

A Boca da Verdade (La Bocca Della Verità), em Roma: nesse oráculo medieval, acreditava-se que os mentirosos perdiam a mão.
Dia desses assisti ao filme O primeiro mentiroso (The Invention of Lying/2009), que se passa em um mundo em que as pessoas só falam a verdade, até que um homem desesperado inventa a mentira e passa a se dar bem – tornando-se, inclusive, uma espécie de profeta e lançando as bases das religiões, ao “mentir” sobre a vida após a morte e sobre a existência de Deus. Instigado pelo interessante argumento, fiquei pensando sobre a utilidade da mentira. Pulando à conclusão: mentir é imprescindível à vida, um mal necessário.
Acha que é mentira? Pois tente passar um dia inteiro sem contar uma mentirinha que seja, para si e para os outros, pensando e falando apenas verdades (o próprio conceito de verdade é discutível). É impossível. Vá falar para sua namorada toda a verdade, quando ela lhe perguntar se está bonita com aquele vestido rendado apertadíssimo (e incompatível com a forma física da moça): “Claro que não. Você está parecendo um saco de bolas de gude”. Se a ama de verdade, fique com a mentira: “Está linda, meu bem. Tão bonita que acho melhor a gente nem sair hoje, porque você vai atrair muitos olhares e eu vou ficar enciumado”.
É fato: todo ser humano mentiu, mente ou mentirá. Você nunca mentiu? Pois está mentindo! Pela internet, é possível encontrar diversas notícias de estudos a esse respeito, como um da Universidade de Viena, na Áustria, que afirma que uma pessoa normal mente até 200 vezes por dia. Já escrevia Machado de Assis, em Dom Casmurro: “(…) a mentira é muita vez tão involuntária como a respiração”.
E não são apenas as mentirinhas ditas “sociais” (aquelas que compõem o arsenal da boa vizinhança, que contamos para não ofender gratuitamente o próximo) que são fundamentais à vida. Há mentiras (ou falta de verdades) enormes que sustentam a vida como a conhecemos, que impedem o caos – nas praças e dentro de nós mesmos. Nas palavras do dramaturgo norueguês Ibsen: “Se você tira a mentira vital a um homem vulgar, tira-lhe ao mesmo tempo a felicidade”. Nós, homens vulgares, somos assim.
Já o gênio russo da literatura (que, como toda arte, não existiria sem a mentira) Dostoiévski, em seu Crime e Castigo, escreve: “A mentira é o único privilégio do homem sobre todos os outros animais. Mente, que vais acabar atingindo a verdade! É precisamente por ser homem que eu minto. Nem uma só verdade poderias alcançar se antes não mentisses quatorze vezes, e até cento e quatorze vezes, o que representa uma honra sui generis. (…) Mentir com graça, de uma maneira pessoal, é quase melhor que dizer a verdade igual a todo mundo; no primeiro caso, se é um homem, e, no segundo, não se é mais do que um papagaio!”*.
Enfim, a mentira nos faz humanos. Talvez não seja o ideal (não somos ideais), mas isso é aceitável – aliás, inevitável. O que é absolutamente reprovável é a mentira que prejudica o próximo, que fere os outros. O problema não é a mentira, mas os maus mentirosos (e mentirosos maus). Isso é verdade. Verdade?!
* DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo, Tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes. Porto Alegre: L&PM, 2007, p.224.
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Agudas
– Uma pesquisa britânica indicou que as mulheres contam, em média, três mentiras diariamente. Os homens, claro, são mais mentirosos: seis por dia. Minha explicação para a diferença: os homens não perguntam dez vezes por dia às companheiras se estão bem com determinada roupa ou penteado. Segundo a pesquisa, a mentira mais comum para ambos os sexos é: “não há nada de errado, estou bem”. É interessante notar como as mentiras que contamos dizem muito sobre nós. Entre as mentiras mais contadas pelos homens, estão: “esta será a saideira”; “o celular estava sem sinal”; “a bateria do celular acabou”; e a clássica “não, seu bumbum não parece enorme nessa roupa”. Já entre as mentiras mais contadas pelas mulheres, as conhecidas: “ah, isso não é novo, eu tenho há muito tempo”; “não foi tão caro”; “estava em promoção”; e a terrível “estou com dor-de-cabeça”.
– Para pensar: “Gosto da verdade. Acredito que a humanidade precisa dela; mas ela precisa ainda mais da mentira que a lisonjeia, a consola, lhe dá esperanças infinitas. Não fosse ela, e a humanidade pereceria de desespero e de tédio.” (Anatole France, em A Vida em Flor).
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