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Impeachment: reflexões sobre a votação na Câmara dos Deputados
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Só se fala sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ouso reconhecer que, embora o contexto não seja o melhor, a disciplina de Direito Financeiro tornou-se protagonista dos jornais e da boca do povo nos últimos meses.

O principal termo repetido à exaustão pela imprensa é “pedalada fiscal”. E o dilema por detrás desse termo é: a Presidente da República praticou “pedaladas fiscais” ou não. E a consequência é condenação por crime de responsabilidade ou não?

Rapidamente, conceituemos “pedalada fiscal”, para que evitemos equívocos argumentativos. Em 2014 e 2015, o governo federal enfrentou dificuldades de caixa. Entre as ações – ou omissões – que tomou, estão os atrasos de repasses aos bancos oficiais, os quais são responsáveis para executar políticas públicas como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, etc. O atraso foi extenso e deliberado, o que levou a um alívio contábil nas contas de 2014, mas às custas de um real e grave desequilíbrio fiscal. Há outras ações e omissões, que podem ser lidas em artigos de minha autoria aqui e aqui (o Prof. José Maurício Conti tratou aqui) e desde maio de 2015 eu alertava sobre o risco de acusação por crime de responsabilidade (clique aqui).

Do ponto de vista jurídico – e observando somente por ele –, inexistindo a justa causa para condenação por crime de responsabilidade não haverá o impeachment. A condição para o impedimento é, na visão da defesa, a subsunção do fato à norma jurídica, ou seja, deve a Presidente ser condenada pelo Senado Federal apenas com fundamento na norma jurídica. É, do ângulo do Direito, o correto a se fazer. Por outro lado, verificada a ilegalidade da “pedalada fiscal”, o caminho jurídico será o impeachment. Nesse caso, os fundamentos normativos são encontrados na Lei de Responsabilidade Fiscal (arts. 36 e 73, por exemplo) e na Lei 1.079/50 (art. 10, 6, por exemplo).

Nada obstante, e como expôs Paulo Brossard, “(…) o impeachment tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos – julgamento que não exclui, antes supõe, é óbvio, a adoção de critérios jurídicos.” (O Impeachment. Aspectos políticos da Responsabilidade Política do Presidente da República. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 75) Segundo o mesmo autor, crimes de responsabilidade da natureza que hoje debatemos são infrações políticas, relacionadas a ilícitos de natureza política, politicamente sancionadas” (p. 74). Inexiste relação direta entre o crime de responsabilidade e o crime comum. Este é punido com pena criminal (prisão, por exemplo) e aquele é punido com a perda do mandato.

O Supremo Tribunal Federal, no processo de impeachment do ex-Presidente Collor, manifestou-se sobre o tema. O então Ministro Carlos Velloso, que foi o Relator para o acórdão do Mandado de Segurança 21.564 (impetrado em face do Presidente da Câmara dos Deputados), votou no sentido de entender que no Senado a denúncia é recebida e o processo instaurado. Na Câmara, “ocorrerá, apenas, a admissibilidade da acusação, a partir da edição de um juízo político, em que a Câmara verificará se a acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis, ou se a notícia do fato reprovável tem razoável procedência, não sendo a acusação simplesmente fruto de quizílias ou desavenças políticas”.

Parece-me — e manifestei-me antes neste blog — que estão presentes os elementos necessários à admissibilidade da acusação, pois consistente do ponto de vista jurídico. Os argumentos do governo que defendem que “todos os governadores praticam atos que violam a Lei de Responsabilidade Fiscal”  não são cabíveis – aliás, todos os agentes políticos descumpridores da lei estão sujeitos à responsabilização. O Tribunal de Contas do Paraná, por exemplo, criticou Câmaras Municipais que não reprovam as contas dos Prefeitos após parecer pela reprovação (clique aqui). Portanto, é juridicamente consistente a admissibilidade da acusação na Câmara dos Deputados.

Compete à Câmara dos Deputados a autorização (art. 51, I, Constituição), antes da instauração pelo Senado Federal. A despeito de eu, professor de Direito Financeiro, entender pela existência de violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, e pela presença de razões suficientes à admissibilidade da denúncia – e suspeito que a maioria absoluta dos Deputados entenda assim –, a Câmara pode ter entendimento diverso. Pode adotar razões jurídicas (entender que não há, efetivamente, fundamentos) ou políticas (por argumentos e causas diversas, pessoais ou partidárias). E seu juízo será definitivo. Não compreendendo pela admissibilidade, arquiva-se o pedido. E os favoráveis ao impeachment deverão se resignar, buscando os consensos necessários para devolver o país aos trilhos.

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