
Ouça este conteúdo
Imagine se a sua casa tivesse paredes de vidro, deixando cada detalhe da sua vida exposto. É exatamente assim que funciona a internet. A cada minuto, 41,6 milhões de mensagens são trocadas no WhatsApp, 6,3 milhões de buscas são feitas no Google e mais de 30 ataques cibernéticos acontecem (Data Never Sleeps, 2023). No Brasil, 95% dos jovens entre 9 e 17 anos já estão online (TIC Kids, 2023), passando em média quatro horas por dia em plataformas como Instagram e TikTok (ChildFund Brasil, 2025). Esse cenário traz sérios riscos: só entre 2022 e 2025, a Polícia Federal realizou 2.233 operações contra crimes online de abuso sexual infantojuvenil, com 113 vítimas resgatadas apenas no último ano. Além disso, 54% das crianças e adolescentes afirmam já ter sofrido violência sexual no ambiente virtual, o que representa cerca de 9,2 milhões de pessoas no país.
O problema não para aí. A desinformação circula 80% mais rápido que as notícias verdadeiras (MIT), enquanto grande parte da população brasileira ainda tem dificuldade em diferenciar fatos de boatos (INAF). Pesquisadores como Daniel Desmurget também alertam que o excesso de tempo de tela afeta o desenvolvimento cognitivo e emocional. Diante disso, pensar em segurança digital deixou de ser uma opção: é uma necessidade urgente para proteger crianças e adolescentes no mundo digital.
Por que a segurança digital importa tanto?
A internet não esquece. Cada foto publicada, comentário feito ou vídeo assistido deixa marcas que formam a chamada pegada digital. É como uma trilha na areia da praia: cada passo deixa um rastro, e mesmo que a onda apague depois, alguém pode ter registrado antes. Na prática, isso significa que aquilo que postamos ou pesquisamos pode ser recuperado, analisado e até usado por empresas ou pessoas mal-intencionadas, mesmo anos depois. A pegada digital, portanto, constrói nossa identidade online e pode gerar consequências sérias quando envolve exposição excessiva ou informações pessoais sensíveis.
Outro conceito essencial são os cookies (e não estou falando do biscoitinho ). Eles funcionam como pequenos “espiões” que observam o comportamento online de cada usuário. Ao aceitar cookies em sites e aplicativos, muitas vezes sem perceber, permitimos que dados sobre cliques, buscas e preferências sejam
armazenados para criar perfis detalhados de consumo e direcionar anúncios personalizados. Embora em alguns casos possam facilitar a navegação, os cookies também escancaram nossa privacidade, tornando urgente ensinar crianças e adolescentes a questionarem o que compartilham e a refletirem sempre: “vale a pena deixar essa pegada digital?”.
Como conversar sobre privacidade com crianças e adolescentes
Muitos pais e responsáveis têm receio de conversar com os mais jovens — principalmente os adolescentes — sobre privacidade online, com medo de parecer que estão invadindo o espaço deles. Mas é justamente o contrário: abrir esse diálogo fortalece a confiança e ajuda a prevenir riscos sérios no ambiente digital.
Especialistas como o psicólogo Jonathan Haidt defendem que o ideal é que as crianças não tenham acesso a redes sociais até os 16 anos. Isso porque, a partir do momento em que elas se conectam, fica mais difícil acompanhar de perto o que consomem, com quem interagem ou ao que estão expostas. No entanto, sabemos que essa não é a realidade da maioria das famílias — e muitos educadores já se deparam diariamente com estudantes que estão imersos no mundo digital. Diante disso, o que fazer?
Com as crianças pequenas:
· Estabeleça combinados claros e constantes. Por exemplo: não postar nada sem antes mostrar para um adulto de confiança.
· Explique, em linguagem simples, que certas informações nunca devem ser expostas: endereço, rotina da família ou localizações em tempo real.
· Use dinâmicas práticas: peça que façam uma lista do que é “segredo de família” ou mostre exemplos fictícios de postagens seguras e arriscadas para que aprendam a diferenciar.
Com os adolescentes:
· Troque a postura de controle pela de parceria. Ao invés de impor, faça perguntas: “essa postagem pode me trazer problemas depois?”, “estou respeitando a privacidade dos outros?”.
· Incentive a reflexão crítica: mostre notícias sobre casos reais de vazamentos de dados, cyberbullying ou exposição indevida e discuta juntos as consequências.
· Dê autonomia, mas mantenha o canal de confiança aberto. Reforce: “se acontecer algo que te assuste ou te deixe desconfortável, pode me procurar sem medo de julgamento”.
· Combine momentos de uso consciente: pode ser deixar o celular fora do quarto na hora de dormir ou reservar momentos em família sem telas.
O acróstico da SEGURANÇA: um guia prático
Para não se perder no mar de informações sobre segurança digital, vale memorizar uma palavra-chave: SEGURANÇA. Cada letra representa uma atitude simples e essencial para manter a proteção online — e pode ser trabalhada tanto em casa quanto na sala de aula.
· S – Senhas fortes: nada de “123456” ou datas de aniversário. Crie combinações com letras maiúsculas, minúsculas, números e símbolos.
· E – Evite links suspeitos: promoções milagrosas ou links desconhecidos geralmente escondem golpes.
· G – Guarde sua privacidade: pense duas vezes antes de expor fotos, rotina ou dados pessoais.
· U – Use verificação em duas etapas: é como colocar um cadeado extra nas suas contas online.
· R – Redes Wi-Fi públicas pedem cuidado: evite acessar contas bancárias ou digitar senhas em conexões abertas.
· A – Adicione apenas quem você conhece: tanto em jogos quanto nas redes sociais.
· N – Nunca compartilhe senhas: a única exceção é entre filhos e responsáveis, em caso de necessidade.
· Ç – Cuidado com QR Codes: nem todo código é confiável, alguns também podem esconder golpes.
· A – Apoie denunciando: perfis falsos, páginas enganosas ou conteúdos violentos devem ser reportados para proteger toda a comunidade.
Dica prática: escreva a palavra SEGURANÇA em um cartaz ou na lousa e peça para as crianças explicarem, com suas próprias palavras, o que cada letra significa. Além de fixar o conteúdo, essa atividade gera reflexão e engajamento.
Material gratuito para famílias e escolas
Se você quer se aprofundar mais nesse tema, o Instituto GRPCOM produziu a Cartilha de Prevenção Online para Famílias, disponível de forma gratuita. O material reúne orientações práticas, exemplos simples e dicas eficazes para apoiar pais, responsáveis e educadores na missão de proteger crianças e adolescentes no ambiente digital. Acesse aqui: Cartilha de Prevenção Online para Famílias
Vivemos em um mundo onde estar conectado é inevitável, mas estar desprotegido não precisa ser. A segurança digital começa em pequenas atitudes: conversar sobre privacidade, refletir antes de postar e transformar a proteção online em um hábito coletivo, não apenas individual.
Educar crianças e adolescentes para uma relação saudável com a tecnologia é um desafio, mas também uma oportunidade de formar cidadãos mais críticos, conscientes e responsáveis no ambiente digital. Afinal, cada clique deixa uma marca — e cabe a nós garantir que essa pegada digital seja segura e positiva.




