
Você se surpreenderia com o fato de seis segundos serem, atualmente, o tempo máximo para denúncias, críticas, declarações de amor, paródias, humor, publicidade e até (pasme) notícia? Isso tem acontecido desde a criação do aplicativo Vine, que permite aos seus usuários criar e postar vídeos de seis segundos e que parece ser a nova moda dos jovens nas redes sociais.
Criado em julho de 2012, foi comprado pelo Twitter em outubro de 2012 e lançado oficialmente em janeiro de 2013. Enquanto o Facebook comemorava 10 anos em fevereiro de 2014 com 201, 6 bilhões de conexões desde 2004, o Vine comemorava seu primeiro aniversário em 24 de janeiro com 13 milhões de usuários e algumas histórias de sucesso: Em abril de 2013 ele já era o app mais baixado na Apple Store e chegou a ser listado na Times entre os 50 melhores aplicativos para Android.
Uma das características mais marcantes dos vines, além de seu “poder de síntese”, é a capacidade de tornar-se viral. Analisando aqueles de mais sucesso em páginas do Facebook como Best Vines BR ou Vines Brasil, o que percebemos é que, no geral, os “micro-vídeos” representam fatos cotidianos que acontecem especialmente aos mais jovens. Daí a explicação de mães, namorado (a) e professores – além de representações autorreferenciais – estarem entre os personagens mais caracterizados e caricaturizados nos vines. São vídeos que provocam nas pessoas uma sensação de pertencimento, por compartilharem sentimentos comuns, aproximando-as em um mundo onde se vive muitas vezes mais por representação do que por experiências.
A nosso ver, os vines são uma tentativa de narrar o mundo, explicar o mundo sob o ponto de vista dos jovens, ou de parte deles já que não existe uma única juventude. E é pela narrativa que compreendemos o mundo, deixamos de ser estrangeiros no mundo. Alguém nos conta sobre o mundo; nós contamos sobre o mundo para alguém, compartilhando emoções, histórias, imagens, etc.
Miguel Sousa Tavares, no livro No teu deserto quase romance, afirma as redes (sociais) funcionam como agentes de agregação, porque ninguém é capaz de enfrentar a solidão. De certo modo, elas também são agentes de significação. E a forma como significamos o mundo a nossa volta e o narramos é sócio-histórica e é modificada constantemente pela tecnologia.
Narrar sempre foi uma necessidade e uma característica da natureza humana; o que nos torna especiais. Segundo Cremilda Medina, “a arte de narrar acrescentou sentidos à arte de tecer o presente”. Somos verdadeiros contadores de histórias, afinal, é através da narrativa que conhecemos e fazemos conhecer.
Com a internet, as possibilidades ampliaram-se ainda mais. Além de mais pessoas a apropriarem-se das técnicas para narrarem um cotidiano, este passou a ser compartilhado em tempo real e com direito a comentários, debates, interação.
Talvez o Vine venha ao encontro dessa necessidade humana de contar e ser ouvido; de ser um narrador de nosso tempo e de nossos personagens, como afirma Benjamin:
“o cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história.” (1987, p.223)
Mas cabe refletir se junto com a maior possibilidade de participação, ferramentas como o Vine não trouxeram junto frivolidade, falta de crítica, desejo do espetáculo e da diversão sem reflexão, características muitas vezes “impostas” pela velocidade aliada ao poder de sedução das imagens. Seria o Vine um fruto dessa época de instantaneidade, superficialidade e fama (não mais em 15 minutos como profetizava Andy Warhol, mas em seis segundos) ou apenas mais uma ferramenta com a qual se pode criar infinitas possibilidades, inclusive análises críticas da realidade na qual estamos inseridos? Fica a dica para reflexões mais aprofundadas.
Benjamin, Walter (1997), Obras Escolhidas – Magia e Técnica e Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense
Medina, Cremilda (2003) A arte de tecer o presente – Narrativa e cotidiano. São Paulo: Summus
>> Cristiane Parente de Sá Barreto é jornalista, educomunicadora, blogueira, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom e do Comitê Mundial Jovens Leitores da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias – WAN-IFRA. Atualmente, é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho.
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