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Aloizio Mercadante, indicado por Lula para presidir o BNDES| Foto: Fabián Mattiazzi/EFE

Lula indicou Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES com a promessa de dar ao banco de desenvolvimento um novo protagonismo como fomentador do crescimento econômico. À parte o contorcionismo na interpretação da Lei das Estatais que permitirá ao conselho de administração aprovar a posse de Mercadante, com o aval do Tribunal de Contas da União (TCU), há outros problemas na nomeação do petista, conhecido por suas ideais heterodoxas em economia, e uma delas é o retorno da era dos grandes financiamentos externos de obras de infraestrutura pelo BNDES.

Candidatos a receber o dinheiro brasileiro já começaram a aparecer mesmo antes de Lula assumir a presidência. Xiomara Castro, presidente de Honduras, na América Central, tratou logo de afirmar que quer recursos do BNDES para construir duas represas em seu país.

Graças à relação privilegiada que as empreiteiras brasileiras tinham com o governo chavista, a Venezuela se tornou a maior fonte do propinoduto internacional dessas empresas.

A Argentina também está de olho, tanto que chegou a anunciar no mês passado, quando o presidente brasileiro ainda era Jair Bolsonaro, que o banco financiaria a construção de um gasoduto em seu território até a fronteira com o Brasil, no Rio Grande do Sul. O BNDES negou qualquer acordo nesse sentido, mas o assunto deve fazer parte das conversas que Alberto Fernández, presidente da Argentina, terá nesta segunda-feira (23) com Lula em visita do brasileiro ao seu país. Aliás, consta que Mercadante pretendia integrar a comitiva presidencial, mas mudou de ideia para não despertar críticas por ainda não ter sido empossado no comando do BNDES.

Entre 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, até 2016, o último ano do governo Dilma Rousseff (o inclui obviamente os oito anos dos dois primeiros mandatos de Lula), o BNDES financiou cerca de 10 bilhões de dólares em obras de engenharia civil em outros países. Em 2013, no governo Dilma, os desembolsos do BNDES para exportações de serviços (entre os quais se incluem as obras de engenharia) para a Venezuela chegaram a representar 12% do total de exportações do Brasil para o país vizinho.

Alguns dos países contemplados não pagaram tudo o que devem. Entre os caloteiros estão a Venezuela, Moçambique e Cuba. Coisa de 1 bilhão de dólares em atraso, no total, e outros quase 600 milhões de dólares por vencer.

A nova gestão do BNDES, sob Mercadante, pretende retomar os financiamentos externos de obras de construção civil, mas sob novas regras. Quais regras são essas, exatamente, ainda não se sabe.

Alguns economistas defendem o sistema de financiamentos externos de obras, chamado de "política de internacionalização" de empreiteiras, pois serve para abrir mercado para empresas brasileiras (o que gera empregos também dentro do Brasil), para aumentar o valor agregado da pauta de exportação, para equilibrar a balança comercial e para estabilizar o câmbio. Além disso, os financiamentos externos na América do Sul serviriam para alavancar a integração regional por meio de melhorias na infraestrutura que conecta os países.

Durante a campanha presidencial, Lula defendeu o modelo em entrevista ao apresentador Ratinho da seguinte forma: “Quando você está financiando uma obra, você exporta sua engenharia. Quem começou a fazer o metrô de Caracas foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. Então, primeiro, quando o BNDES empresta dinheiro, é obrigado a contratar uma empresa brasileira. Segundo, os componentes são comprados do Brasil. Então, o que você está fazendo é estar exportando, além de receber o dinheiro de volta.”

Em teoria, está correto. Em 2017, os pesquisadores Bruno Araújo e João Alberto de Negri, do Ipea, compararam as operações do BNDES ao longo de dez anos, tanto em financiamentos externos quanto internos, com aquelas praticadas por bancos de desenvolvimento de outros países e concluíram que a expansão dessas operações estava em linha com a tendência internacional.

Sem dúvida, os maiores prejudicados nessa história toda acabaram sendo os depauperados cidadãos venezuelanos.

O problema, segundo os pesquisadores, era o custo fiscal dessa expansão, que no Brasil foi bancada por fortes subsídios, chegando a quase 30 bilhões de dólares entre 2006 e 2015 (lembrando que a conta inclui também os financiamentos concedidos dentro do Brasil).

O outro grande problema verificado na prática dos financiamentos externos para obras de engenharia, cuja dimensão só se veio a conhecer melhor com o avanço das investigações da Operação Lava Jato, foi o fato de que o mecanismo beneficiou um pequeno grupo de empresas que se locupletou com os recursos do BNDES e montou um dos maiores esquemas de corrupção já desvendados.

Isso foi possível em parte porque os financiamentos externos estavam concentrados nas mãos de poucas construtoras. Das obras financiadas pelo BNDES na América do Sul, por exemplo, 64,2% eram da Odebrecht e 24,6% da Andrade Gutierrez. E a Venezuela era, proporcionalmente, a maior beneficiada.

Entre 2000 e 2015, a Venezuela foi o país sul-americano que mais recebeu financiamentos externos do BNDES para obras de infraestrutura, com 2,4 bilhões de dólares, mais até do que o maior parceiro comercial do Brasil, a Argentina, que teve 2 bilhões de dólares financiados no período.

Graças à relação privilegiada que as empreiteiras brasileiras tinham com o governo chavista, a Venezuela se tornou a maior fonte do propinoduto internacional dessas empresas. Um relatório do governo americano de 2016 calculou que só a Odebrecht pagou 788 milhões de dólares em propinas em doze países. Dois quintos desse montante vinha de serviços fictícios na Venezuela pelos quais o governo local aceitava pagar.

Sem dúvida, os maiores prejudicados nessa história toda acabaram sendo os depauperados cidadãos venezuelanos, que ainda por cima financiaram involuntariamente boa parte da maracutaia que as empreiteiras organizaram, com a conivência do PT, para além das fronteiras brasileiras.

Outro dos argumentos normalmente utilizados para defender a internacionalização das empreiteiras brasileiras, o de que isso ajudava na integração regional, também cai por terra quando se analisa mais de perto quais obras foram financiadas na América do Sul.

A pesquisadora Bárbara Carvalho Neves, da Unesp, demonstrou em estudo realizado em 2020 que a maior parte dos financiamentos externos do BNDES para serviços de engenharia foram para obras de interesse interno dos países, não para os projetos de integração física entre os países da região. Aliás, no caso da Venezuela, nenhuma das obras financiadas pelo BNDES fazia parte da carteira de projetos de integração regional.

A nova gestão do BNDES, sob Mercadante, pretende retomar os financiamentos externos de obras de construção civil, mas sob novas regras. Quais regras são essas, exatamente, ainda não se sabe. Será que vão apenas mudar o nome das (poucas) empresas beneficiadas e, de resto, tudo será como antes, com o resultado desastroso que conhecemos?

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