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Em seu novo relatório, o jornalista investigativo David Ágape, um dos autores da série de reportagens Vaza Toga 2, revela a existência de um sistema de vigilância digital operado a partir do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições de 2022. Segundo a investigação, a empresa Palver, contratada pelo tribunal, infiltrou-se em mais de 100 mil grupos de WhatsApp e Telegram, coletando dados, mensagens e padrões de comportamento político sob o pretexto de “combater desinformação”.
A nova reportagem traz o que Ágape chama de “meta-análise científica sobre a espionagem institucionalizada no Brasil” — um estudo que, segundo ele, mostra como o Estado e o setor privado se fundiram em uma engrenagem de controle político e censura digital. Ele falou com exclusividade à Gazeta do Povo.
Entrelinhas: O relatório fala em “vigilância em massa”. Qual a abrangência dessa engrenagem de controle?
Ágape: Estamos falando de um modelo de controle social disfarçado de combate à desinformação. O TSE, sob o comando de Alexandre de Moraes, estruturou uma rede de monitoramento digital que atuava fora de qualquer amparo legal. A Palver foi o principal braço dessa vigilância — uma empresa privada que admitiu estar infiltrada em mais de 100 mil grupos de mensageria. Tudo isso sem mandado judicial e sem transparência.
Entrelinhas: Como essa estrutura operava dentro do TSE?
Ágape: Foi criado o que a gente chama de gabinete de perseguição política. Um núcleo interno de “inteligência” dentro do tribunal, que recebia relatórios de empresas como a Palver e repassava essas informações para decisões e inquéritos. O problema é que o TSE não tem mandato para investigar cidadãos — isso é função da polícia ou do Ministério Público. O tribunal virou um órgão de vigilância.
Entrelinhas: E quem mais estava envolvido nessa rede?
Ágape: Havia uma teia muito bem articulada. Além da Palver, participaram ONGs, agências de checagem e até organizações estrangeiras, todas com acesso a dados sensíveis. O discurso era “defesa da democracia”, mas, na prática, era censura preventiva. Qualquer grupo que discutisse política fora da narrativa oficial podia ser classificado como foco de desinformação.
Entrelinhas: Vocês chegaram a encontrar indícios de cooperação internacional?
Ágape: Sim, e isso é um dos pontos mais delicados. Há conexões entre empresas contratadas no Brasil e fundações estrangeiras que já atuam em projetos de vigilância digital no exterior. Estamos falando de tecnologia de rastreamento e análise de comportamento usada originalmente para fins militares e adaptada ao ambiente político. O Brasil virou um laboratório de monitoramento social.
Entrelinhas: O que diferencia o trabalho da Vaza Toga 2 de uma simples denúncia?
Ágape: É que o nosso trabalho é baseado em método científico. A meta-análise cruza documentos públicos, relatórios empresariais, decisões judiciais e dados de registros oficiais. Nada é achismo. É uma reconstrução documental do processo de vigilância — como ele foi criado, quem participou e quem se beneficiou politicamente dele.
Entrelinhas: O que essa investigação revela sobre o momento político do país?
Ágape: Revela que a democracia brasileira está sendo tutelada por quem deveria garanti-la. Quando um tribunal se transforma em órgão de censura e passa a espionar o próprio povo, o Estado de Direito deixa de existir. Isso não é apenas um erro institucional — é um projeto de poder.
Entrelinhas: E quais são os próximos passos da investigação?
Ágape: A Vaza Toga 2 está expandindo para mapear contratos e vínculos internacionais da Palver e de outras empresas envolvidas. Estamos analisando como esses fluxos de informação circularam entre o TSE e entidades externas. O que foi revelado até agora é só a superfície. O Brasil precisa saber quem deu poder a essa máquina de espionagem política.





