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Diogo Schelp

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Internacional

Como Trump e Biden invertem a lógica econômica que diferencia esquerda e direita

Trump e Biden
No protocolar encontro pós-eleição, Trump e Biden trocaram um aperto de mãos para as câmeras e o democrata disse ao republicano: “Bem-vindo de volta” (Foto: EFE/EPA/AL DRAGO/POOL)

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Um lugar-comum usado para explicar a diferença entre direita e esquerda no campo da economia é o de que os representantes da primeira, quando chegam ao poder, arrumam a casa, fazendo as reformas e os ajustes mais duros, apenas para que os integrantes da segunda assumam em seguida para desfrutar da recuperação econômica e se jogar na gastança, obrigando a volta da direita para consertar tudo de novo. Ou, em outras palavras, a direita economiza, a esquerda gasta, a bonança acaba, a direita retorna. Pode até ser uma simplificação grosseira da realidade, mas é uma forma de sintetizar a defesa da direita pela redução do papel do Estado da economia, em oposição à maximização estatal por parte da esquerda. Mas não é sempre assim, e Trump e Biden estão provando isso mais uma vez.

O republicano Donald Trump assume nesta segunda-feira (20) um segundo mandato presidencial não-consecutivo nos Estados Unidos. Ele herda do democrata Joe Biden, que não conseguiu eleger sua sucessora, uma economia aquecida, com pleno emprego e inflação controlada. Sim, o PIB americano cresceu 5,8% no primeiro ano da gestão Biden, em 2021, 1,9% em 2022 e 2,3% em 2023, uma sequência com indicadores bem mais altos do que os analistas previam. A taxa de desemprego está abaixo de 4%, a menor em mais de meio século. E a inflação anualizada está dentro da meta, fechando em 3,9% em 2024.

O que se pode esperar da política econômica de Trump, porém, vai em parte na contramão do que se imagina de um governo de direita. O republicano promete elevar tarifas de importação — principalmente para a China, mas também para o Brasil e outros países. Protecionismo comercial sempre foi uma característica de governos de 'esquerda' nos EUA

O caminho para chegar a esses números foi sofrido. Joe Biden herdou da primeira gestão Trump uma situação econômica frágil, preocupante — muito em função dos efeitos recessivos da pandemia, é verdade, cujo auge se deu no último ano do governo do republicano. Fato é que a economia americana se recuperou bem daquele baque, quando se avalia o ciclo presidencial de quatro anos. Mas, como era natural, isso não aconteceu de uma hora para outra, e as perdas no padrão de vida dos americanos demoraram para serem recompostas. Afinal, se hoje a inflação está controlada, ainda se sente o efeito da inflação de 7%, registrada em 2021, na renda média da população.

Biden entrega para Trump uma economia em ordem, pronta para decolar, mas a percepção dos americanos é que suas vidas pioraram sob o democrata. Ele começou seu mandato com uma aprovação de 53,4% e agora tem apenas 37,1%. Outros fatores, é verdade, impactam sua popularidade, pois nem só de economia se faz a satisfação de um povo. Trump conseguiu vender esperança aos americanos, mais do que seus adversários.

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O que se pode esperar da política econômica de Trump, porém, vai em parte na contramão do que se imagina de um governo de direita. O republicano promete elevar tarifas de importação — principalmente para a China, mas também para o Brasil e outros países. Protecionismo comercial sempre foi uma característica de governos de "esquerda" nos Estados Unidos (no Brasil, a história é mais complexa: a ditadura militar teve seu viés protecionista também). Agora, quem pretende seguir nessa toada é Trump.

Na política fiscal, tampouco se vislumbra um programa de direita clássica na gestão Trump que se inicia. Ele promete reduzir impostos e derrubar regulações que amarram os negócios — como qualquer bom político de direita faria —, mas não anunciou cortes de gastos para compensar a perda de arrecadação. Trump diz que a diferença vai ser paga com as taxas de importação mais altas, mas a conta não fecha. Além disso, as tarifas elevadas tendem a derrubar as importações, reduzindo, portanto, a arrecadação com elas. Para completar, a política protecionista tende a gerar inflação, o que deve elevar o custo de vida dos americanos, e juros mais altos, o que prejudica os investimentos nos negócios. Nesses aspectos, mais parece coisa de esquerdista.

Nos Estados Unidos, portanto, sai um presidente de "esquerda" que arrumou a casa na economia, apesar dos muitos outros problemas de sua gestão, e entra um presidente de direita com planos protecionistas e ideias heterodoxas do ponto de vista fiscal. Com Trump e Biden, a lógica dos clichês que diferenciam esquerda e direita se inverte ou se mistura.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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