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O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o premiê indiano, Narendra Modi| Foto: Divulgação

A viagem do presidente Lula ao Japão para participar, como convidado, da cúpula do G7 (grupo que reúne sete das maiores economias do mundo) comprovou que o Brasil não tem as condições necessárias para liderar a mediação de negociações pelo fim da Guerra na Ucrânia e que as ambições do governo petista nesse sentido são um tiro no pé. O próprio Lula, em entrevista coletiva concedida no Japão nesta segunda-feira (22), admitiu que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky lhe deu o bolo e não compareceu a uma reunião bilateral marcada para 15h15 em Hiroshima. "Fiquei chateado", disse Lula, passando recibo da humilhação sofrida.

Antes da chegada de Zelensky ao Japão, havia disposição da Ucrânia para um encontro com o presidente brasileiro. Aliás, a iniciativa para que isso ocorresse partiu do próprio governo ucraniano, que fez a solicitação ainda na sexta-feira (19) para que se abrisse um espaço na agenda do brasileiro para uma reunião.

Os recentes fatos no G7 mostram que o Brasil é cada vez mais uma carta fora do baralho.

Algo azedou o interesse ucraniano nos dias seguintes, no entanto. No sábado, Lula e Zelensky estiveram frente a frente em uma reunião de trabalho sobre paz entre os líderes reunidos na cúpula. Lula foi um dos poucos chefes de governo presentes na sala que não se levantaram quando Zelensky entrou na sala. Ele estava com a cabeça baixa, concentrado na leitura do discurso que faria em seguida.

O discurso em si, lido diante de Zelensky, que durante a reunião estava sentado de frente para o brasileiro, do outro lado da mesa em U, foi em geral moderado, com algumas críticas à atuação das potências na resolução de conflitos e com um apelo para a paz. Lula afirmou repudiar "veementemente o uso da força como meio de resolver disputas", o que pode ser lido não apenas como um recado para a Rússia, mas também para os Estados Unidos e para as potências europeias que têm apoiado os esforços militares dos ucranianos para resistir às investidas russas. O texto lido por Lula também condenou a "violação da soberania" da Ucrânia, em contraste com declarações anteriores feitas por ele de improviso, durante viagem à China e aos Emirados Árabes, em que equiparou as responsabilidades de Rússia e Ucrânia na guerra.

No lugar das reiteradas gafes de Lula a respeito da guerra, Modi conversou com Zelensky ao telefone diversas vezes nos últimos meses.

No dia seguinte, no domingo, a diplomacia brasileira afirmou ter oferecido diversas opções de horário para um encontro entre Lula e Zelensky. Inicialmente, os assessores do ucraniano pediram para realizar a conversa no fim da tarde. Depois pediram duas vezes para antecipar o horário da reunião, que teria que ocorrer no hotel de Lula para que ele tivesse tempo de atender aos outros compromissos. Os brasileiros afirmam ter conseguido um encaixe para acomodar a agenda de Zelensky, mas o ucraniano não apareceu na hora marcada e seus assessores sequer avisaram que ele não poderia comparecer. A dificuldade estaria relacionada a questões de segurança para o ucraniano, que o hotel de Lula não poderia oferecer.

O fato é que Lula, que tanto esforço tem feito para se apresentar como um mediador do conflito na Ucrânia, tomou um chá de cadeira do representante de uma das principais partes da guerra. Zelensky não se encontrou com Lula, mas se reuniu com o primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia — com quem a diplomacia ucraniana também havia solicitado um encontro antes do início da cúpula do G7. Os ucranianos queriam ter a oportunidade de sensibilizar Lula e Modi para a posição de Zelensky na guerra, pois tanto a Índia quanto o Brasil têm buscado neutralidade na disputa ao mesmo tempo em que não aceitam abdicar de seus interesses nas relações com a Rússia.

Lula, que tanto esforço tem feito para se apresentar como um mediador do conflito na Ucrânia, tomou um chá de cadeira.

Na ONU, aliás, a posição do Brasil é até mais favorável à Ucrânia do que a da Índia. O Brasil votou a favor da resolução que repudiou a invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em fevereiro do ano passado. A Índia se absteve.

E os interesses da Índia nas relações com a Rússia são até maiores do que aqueles que existem entre Brasília e Moscou. A Rússia é a maior fornecedora de equipamentos militares para a Índia, que depende dessa parceria para se manter forte diante de seus próprios desafios de segurança regional (principalmente diante das tensões com o Paquistão e com a China). Ainda assim, a Índia vem sendo levada mais a sério na comunidade internacional como uma interlocutora possível para futuras negociações envolvendo a Ucrânia do que o Brasil.

A diplomacia lulista tem dado passos na direção de uma alinhamento com a China em oposição aos interesses americanos.

A primeira razão para isso é que a estratégia de equidistância da Índia em relação à Rússia e aos Estados Unidos já é algo bem estabelecido na tradição diplomática indiana recente. O país consegue manter a parceria com a Rússia, ao mesmo tempo em que sustenta uma cooperação estratégica com os Estados Unidos, especialmente no que se refere a fazer frente à expansão regional e global da China.

A diplomacia lulista, por outro lado, tem revelado dificuldade em demonstrar a mesma equidistância. Ou, o que é pior, tem dado passos na direção de uma alinhamento com a China em oposição aos interesses americanos, como nas recentes declarações sobre reduzir a dependência do dólar nas transações comerciais internacionais. A Índia, ao contrário, não se permite ver em um alinhamento automático com a China, apesar de compor o Brics, ao lado de China, Brasil, Rússia e África do Sul.

Dificilmente será possível avançar um milímetro sequer na busca pela paz na Ucrânia sem o protagonismo da China. Mas o alinhamento com os interesses do país de Xi Jinping nem de longe é o melhor caminho para se obter o engajamento chinês nas negociações.

O segundo motivo para a Índia ter superado o Brasil como interlocutor para a criação de uma disposição para o diálogo de paz é o fato de Modi ser mais preparado e mais cuidadoso com as palavras do que Lula. No lugar das reiteradas gafes de Lula a respeito da guerra, Modi conversou com Zelensky ao telefone diversas vezes nos últimos meses para falar sobre a situação no país. No encontro deste domingo com Zelensky, Modi manifestou empatia pelo sofrimento do povo ucraniano na guerra e afirmou que fará o que estiver ao seu alcance pessoal para avançar com a paz.

Restou a Lula tirar uma casquinha do relativo protagonismo assumido por Modi na questão ucraniana durante o G7. Em encontro com o indiano, o brasileiro disse que estabeleceu com ele uma "pareceria estratégica" para tratar da paz na Ucrânia.

A Guerra na Ucrânia é um imbróglio muito difícil de se resolver e é claro que mesmo a capacidade diplomática da Índia de avançar nesse sentido é questionada por especialistas e, principalmente, nos bastidores, por autoridades das potências ocidentais. Certo é que, nesse quesito, os recentes fatos no G7 mostram que o Brasil é cada vez mais uma carta fora do baralho.

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