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O celular e a infância digital: o que estamos fazendo com essa geração?
Há algum tempo, venho me preocupando com a forma como crianças, adolescentes – e nós, adultos também – estamos lidando com o celular.
Os casos de desafios perigosos que incentivam comportamentos violentos ou autodestrutivos só aumentam. As situações de indisciplina e violência nas escolas estão cada vez mais frequentes. Os índices de leitura diminuem a cada ano.
E, por trás de tudo isso, há uma questão que grita: a dificuldade de concentração. Muitos jovens simplesmente não conseguem parar para ler um texto, ouvir alguém com atenção ou ficar em silêncio consigo mesmos.
Essa preocupação é tão séria que precisou virar lei: agora, o uso do celular nas escolas está restrito. Mas veja bem, não se trata de demonizar a tecnologia – a própria lei prevê o uso pedagógico e crítico desses recursos, algo que já deveria estar acontecendo naturalmente.
Mas não estou aqui para falar só do papel da escola ou dos professores. Essa missão não é só deles. É de todos nós: pais, mães, tios, tias, avós, cuidadores, qualquer pessoa que convive com crianças e jovens.
Eles não são “nativos digitais”, mas inocentes digitais
Muita gente me diz frases como “essa geração está perdida” ou “os jovens de hoje são complicados”. Mas será mesmo? Antes de rotular, eu te convido a refletir: em qual mundo essas crianças e jovens estão vivendo?
Eles nasceram em uma era em que tudo acontece em velocidade máxima. Antes, pesquisávamos em enciclopédias. Depois, passamos para o Google. Agora, em poucos segundos, a inteligência artificial já entrega qualquer resposta.
As redes sociais, que no início eram espaços de conexão e troca, hoje são feeds infinitos que priorizam vídeos curtos, rápidos e extremamente objetivos. O problema não é a existência desse tipo de conteúdo – ele faz parte do mundo atual.
O verdadeiro problema é que as crianças têm acesso quase exclusivo a esse tipo de estímulo e, pior, sem receber a orientação necessária para lidar com ele de forma saudável.
O mundo digital virou um universo paralelo! E, com toda a certeza, deixar uma criança sozinha nele é como deixá-la em uma praça pública abandonada, no meio da noite, cercada de perigos. Você faria isso? É algo impensável, não é?
Mas, muitas vezes, na correria do dia a dia, sem nem perceber, acabamos entregando o celular e confiando que elas saberão lidar sozinhas com esse ambiente tão complexo.
Costumamos dizer que essa geração é de “nativos digitais”, mas, na verdade, eles são inocentes digitais. Apesar de terem nascido cercados pela tecnologia, ainda estão aprendendo sobre a vida, sobre limites, sobre o que é seguro ou não.
Eles não têm maturidade para compreender todas as armadilhas desse universo. E é justamente por isso que precisam de orientação, acompanhamento e exemplos concretos de uso saudável das mídias.
O que é brainrot e por que está viralizando?
Foi pesquisando sobre tudo isso que me deparei com um termo que ganhou força recentemente: brainrot. Ele não é novo – inclusive, foi escolhido como “Palavra do Ano” pelo Dicionário Oxford em 2024. Mas, nos últimos meses, voltou aos holofotes.
Mas afinal, o que é brainrot?
De forma simples, é quando o cérebro é “bombardeado” por conteúdos rasos, rápidos e repetitivos, até ficar entorpecido. É como um apodrecimento mental, em que você consome sem pensar, deslizando o dedo em um scroll infinito, sem absorver nada. É a antítese da atenção e da reflexão.
Como os memes de IA impactam crianças e adolescentes?
E por que esse termo voltou a ser tão falado agora? Porque os memes gerados por inteligência artificial explodiram nas redes sociais.
E não estou falando apenas daqueles memes engraçadinhos que fazem piadas com programas de TV ou situações do dia a dia. Falo de coisas como “tralalero tralalá”, “ballerina capuchina”, “bombardino crocodilo”. E você, já foi impactado(a) por isso?
Eu mesma só fui descobrir esses conteúdos porque tenho me preocupado cada vez mais com o que as crianças estão consumindo online. Até porque, eu não sou o público-alvo, e justamente por isso você também pode não ter sido impactado(a) por eles.
Quando me deparei com esse universo, confesso que fiquei surpresa e, de certa forma, inquieta. Não exatamente pelo conteúdo explícito, mas pelo contexto.
Chegamos a um ponto em que ver um tubarão com pernas cantando frases sem muito sentido, mas que grudam na cabeça, virou “divertido”. Esses personagens se tornaram febre entre os pequenos – e o que mais me chama atenção é ver as crianças repetindo falas e musiquinhas, enquanto muitos adultos ao redor apenas riem, sem entender muito bem ou sem parar para refletir sobre o que está por trás.
Nem tudo é ruim – mas precisamos agir
É claro que não estou generalizando. Nem tudo o que circula na internet é ruim, e existem, sim, famílias e educadores atentos a esse cenário.
Se você também se preocupa com isso, parabéns! Precisamos continuar falando sobre o assunto e ampliando essa conversa, porque ela é mais urgente do que parece.
Como podemos cuidar da infância digital?
E talvez, agora, você esteja se perguntando: “Ok, entendi que é importante, mas o que eu posso fazer, na prática?”
Aqui vão algumas ideias simples, mas que podem fazer uma grande diferença:
✅ Evite rótulos como “essa geração está perdida”. Essa visão só afasta ainda mais os jovens de nós. Eles não estão “perdidos”; estão tentando aprender a viver em um mundo que mudou muito rápido, e precisam de apoio para encontrar equilíbrio.
✅ Olhe para os seus próprios hábitos no mundo digital. Antes de orientar, é importante dar o exemplo. Será que você também não passa tempo demais no celular? Quando estamos presentes de verdade, mostramos, na prática, que é possível ter uma relação mais saudável com a tecnologia.
✅ Preste atenção ao que as crianças e jovens estão consumindo. Pergunte, escute, se interesse. Você realmente sabe o que seus filhos, sobrinhos ou alunos estão assistindo? Às vezes, um comportamento ansioso ou agressivo não é apenas “falta de educação”, mas um reflexo do que estão absorvendo online.
✅ Esteja junto. Oriente, converse, mostre caminhos mais saudáveis. Resgatem brincadeiras antigas, façam programas em família, leiam juntos, brinquem, joguem, criem momentos longe das telas. Esses pequenos gestos constroem memórias e fortalecem vínculos que nenhuma tecnologia substitui.
Cuidar da infância digital é urgente
Porque, no fim das contas, ficar parado, apenas reclamando de como as coisas estão, não muda nada. Cuidar da infância digital é urgente. E começa, sempre, por nós!




