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Eduardo Tagliaferro, engenheiro, advogado e especialista em inteligência artificial, ganhou notoriedade em Brasília ao ocupar um cargo estratégico no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como assessor direto de Alexandre de Moraes na área de “enfrentamento à desinformação”. Foi dele a responsabilidade por relatórios e levantamentos que embasaram decisões do ministro, especialmente em processos que atingiram apoiadores da direita. Sua trajetória, no entanto, tomou outro rumo após deixar o cargo em 2023, quando passou a relatar pressões internas, arbitrariedades e um clima de medo no gabinete de Moraes.
Indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de vazamento de informações sigilosas, Tagliaferro hoje vive na Itália, coloca-se como crítico declarado do ministro, prometendo revelar bastidores que, segundo ele, expõem os excessos do Judiciário brasileiro.
Nesta entrevista exclusiva para o programa Sem Rodeios e a coluna Entrelinhas, ele detalha sua versão dos fatos e fala sobre os próximos passos de sua trajetória para levar essas denúncias a instâncias internacionais. De acordo com ele, uma grande emissora com sedes em diferentes partes do mundo deve divulgar, ainda nesta semana, novas informações sobre o funcionamento do que ele chama de “gabinete paralelo” de Moraes.
Entrelinhas: Como se deu o seu convite para trabalhar no TSE e sua relação com Alexandre de Moraes?
Eduardo Tagliaferro: O grau de relação com ele era totalmente profissional. Tive contato presencial três, quatro vezes no máximo. As demandas eram feitas por reuniões ou vídeo. Nunca tive contato com ninguém de Brasília antes. Uma vez, num clube de tiro, conheci um juiz que viu minha capacidade em análises, comentou com ministros e isso chegou ao TSE. Depois de um tempo, fui convidado e acabei entrando diretamente como assessor-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação. Não foi nada planejado, foi praticamente por acaso.
Entrelinhas: O que te motivou a revelar essas informações?
Tagliaferro: Desde que percebi que havia algo errado, comecei a guardar material, esperando o momento oportuno e seguro para revelar. Não é por vingança ou por ganho financeiro. É por justiça. Se eu quisesse, poderia ter apagado tudo e ficado calado, mas decidi fazer pelo Brasil.
Entrelinhas: O senhor acredita que, após recentes movimentos internacionais, como as sanções aplicadas por Donald Trump e denúncias públicas, mais pessoas de dentro do tribunal possam aparecer trazendo informações?
Tagliaferro: De dentro do tribunal, pessoas que estão à volta dele, eu duvido muito. Se acontecer, eu colocaria isso como praticamente um milagre. Todos são calados justamente por medo. Não tem outra opção mesmo: é a garantia do seu trabalho, da sua família. Apesar de saber que muita coisa é errada — e o próprio ministro Alexandre de Moraes sabe, porque é conhecedor do direito —, muitas decisões estavam fora da realidade e do código de processo penal. Mas esse pessoal não vai falar. Contamos mais com ajuda externa do que com ajuda interna.
Entrelinhas: Como tem sido essa experiência de viver no exterior após as denúncias?
Tagliaferro: Terrível. Não queiram nunca passar por isso. Estar afastado da família, em datas festivas, em outra cultura, com alimento diferente. É doloroso. Tenho altos e baixos, já pensei em desistir da vida. É muito difícil. Abandona-se tudo, tudo bloqueado, com a sensação de que a qualquer momento você pode ser preso ou assassinado, junto da sua família.
Entrelinhas: A Usaid e o TSE fizeram eventos para “combater a desinformação”, um antes das eleições de 2022. Sua assessoria participou desse tipo de convênio?
Tagliaferro: Não. Para nós, da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, nunca chegou qualquer informação sobre convênio. Se houve, foi em outros gabinetes. O que existia eram parcerias de checagem, mas esse convênio que você cita é novidade para mim.
Entrelinhas: Como funcionava a Assessoria de Enfrentamento à Desinformação?
Tagliaferro: Não havia monitoramento estilo FBI, como muitos pensam. Não havia ferramentas, apenas computadores comuns. As demandas vinham do gabinete de Alexandre de Moraes, de juízes auxiliares, de secretários. Tudo chegava pelo WhatsApp em um grupo do qual eu fazia parte. Os servidores apenas verificavam se a publicação existia, recortavam a notícia e colocavam em documento. Na prática, era uma perseguição contra a direita, não contra a esquerda.
Entrelinhas: Temos visto Alexandre de Moraes dobrando a aposta em relação aos Estados Unidos e se recusando a recuar. Como o senhor acredita que ele agirá daqui para frente?
Tagliaferro: Ele não vai ceder. Pelo perfil dele, vai piorar: punir cada vez mais, atacar cada vez mais. É um ditador, governa pelo medo. Só senadores e deputados poderiam freá-lo, mas até agora fazem teatro. O povo precisa cobrar, ir às ruas, porque o STF tem pavor de movimento popular. Caso contrário, estaremos vendidos a um sistema já implantado.





