

Faz várias semanas que venho falando do Quixote aqui. Pode ser que alguém esteja achando chato. Mas isso exigiria duas premissas: primeiro, que alguém veja o blog sempre. Segundo, que o Quixote possa ser chato para alguém. Como não acredito em nenhuma dessas duas coisas, sigo em frente (quem quiser pode ver os posts anteriores clicando na seção “Projeto hispânico”, acima).
Hoje vou tentar falar de um tema importante do Quixote, que é o fato da insanidade do personagem principal. Afinal, Quixote, como Hamlet, pira. Mas, no caso do Quixote, em nenhum momento é farsa. Ele realmente fica destrambelhado e acredita ser o que não é, por causa do excesso de leitura de livros de cavalaria.
Há várias possíveis explicações para Cervantes ter decidido fazer seu herói desse jeito. A primeira, claro, é que, sem isso, não há livro. Se Quijando (seu nome antes de virar cavaleiro andante) ficasse em casa lendo e pagando as contas, só poderia, no máximo virar um romance psicológico do século 19, e olhe lá.
Mas é claro que há outras explicações para isso. Uma delas, diz Harold Bloom, é que o fato de Quixote ser meio lelé dá a ele o passe livre que um bobo da corte, por exemplo, teria para falar o que quisesse. Numa Espanha ainda não de todo livre do fantasma da Inquisição, isso podia ser importante.
Miguel de Unamuno, um dos grandes comentaristas do Quixote, diz mais. Diz que Quixote enlouqueceu para que nós todos pudéssemos não enlouquecer. É uma frase interessante, que serve para várias ideias. Primeiro, por mostrar o que acontece com quem acredita demais na ficção, e por nos prevenir desse mal, Quixote nos afastou do risco.
Depois: por nos mostrar o ridículo que é querer acreditar em heroísmos e em outras verdades tão tolas quanto as dos livros que amava, Quixote nos preparou para sermos mais comedidos. Para querermos menos do mundo e de nós mesmos. Mas para mantermos os pés no chão.
Mas há também o outro lado, possivelmente. O de mostrar que existe o lado belo da ilusão, e fazer com que o vivamos de plena consciência, sem precisar perder a cabeça para isso.
O Quixote é um remédio para a alma. Para a cabeça. E para a humanidade como um todo.
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