha mãe e perguntava “o que está escrito ali no muro?”. Toda criança na fase de alfabetização fica curiosa para entender as letras, conectar as palavras, e comigo não foi diferente. Na época, as pixações que ocupavam as ruas tinham uma caligrafia de mais fácil entendimento por pessoas de fora do movimento, então minha mãe conseguia fazer a leitura de algumas delas e me dizer [o que significavam]. Então, minha admiração começou muito novo, aos 10 anos. Agora, começar a riscar os muros mesmo foi já na adolescência, com 13 anos, com um outro contexto familiar e com maior possibilidade de escolher os caminhos que eu iria trilhar.
Qual a base para conceber seu pixo? Digo, a escolha do local, o conteúdo, a estética?
A escolha do lugar depende muito da ação pensada para aquele dia, qual será o plano e a estratégia traçada. Entre a “pegada” e o “rolê” de espalhar por toda a cidade.
“Pegada” é o que consideramos um plano bem elaborado, seja o pixo feito no alto (como na lateral de um prédio, por exemplo) ou no baixo (um muro que cerca uma avenida). Ou seja, a 'pegada' trata-se de algo mais audacioso. Por exemplo, o pixo que foi feito no terminal Bandeira, em 2016, é uma das minhas 'pegadas' de que mais gosto. Ficamos montando o plano por uma semana, indo visitar o local, estudar os horários, fluxo de pessoas, por onde acessar o prédio. E na noite, dependendo do grau de risco ou dificuldade, é feita apenas uma ação, estudada e bem planejada.
O 'rolê' eu considero como se fossemos desbravadores, saindo à noite ou de dia em busca de alvos, seja no baixo ou no alto, fazendo escolhas de materialidade da superfície, de tipo de arquitetura, tipo de texturas e nível de visibilidade do local. Por exemplo: domingo durante o dia, logo pela manhã, em grandes avenidas da cidade, um 'rolê' com dois ou mais pixadores, cerca de quatro latas spray com cada um, mais 2 litros de tinta e algum rolinho; o ponto de encontro acordado pode ser a estação de trem Barueri e o trajeto é até a Avenida Autonomista. Vamos escolhendo fachadas e portas, cada qual com a sua qualidade: pode ser uma porta de um antigo comércio com a fachada característica, uma superfície com materiais como pastilha, quartzo, entre outros de mais difícil manutenção, o que vai garantir durabilidade ao pixo; ou até mesmo muros e fachadas que poderão potencializar a estética de cada grupo, ressaltando as curvas e traços de cada pixo. Então, o rolê é um estilo livre, uma diversão pela cidade por meio do qual você aprende a lidar com situações imprevistas, aprende a andar pela cidade, conhecer novas regiões etc.
Além do seu próprio trabalho você é um pensador e fomentador da comunidade do pixo. Como funciona tal comunidade?
O pixo é um movimento com mais de 30 anos cuja história nos diz que os pioneiros são Juneca e Pessoinha, entre outros “fundões” da grande metrópole São Paulo dedicados a estudar a metrópole ainda nos anos 1980 – e a Mica, com a base dos estudos acadêmicos, pode dizer historicamente como era a cidade nesse período.
Sobre o pixo, eu entendo que era uma época em que existiam muitos pichadores e também muito espaço na cidade. Pichadores como Max, da Zona Oeste, me contam diversas histórias de que saíam para o 'rolê' com balde de cal e rolo, fazendo muros gigantes e visando estrategicamente a visibilidade que aquela ação traria. Os anos se passaram e a disputa por espaço na rua obrigou os pichadores a escalarem cada vez mais alto a verticalidade da cidade. Assim foram surgindo as modalidades [diferentes formas de praticar a pixação e ocupar o espaço da cidade, comparáveis com a ideia de modalidades nos esportes] conhecidas como “pé nas costas”, “escalada”, entre outras práticas que fizeram o pixo passar a ser visto não apenas nos muros, mas cada vez mais alto na cidade.
Os anos se passaram e surgiram os encontros conhecidos como point. Historicamente, um dos primeiros points foi o do “Mc da Lapa” (em frente a uma unidade do Mc Donald’s na Rua Doze de Outubro, no bairro da Lapa), onde os pichadores foram desenvolvendo a prática de trocar folhas com assinaturas de pixo, ou seja, com a criação caligráfica original de cada integrante. Assim, os points se configuraram como um espaço de sociabilidade do pixo, onde ocorre a interação entre os integrantes de diversas partes da cidade, conversando e relatando as situações das ações realizadas nas ruas.
Poderia falar um pouco de seus documentários mais recentes?
O selo conhecido como PixoAção eu iniciei com um colega da época, Pânico.crs. Tínhamos uma amizade e uma vontade de fazer algo diferente do que só mostrar pichadores em ação, o ato do pixo nos muros por si só. Faltava saber o porquê, o sentido da pixação para os integrantes do movimento, as histórias, a vivência, as motivações de cada um. Pelo selo PixoAção foram lançados três filmes, entre eles o documentário “#DI# pichar é Humano” (2016), sobre a história desse lendário pixador que ocupou a cidade com sua marca ao longo da década de 1990 e que teve uma breve passagem pela terra, mas que tem seu legado e sua história lembrada por todos. O documentário é uma biografia relatada por amigos e historiadores, entre eles Dino, um amigo pessoal e codiretor deste último lançamento do PixoAção. #DI# foi o primeiro pixador que elaborou um pensamento crítico a respeito do pixo como uma forma de arte. Os documentários podem ser vistos na versão curta no YouTube ou a partir do contato conosco para exibições na íntegra.
Você participou de exposições em museus e galerias internacionais. Como o pixo é visto internacionalmente?
Tive a oportunidade de fazer esse 'rolê', esse tour por alguns países europeus. Foi fantástico porque fiz muito do que um dia planejei chegar a fazer e muita pixação na rua. Até mesmo arriscando minha liberdade de nunca mais voltar, ao realizar ações de grande risco no sentido de poder ser flagrado e encaminhado para as autoridades internacionais brasileiras. Como um bom pichador, eu não fui a passeio, não basta só dizer, é necessário agir. E assim foi feito. E tudo foi diferente e novo porque tive uma noção melhor do quanto o picho é uma manifestação original da cultural brasileira, com sua estética única, uma performance que não existe igual no mundo. Nasceu no contexto social de jovens periféricos, alguns em busca de garantir que sua passagem na Terra não passe em branco, mas que seja lembrada pelos seus feitos, suas conquistas, arriscando a vida por sua caligrafia, sua arte, o seu pixo. Em alguns lugares o público me pedia até autógrafo em suas roupas, pediam para tirar selfie, queriam aprender a fazer pixação e entender as motivações de se arriscar e, principalmente, conhecer mais sobre a vida de cada um de nós. Foram momentos em que tivemos oportunidade de, por um certo período, conseguir disseminar um pouco da nossa cultura.
*Bruno Rodrigues é pixador, artista, produtor audiovisual e documentarista da cena da pixação em São Paulo e no Brasil. É criador e diretor do selo PixoAção, criado em 2007, e colabora com o coletivo Ardepixo. Pelo selo, produziu e dirigiu os documentários "PixoAção 1" (2011) e "PixoAção" 2 (2014) e "#DI# Pichar é Humano" (2016), além da marca de streetwear. Em 2016, protagonizou o filme "Olhar Instigado", dos diretores Chico Gomes e Felipe Lion e, nesta mesma época, começou a elaborar sua prática enquanto produção artística e ministrar atividades formativas sobre o tema. Desde então, realizou atividades e participou de exposições em galerias, universidades e instituições culturais de São Paulo e de países do exterior, como Alemanha, França, Suíça, Holanda e Argentina.

Micaela Alatamira, pesquisadora e articuladora cultural

Você estuda o pixo há mais de dez anos. Qual é o seu fascínio pelo pixo?
Eu nasci e cresci em São Paulo e desde criança sou fascinada por observar a cidade, a forma como ela se organiza, suas vozes, seus sons. E dentre essas observações, eu tinha o hábito de reparar quantas vezes eu avistava um mesmo pixo em diferentes locais da cidade, pois me fascinava pensar sobre o mistério de quem estava por trás daquela marca – como aquele símbolo do morcego que aparecia nos céus de Gotham City sinalizando a presença da misteriosa figura do Batman. Depois de adulta, quando comecei a acessar mais áreas da cidade, percebi que o pixo era a única manifestação visual que cobria São Paulo de ponta a ponta, carregando não só o mistério sobre seus autores, mas também revelando mistérios sobre a própria capital paulista. O pixo, para mim, são as marcas da trajetória de vida de várias pessoas que compartilham a vivência dessa louca São Paulo e que vão atravessando nossos caminhos cotidianos, nos contando essas histórias e nos causando espanto, nos tirando da anestesia dos trajetos automáticos. Virar uma esquina e ver um enorme pixo ocupando a verticalidade de uma fachada ou o topo do edifício mais alto da rua, com letras estrategicamente desenhadas para se distribuírem equilibradamente por aquela superfície, é uma grande provocação à nossa percepção do real, à nossa percepção estética, à nossa noção de risco. É uma lembrança de que a vida da cidade é muito mais do que aquilo que nos é dado a ver.
Você foi uma das pioneiras em levar o pixo para o ambiente catedrático. Sofreu resistência nesse caminho?
Não enfrentei resistência para levar adiante a pesquisa, pois, surpreendentemente, me deparei com uma instituição muito aberta e com professores que 'compraram a briga' comigo, especialmente minha orientadora na PUC-SP, a pesquisadora e semioticista Profa. Dra. Ana Claudia de Oliveira. Quando decidi realizar uma pesquisa acadêmica sobre o pixo, eu já frequentava a cena, tinha um diálogo aberto com seus praticantes e articulava algumas ações que pudessem contribuir para fortalecer o movimento junto a instituições educacionais e culturais. Também já havia feito contato com outros pesquisadores que se interessaram pelo estudo deste universo, pessoas que me inspiraram e com quem pude dialogar e aprender, a exemplo do Prof. Dr. Sérgio Miguel Franco. Então, a inserção do tema no ambiente universitário foi muito natural para mim, eu já tinha bastante vivência para levar adiante a discussão e para argumentar com quem pudesse vir a questionar. Isso me ajudou a transmitir muita confiança e negociar a abertura de mais portas. Para além da pesquisa, eu articulei outras ações envolvendo o pixo no ambiente acadêmico e nas instituições como um todo e, quando dialogamos com instâncias mais altas, a resistência é maior. Houve momentos em que foi necessário fazer negociações, mas as concessões foram poucas e foi possível viabilizar muita coisa, como a mostra “São Paulo do pixo”, por exemplo, que levou a representação do pixo para o saguão da biblioteca da PUC-SP numa exposição com duração de mais de um mês que foi inaugurada com um debate envolvendo pesquisadoras com nomes de peso no campo das Ciências Sociais e das Artes na PUC-SP – minha orientadora Profa. Dra. Ana Claudia Oliveira, a Profa. Dra. Christine Mello, da área de Comunicação e Semiótica, a Profa. Dra. Bader Sawaia, da área da Psicologia Social, e a Profa. Dra. Monica de Carvalho, da área da Sociologia. Outra ação relevante no campo foi a estruturação do curso “PixoAção – A cidade por trás da caligrafia ilegal”, idealizado e ministrado por mim e pelo Bruno e com a participação de outros nomes da pixação com longa história na rua, o qual teve a primeira edição realizada no Centro de Pesquisa e Formação do SESC-SP, em 2017.
Por fim, o reconhecimento máximo dentro da academia veio com a premiação da pesquisa pela COMPÓS – Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, em 2019, como melhor dissertação de mestrado daquele ano, concorrendo com outras pesquisas de universidade de renome em todo o Brasil. Essa premiação só revelou o quanto o pixo pode ser um assunto de grande interesse para várias áreas, quando abordado com comprometimento e profundidade, e que a inserção de seus autores no debate é uma premissa fundamental para abordar o tema numa perspectiva de fortalecimento do movimento, e não sob um olhar colonizador e estereotipado.
Você estuda o campo da semiótica. Como associa o pixo e a semiótica?
Eu vejo o pixo como uma manifestação extremamente semiótica. A semiótica (da escola francesa, de A. J. Greimas, que é a que guia minhas pesquisas) se dedica a depreender o sentido das coisas, considerando as condições sociais de produção e recepção delas, ou seja, o seu contexto. Uma das perguntas que mais se ouve de alguém que critica o pixo é “qual o sentido daquilo?” – e eis aí um desafio incrível para a semiótica. O pixo é o que chamamos de objeto sincrético, que seria algo em que o sentido não é construído em uma única linguagem, a partir de um elemento isolado. O sentido do pixo não está puramente na palavra que está ali escrita, mas na reunião de todos os elementos que o compõem: seu cromatismo, o suporte escolhido (que será a própria superfície/materialidade da cidade: um muro, um prédio, uma porta de aço, um local com a pintura desgastada, com marcas da poluição etc.), a posição e a forma de organização das letras, a localização na cidade, o desenho das letras, o desafio físico imposto ao seu autor e outras variáveis que podem entrar em jogo. Todos esses elementos demandam a atenção de uma pesquisadora ou um pesquisador que deseje desvendar os sentidos do pixo, e acredito que poucas disciplinas dispõem de instrumentos e metodologias para conduzir esse tipo de análise quanto a semiótica.
O pixo é arte?
Assim como toda arte contemporânea, o pixo é um elemento que pode se tornar arte se seu autor assim o desejar. Afinal de contas, desde Duchamp sabemos que arte é aquilo que recebe a chancela do mercado e das instituições. O pixo pode ser arte dentro de uma galeria se seu autor/artista/pichador decidir trabalhar a partir de sua vivência, seguir as normas e a lógica do capital e comercializá-lo. Na rua, o pixo é uma manifestação urbana, coletiva, uma referência cultural de um grupo social da cidade. Qualquer pessoa pode olhar para o pixo na rua e reconhecer a poética e a beleza estética dessa manifestação, reconhecer a dimensão arte que existe nela, principalmente os próprios integrantes do movimento. Do mesmo modo, uma pessoa pode ter a foto ou uma pintura estética do pixo na parede da sua casa, como uma peça de arte. Mas isso não fará o pixo deixar de ser uma prática criadora de sentido na vida de seus autores, pichadores e pichadoras: seu estilo de vida, sua forma de (r)existência, sociabilidade e criação de novos significados nos espaços da metrópole.
*Micaela Altamirano é pesquisadora, educadora de arte e articuladora cultural. Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP em cotutela com Estudos Culturais na Universidade do Minho. Membra do Centro de Pesquisas Sociossemióticas (CPS-PUC) e do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS-UMinho). É mestra em Comunicação e Semiótica, bacharela em Comunicação das Artes do Corpo com especialização em Ensino e Aprendizagem de Linguagens Artísticas Contemporâneas. Foi professora de arte no ensino básico em São Paulo (Brasil) e atua com formação de professores de arte e produção de conteúdos didáticos. Colabora desde 2017 com o coletivo ArdePixo e, desde 2013, com diversas ações e projetos que fomentam a conscientização sobre o movimento da pixação de São Paulo, tema abordado também em sua dissertação de mestrado, premiada como melhor do ano de 2019 pela COMPÓS – Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação.