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Bolsonaro observa apoiadores em manifestação de 19 de abril de 2020.| Foto: EVARISTO SA / AFP

A nota conjunta dos comandantes das Forças Armadas, divulgada no último dia 11, motivou interpretações díspares de observadores do processo político brasileiro e de especialistas na caserna. Direcionada "às Instituições e ao Povo Brasileiro", a nota foi vista por uns como um recado duro ao Judiciário, mais precisamente ao ministro do STF Alexandre de Moraes, por decisões contrárias ao manifestantes que bloquearam estradas e estão nas portas de quartéis pedindo um golpe aos militares (reivindicação escamoteada sob a figura jurídica da "intervenção federal", que está na Constituição para outros fins, não para reverter resultados eleitorais); e por outros como um atestado da postura legalista dos atuais comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

É um pouco dos dois. Mas o mais relevante é que a nota enterra de vez qualquer esperança que alguns poderiam ter de que as Forças Armadas pudessem entrar em alguma aventura para desrespeitar o resultado das urnas e dar suporte ao presidente Jair Bolsonaro em um auto-golpe.

"A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito", afirma um dos trechos da nota, depois de exigir respeito ao direito da população de se manifestar. Ou seja, as pessoas que ficaram insatisfeitas com a vitória de Lula nas eleições podem até pedir aos militares que façam alguma coisa para impedir que o petista chegue ao poder, mas não vão conseguir nada com isso. Os comandantes das Forças Armadas não estão dispostos a atuar fora das suas atribuições constitucionais, primando pela "Legalidade, Legitimidade e Estabilidade" e transmitindo aos "subordinados serenidade".

Nas entrelinhas da nota fica claro que os chefes das Forças Armadas apreciam que a instituição seja vista por uma parcela da população (os manifestantes pró-Bolsonaro) como uma tábua de salvação para a pátria. Apreciam a deferência, mas param por aí. Entendem as consequências de promover uma ruptura institucional, da forma como é exigida pelos manifestantes.

Uma nota como essa é algo fora do comum para uma democracia. Nesse sistema político, os militares representam uma instituição de Estado, e apenas cumprem as determinações, dentro de suas atribuições constitucionais, que são dadas pelo Poder Executivo. Não é normal que os comandantes militares se posicionem em uma controvérsia política, como são, por exemplo, as decisões judiciais que censuram críticos do processo político ou que procuram coibir as manifestações de cunho golpista.

Um posicionamento desse tipo se tornou possível porque os militares ganharam, nos últimos anos, um protagonismo político que não tinham desde o fim da ditadura militar. Esse protagonismo foi resultado da tentativa de Jair Bolsonaro de cooptar as Forças Armadas para o seu projeto de poder.

O presidente começou a cooptação dando cargos aos fardados. No governo Bolsonaro, o número de militares em cargos civis, por indicação política, mais do que dobrou. Depois, começou uma estratégia de associação imediata entre o seu governo e as Forças Armadas, tentando borrar as linhas que separam a política da caserna. Um exemplo: ele chamava o Exército Brasileiro de "meu Exército" e ameaçava usá-lo para impedir governadores de impor medidas restritivas contra a pandemia.

O momento crítico, em que o Exército balançou, deixando a política contaminar suas fileiras em prol de um projeto político específico, foi quando seu comando deixou de punir o então ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por ter participado de um ato político em favor de Jair Bolsonaro. Pazuello, como general da ativa, havia violado um regramento disciplinar que proíbe esse tipo de participação. Mas o Exército deixou para lá.

Depois de episódios como esse, em que o comando do Exército sinalizou leniência com as tentativas de cooptação política por parte de Bolsonaro, a nota da semana passada pode ser até considerada positiva, servindo de alento para quem espera que as Forças Armadas voltem a serem respeitadas por suas atuações dentro das quatro linhas da Constituição, e não como um instrumento político — como ocorreu nas tentativas de Bolsonaro de usar os militares para atestar que houve fraude nas eleições deste ano.

É dessa forma, respeitando o resultado das urnas, recusando-se a atuar contra a vontade da maioria da população (ainda que por uma margem apertada, e gostando-se ou não do vitorioso) e atuando estritamente dentro das suas atribuições constitucionais, que as Forças Armadas irão recuperar a sua imagem arranhada junto ao povo.

Sim, há uma imagem a ser recuperada. Pesquisa PoderData realizada no ano passado mostrou que a proporção dos brasileiros que considerava a atuação das Forças Armadas ruim ou péssima havia aumentado de 18% para 29% em poucos meses. Pesquisa XP/Ipespe, por sua vez, mostrou que o nível de confiança dos brasileiros nos militares havia caído de 70% para 58%.

Bolsonaro fez mal às Forças Armadas, tentando transformá-las de instituição de Estado em instituição de governo. Mas fracassou.

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