Há diversas explicações possíveis para a decisão do Hamas de realizar o ataque coordenado contra Israel no fim de semana, misturando táticas militares com métodos terroristas, tendo como alvo tanto integrantes das forças de segurança de Israel quanto civis que foram assassinados ou sequestrados covardemente. O mais recente ataque do Hamas carrega, em primeiro lugar, a mesma justificativa central de todos os anteriores, em 2009, 2012, 2014, e 2021: a de ser uma "resposta" à ocupação israelense dos territórios palestinos. Por trás desse argumento oficial há o motivo verdadeiro, que remete à própria razão da existência do Hamas: a instalação de um estado palestino em todo o território onde hoje fica Israel, não apenas nos territórios palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza (esta controlada pelo Hamas). Ou seja, desde sua fundação, na década de 80, o grupo tem como objetivo a extinção do Estado de Israel, o que tem servido para justificar atrocidades como as cometidas nos últimos dias.
É falso atribuir o último ataque do Hamas a uma insatisfação ou impaciência com a falta de disposição ao diálogo por parte de Israel para uma paz duradoura por meio da solução de dois Estados, um judeu e um palestino, coexistindo lado a lado. Essa não é, como foi dito, a meta do Hamas. O que existe é a oportunidade política que o governo israelense de Benjamin Netanyahu deu ao aliar-se a elementos radicalmente antipalestinos e ao colocá-los em cargos relevantes dentro de sua administração, expandindo ocupações na Cisjordânia, por exemplo. Tudo isso serve de desculpa para o Hamas cometer seus mais recentes crimes.
Uma solução política, negociada, para a causa palestina não é do interesse do Hamas.
O momento também era propício, do ponto de vista do grupo palestino que mantém a população palestina da Faixa de Gaza sob um controle autoritário e violento, por permitir explorar a fragilidade política de Netanyahu, que vinha enfrentando uma forte oposição política interna por causa da sua tentativa de reformar o sistema judiciário com o objetivo de aumentar o próprio poder. Em um primeiro momento, o ataque do Hamas tende a produzir a união das diferentes correntes políticas do país na reação ao inimigo. Mas, no médio prazo, Netanyahu será cobrado pela incapacidade de prever e proteger a nação do ataque.
À parte as razões que sempre serviram ao Hamas para cometer seus atos de terrorismo, existe agora também uma motivação geopolítica. Nas últimas semanas, os movimentos de aproximação diplomática entre Israel e Arábia Saudita se intensificaram, com incentivo do governo dos Estados Unidos. Os dois países do Oriente Médio não possuem relações diplomáticas e os sauditas sequer reconhecem a soberania israelense. O que o governo americano busca é uma normalização da relação entre os dois países. Para os israelenses, a redução da animosidade com um dos principais países da região traz um importante ganho em termos existenciais e de segurança. Para os sauditas, o prêmio virá na forma de concessões na área militar por parte dos americanos, além de ser parte dos esforços de relações públicas da monarquia para suavizar sua imagem internacional, depois do assassinato e de prisões de opositores políticos.
Quem está pagando o preço dos cálculos geopolíticos do Hamas e do Irã são pessoas inocentes.
Para o Hamas, que sempre contou com o respaldo de países árabes para sua causa e para legitimar sua própria existência e suas ações, a normalização das relações entre seu inimigo, Israel, e um de seus amigos mais poderosos, os sauditas, seria um péssimo resultado. A aproximação entre Israel e Arábia Saudita também é ruim para o Irã, o principal financiador do Hamas. Irã e Israel são inimigos existenciais, a ponto de as autoridades em Teerã terem comemorado oficialmente o recente ataque do Hamas. E o Irã e a Arábia Saudita vivem uma disputa de hegemonia na região há décadas, apenas arrefecida recentemente com a intermediação da China. O Irã também é inimigo dos Estados Unidos, mediador das conversas entre israelenses e sauditas. Uma normalização dessa relação, portanto, fortaleceria Israel, Arábia Saudita e Estados Unidos. Tudo o que o Irã não quer.
Vale observar que uma das condições para a normalização das relações com Israel colocadas pelo regime saudita é justamente um avanço na solução da questão palestina, com uma sinalização de boa vontade para a retirada dos territórios ocupados, entre outros pontos.
Isso prova que uma solução política, negociada, para a causa palestina não é do interesse do Hamas. Ao provocar, com seus recentes atos de terror, uma reação militar dos israelenses contra a Faixa de Gaza, que certamente levará à morte não apenas de terroristas, mas também de civis palestinos, o Hamas tenta colocar uma barreira à aproximação entre Israel e Arábia Saudita. Isso porque, a depender da força com que Israel vai responder ao ataque do Hamas e das imagens de destruição e sofrimento de palestinos que isso vai gerar, ficará mais difícil para os sauditas avançarem, pelo menos por ora, nas conversas com os israelenses — entre outros motivos porque isso teria uma repercussão negativa na opinião pública saudita.
Uma pesquisa de opinião feita este ano na Arábia Saudita pelo Washington Institute, uma organização pró-Israel com base nos Estados Unidos, revelou que o apoio dos cidadãos do país a um acordo entre Israel e o regime saudita é baixíssimo, de apenas 20% dos entrevistados. Ainda que, segundo a mesma pesquisa, uma maioria dos sauditas considere que ataques do Hamas a Israel têm efeitos negativos para a região, no momento de escolher um lado não há dúvida de que este será contrário aos israelenses.
Como sempre, quem está pagando o preço dos cálculos geopolíticos do Hamas e do Irã, tentando minar movimentos em direção à coexistência pacífica de velhos adversários e à redução de tensões regionais, são pessoas inocentes tanto entre os israelenses quanto entre os palestinos. Aos líderes do Hamas não interessa a paz.
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