

As gerações futuras estão em nossas mãos…
Lendo dia desses sobre (mais) um abandono de bebê em Curitiba, na noite mais fria do ano, lembrei-me de um cartaz que vi recentemente: “Cachorro não é brinquedo, sente fome, frio e medo”. Trata-se de uma louvável campanha contra o abandono de animais, que merece todo o apoio – torço o nariz para mimos exagerados aos pets, nunca para os bons tratos a eles. De fato, abandonar à própria sorte cachorrinhos e gatinhos é algo tão terrível quanto comum. Infelizmente, no entanto, também é comum (e, creio, muito mais terrível) o abandono de bebezinhos. Triste é o mundo em que é preciso se fazer campanha para lembrar às pessoas que não se deve abandonar animais. E ainda mais triste é a constatação de que também é necessária uma campanha contra o abandono de pequenos seres humanos: “Bebê não é brinquedo, sente fome, frio e medo”.
É claro que a questão é mais profunda do que a mera coibição do abandono de crianças – como bem destacou a jornalista Marleth Silva, em opinião veiculada com a reportagem que abordou o abandono do bebê, na semana passada. Há um fato por trás do ato: as mães que abandonam seus filhos também são abandonadas. Abandonadas pelo Estado, abandonadas por suas famílias, abandonadas por seus amigos, abandonadas pela razão. Talvez a campanha devesse se estender contra o abandono dessas mães, desses pais, dos seres humanos – de todos nós, enfim, animais abandonados, racionais ou irracionais. Quem abandona o outro, abandona a si mesmo, abandona a sua humanidade.
Há alguns anos, escrevi um pequeno texto que aborda, de certa forma, o desamparo dos bebês neste mundo moderno. Adapto-o para este blog:
Nasce o futuro: sobre “nenet” e “webebês”
Das coisas irreais que acontecem nas novelas e no cinema, daquelas “só em filme mesmo”, a que me chama mais a atenção ocorre em cenas com nascimentos de crianças. Essas cenas, geralmente, são bastante verossímeis: a mamãe grita, sua às bicas, segura a mão de alguém. Até aí, tudo nos conformes. O que tem me espantado, no entanto, é que os bebês da televisão nascem sem o cordão umbilical. Já perceberam? A criança vem à luz e vai direto para o colo da mãe. Não se vê o cordão umbilical, nem ninguém preocupado em cortá-lo.
Talvez as crianças modernas não usem mais cordão umbilical. É como internet de conexão discada, coisa do passado. Os bebês de hoje têm acesso às suas mamães por banda larga – ou (o que é pior) não têm acesso. A conexão é muito mais rápida e o provedor… Bem, o provedor, hoje, nem sempre é o pai. Esse, muitas vezes, é apenas mais um conteúdo adicional, na linguagem corrente. Conteúdos gratuitos? Só na internet! No ramo da “umbilinet” – ou seria “nenet”, ou “webebê” – os conteúdos são pagos, e cada vez mais caros. Infelizmente, hoje, muitas crianças parecem nascer sem cordão umbilical e também sem paz, amor, educação, moradia… Era melhor ter ficado na barriga da mamãe, não era, neném?
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Agudas
– “Não há nada pior do que não ter mãe sem ser órfão.” (Sofocleto)
– “Áspero mundo é esse
sobre o qual rolarás,
rolarás, nascituro.
Como cresce uma flor,
em teu âmago cresce
a pergunta: ‘A quem vim?’
Saberás, porventura?
Quiséramos dizer-te:
eis ali fica o pântano
das palavras, e além
o atalho que conduz
ao provisório eterno.
Não ousamos, porém.
(Como saber que caminhos
teus passos vão inventar?)” (Thiago de Melo)
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