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O presidente Lula com o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

No primeiro ano de seu terceiro mandato, o presidente Lula insistiu em antigas ambições internacionais, mas esbarrou em uma ordem mundial um tanto quanto diferente daquela que conhecia quando entregou o cargo para Dilma Rousseff, em 2011. A diplomacia lulista dos dois primeiros mandatos foi marcada pela intensificação das relações com os países do chamado "Sul Global", em uma tentativa de instituir o Brasil como um dos países líderes das nações emergentes, e pelo esforço de reformar o sistema internacional para diluir o protagonismo das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Havia uma crença, por parte daqueles que assessoravam Lula (e que agora, mais uma vez, desempenham o mesmo papel, aparentemente com as mesmas crenças) de que uma nova ordem multipolar estava sendo construída em substituição à bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética dos tempos da Guerra Fria.

Em 2023, a diplomacia lulista perseguiu objetivos muito parecidos com aqueles de uma dúzia de anos atrás. Retomou, por exemplo, com otimismo as articulações no âmbito do Brics, grupo de países emergentes que reunia, originalmente, apenas Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas que agora está em expansão, em parte pelos interesses de Rússia e China de fazer frente a outras instâncias multilaterais dominadas pelos Estados Unidos e seus aliados, em parte pelo desejo do Brasil de ampliar seus espaço de influência.

O efeito dessa expansão, porém, parece ser o contrário do pretendido pelo governo lulista: ela dilui o poder de voz do Brasil e realça a influência chinesa. Além disso, o foco no Brics encostou o Brasil ainda mais na desconfortável companhia da Rússia do ditador Vladimir Putin, invasor de nações soberanas. O entorno de Lula, no entanto, parece não se incomodar, a ponto de Celso Amorim, seu assessor para assuntos internacionais, considerar que a reunião de cúpula do G20 (o grupo dos 20 países mais ricos do mundo), prevista para ocorrer em 2024 no Rio, estaria "incompleta" sem a presença de Putin.

A diplomacia lulista pode começar focando mais nas oportunidades que as discussões sobre as mudanças climáticas trazem para o Brasil, e menos na superestimada capacidade do nosso presidente de mediar a paz em conflitos distantes

Amorim chegou a sugerir que seria preciso ver o que é "possível" fazer para que Putin não seja obrigado a faltar ao encontro. Realmente um desafio para a diplomacia lulista, considerando que Putin foi denunciado por crimes de guerra na Ucrânia e, por conta disso, o Brasil, como signatário do Estatuto de Roma, é obrigado a prendê-lo e entregá-lo ao Tribunal Penal Internacional.

Em 2023, Lula também repetiu o discurso da necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU (a diplomacia lulista pleiteia uma cadeira permanente para o Brasil) e bateu na tecla de que temos, na atualidade, um mundo multipolar, com vários polos de poder (sendo o Brasil um deles). Na retórica, é algo semelhante ao que garganteiam russos e chineses, mas a realidade é bem diferente. A ordem global cada vez mais consolidada é de um mundo bipolar, com dois polos de poder: os Estados Unidos, de um lado, e a China, de outro.

Seria bem mais eficiente do ponto de vista da defesa dos interesses nacionais do Brasil reconhecer esse cenário e usar nossas capacidades como potência média para ser cortejado tanto pelos Estados Unidos quanto pela China em sua disputa por hegemonia na América Latina. Algo semelhante à equidistância pragmática adotada pela diplomacia brasileira em outros momentos da nossa história. Mas, de forma alguma, devemos incorrer no erro de nos alinharmos politicamente ao polo autocrático dessa nova ordem — no caso, o polo chinês.

Ainda há tempo de corrigir esse rumo. A diplomacia lulista pode começar focando mais nas oportunidades que as discussões sobre as mudanças climáticas trazem para o Brasil, e menos na superestimada capacidade do nosso presidente de mediar a paz em conflitos distantes de nossas fronteiras, como na Ucrânia e em Israel.

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