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Bukele
O presidente de Nayib Bukele, de El Salvador| Foto: EFE/ Rodrigo Sura

Nenhuma ditadura é boa, seja de esquerda, seja de direita. A América Latina já conheceu várias delas, dos dois tipos, e comprova a necessidade de repetir esse mantra à exaustão. De tempos em tempos, cidadãos da região caem na tentação de dar apoio a líderes com aspirações autoritárias, em troca da promessa de que possam resolver alguns dos problemas graves que assolam seus países.

Que o digam os venezuelanos, que tinham uma democracia estável mas com um histórico de presidentes ineptos e corruptos. Diante disso, puniram a velha elite política dando uma vitória eleitoral para um coronel golpista, Hugo Chávez, que teve a sorte de desfrutar de um longo período de alta no preço do barril do petróleo, produto em abundância no país. Surfando nos petrodólares, apesar da incompetência administrativa do seu governo, Chávez conquistou apoio popular e aos poucos foi corroendo as instituições democráticas para colocar de pé uma ditadura de esquerda. Deu no que está aí: deixou de herança uma economia destruída, uma população depauperada e um ditador inepto, Nicolás Maduro, que obviamente não aceita deixar o cargo pela via eleitoral — a outra opção, destituí-lo por meio da mobilização popular, resultou em tragédia repetidas vezes e apenas enfraqueceu a oposição e justificou o endurecimento da repressão política.

Bukele está aproveitando a popularidade conferida pelo combate ao crime para mudar as regras do jogo democrático para se perpetuar no poder.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, é o novo exemplo da tentação autoritária na América Latina. Outros líderes da região, como o presidente do Equador, se veem incentivados a repetir seu estilo e suas políticas. Sua marca registrada é o combate implacável às gangues criminosas de seu país, que atormentavam a população e espantavam investimentos. A ordem dada às forças de seguranças é para prender qualquer suspeito de ligação com as gangues ou de cometer atos criminosos, sem dar muita atenção para a necessidade de coletar provas, montar um inquérito decente e dar chance de defesa. Na verdade, nem se pensa em julgamento, por enquanto. E quando ocorrer, deverá ser em massa: vários réus de uma vez diante do juiz.

Mais de 8% da população masculina jovem do país está, hoje, atrás das grades. O impacto nos índices de criminalidade é inegável. As estimativas variam, mas uma delas aponta que a taxa de homicídios caiu de cerca de 50 para 3 por 100.000 habitantes. É estatística de primeiro mundo (a do Brasil está em cerca de 20 por 100.000). Como consequência, a emigração para os Estados Unidos caiu drasticamente. Antes, os salvadorenhos fugiam não apenas da pobreza, mas principalmente da brutalidade das gangues (ou do risco de que seus filhos fossem cooptados por elas).

Um dos problemas da solução encontrada por Bukele para combater a bandidagem é que ela pode se tornar uma bomba-relógio. Mesmo com a construção de novas unidades, os presídios estão abarrotados. Muita gente inocente foi presa em meio à massa de criminosos, o que é inevitável em um sistema que não segue o devido processo legal e em que basta uma denúncia anônima baseada em descrições físicas para levar uma pessoa para a cadeia — e deixá-la lá.

O outro problema, mais estrutural, é que Bukele está aproveitando a popularidade conferida pelo combate ao crime para mudar as regras do jogo democrático para se perpetuar no poder. Ele concorreu à reeleição mesmo isso sendo vedado pela constituição do país, valendo-se de artifícios judiciais para interpretá-la de uma maneira que o favorece. Tudo indica que ele ganhou a disputa com folga sobre seus adversários.

A exemplo do que aconteceu com Chávez, é dado como certo que o próximo passo de Bukele é usar o segundo mandato para aumentar ainda mais o controle sobre as instituições do Estado para se perpetuar no poder e centralizá-lo em suas mãos.

Pode parecer, em um primeiro momento, que se trata de uma boa barganha: Bukele torna as ruas da pequena El Salvador, cuja população é menor do que a do Rio de Janeiro, mais seguras e, em troca, a população lhe entrega as chaves do poder a perder de vista. O risco, para dizer o mínimo, é que, a partir do momento em que ele não estiver mais cumprindo com sua parte nesse pacto imaginário, as condições necessárias para tirá-lo da cadeira presidencial não existirão mais.

Ceder à tentação autoritária é fácil. Difícil é reverter suas consequências depois.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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