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No dia 12 de fevereiro de 2025, o professor e jurista Ives Gandra da Silva Martins completa 90 anos, marcando uma trajetória de dedicação ao Direito, à vida acadêmica e ao cenário político, econômico e social brasileiro. Reconhecido por suas contribuições ao Direito Tributário e Constitucional, Gandra é uma referência em debates sobre a reforma tributária, insegurança jurídica e outros temas nacionais. Seus artigos e análises são amplamente divulgados na imprensa e em diversas plataformas digitais.
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) em 1958, Gandra se especializou em Direito Tributário e Ciências das Finanças na mesma instituição. Doutor em Direito pela Universidade Mackenzie, é professor emérito desta e membro de 36 Academias, entre elas a Academia Brasileira de Filosofia e a Academia Paulista de Letras. Além disso, atuou como consultor em reformas legislativas e parecerista em momentos decisivos da história brasileira, como os Planos Collor I e II e os processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Com uma rotina profissional intensa, ele inicia seus dias participando da missa, depois se dirige a compromissos em entidades como Federação Comercial (Fecomércio), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Seu escritório, ponto de encontro para advogados, professores e autoridades, também é cenário para sustentações orais nos tribunais superiores, audiências públicas no Congresso e gravações de seu programa "Anatomia do Poder", exibido na Rede Vida há 13 anos.
Além do Direito, Gandra é um pensador do Brasil contemporâneo. Recentemente, abordou os desafios econômicos e jurídicos do país, criticando o protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) em temas legislativos. "Há um protagonismo maior do Pretório Excelso a favor do Presidente Lula, com invasões de competência do Poder Legislativo e hospedando pautas presidenciais, o que gera uma insegurança jurídica que intranquiliza parte considerável da população", afirmou.
Na esfera pessoal, foi casado por quase 70 anos com Ruth Vidal Gandra Martins, falecida em 2021. Pai de seis filhos e avô dedicado, mantém um forte vínculo familiar. Torcedor apaixonado do São Paulo Futebol Clube, é um dos 14 "cardeais" do clube e se mantém ativo nas redes sociais, onde acumula mais de 500 mil seguidores. Gandra publica análises diárias sobre política e economia, além de homenagens poéticas à esposa falecida.
Para celebrar seus 90 anos, o jurista concedeu uma entrevista exclusiva à coluna Entrelinhas:
Ao longo da sua trajetória, o senhor participou de debates fundamentais para o Brasil, desde a Constituinte de 1988 até as recentes discussões sobre insegurança jurídica. Olhando para o cenário atual, qual considera o maior desafio jurídico do país?
Formei-me em 1958 em Direito na Faculdade de Direito da USP (FDUSP). Presidi um Partido Político em São Paulo, por ser parlamentarista, de 1962 a 1964. Era o Partido Libertador, cujo presidente nacional era Raul Pilla e o secretário, no Rio Grande do Sul, Paulo Brossard.
À época, o Poder Judiciário constituído de notáveis juristas, tinha função de legislador negativo, que era rigorosamente seguida. Só poderia dizer se uma lei era ou não constitucional, mas não poderia elaborar a lei e, mesmo no regime de exceção (1964-1985), sempre assim agiu, sendo respeitado pelos militares, que só indicavam reconhecidos juristas para a Corte. Basta lembrar que o deputado Bilac Pinto se revoltou contra o presidente Castello Branco, viu o Congresso fechado, no momento em que o presidia, creio eu, e foi retirado pelo General de Divisão Meira Mattos, que desligou a luz e cortou a água do prédio e, posteriormente, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal!
O Supremo Tribunal Federal (STF) era apenas um poder técnico. Hoje não. Respeito todos os Ministros da Suprema Corte, mas se tornaram também, muitas vezes, um poder político, legislando em matérias que deveriam ser exclusivamente do Congresso (artigo 49, inciso XI da CF/88), como no marco temporal, no aborto, na internet, casamento entre pessoas do mesmo sexo, drogas, anencefalia, etc.
Por esta razão, os ministros só podem sair cercados de seguranças, recebendo do povo o mesmo tratamento dos políticos, com apoio daqueles que representam a linha por quem o STF demonstra preferência no cenário político e críticas daqueles que não. Lembro-me quando, nos 43 Simpósios de Direito Tributário que coordenei no Centro de Extensão Universitária, sempre trazendo Ministros do STF, STJ e desembargadores para palestrarem, que saía com os ministros Moreira Alves, Oscar Corrêa, Sydney Sanches, Cezar Peluso, Cordeiro Guerra e outros para jantar, às vezes, andando sozinhos pela rua, sem necessidade de nenhum segurança.
Este novo perfil de STF, com um protagonismo de legislador positivo, tem trazido insegurança jurídica, com eliminação do juiz natural, inquéritos intermináveis, alargamentos do foro privilegiado para um universo de cidadãos comuns, o estabelecimento de uma única instância sem via recursal, dificuldades de acesso às acusações, banalização das prisões provisórias e preventivas.
Nunca discuti o nível dos ministros, sua idoneidade moral e competência, que respeito, mas me permito, como um velho professor, deles divergir doutrinariamente.
O senhor sempre conciliou sua atuação acadêmica, profissional e intelectual com uma intensa produção de artigos e livros. Como o senhor enxerga a influência do seu pensamento jurídico na política e na economia do Brasil contemporâneo?
Neste ponto, não sei o que definiria como influência. Creio que, mais como diagnóstico, minhas análises no campo da economia quando previam resultados negativos, infelizmente, sempre dando certo, serviram mais como ponto de reflexão futura. Sempre para meus alunos dizia que a economia é um jogo de xadrez que está à vista de todos. Quem entende não erra. Não é um jogo de poker, como muitos governos entendem, em que blefar pode surtir efeitos. Os agentes econômicos veem as jogadas e o resultados são sempre previsíveis.
Confesso, por outro lado, que, lecionando desde 1964 como professor universitário, terminei tendo uma legião de alunos espalhados até mesmo fora do país. Sempre ensinei a eles ética e talvez, o meu “Decálogo do Advogado”, escrito no início da década de 80 para meus alunos da Universidade Mackenzie, explique melhor como vejo a advocacia e o Direito.
E em relação ao Poder Público, nas três esferas da Federação, terminei ofertando muitos pareceres e contribuições em comissões, audiências públicas, nunca cobrando do poder a que estava subordinado (União, Estado de São Paulo e Município de São Paulo) honorários pelos pareceres, para ter a possibilidade de criticá-los, se necessário. Posso não ter sido muito útil, mas decididamente não fui inútil.
Além do Direito, sua vida sempre foi marcada pela devoção à família e à fé. Quais legados o senhor espera deixar para o país e para os juristas que se espelham na sua trajetória?
Sou católico apostólico romano. Há quase 60 anos vou à missa diariamente. Creio que os valores cristãos podem salvar o mundo.
Creio que meu modesto legado é ter ensinado aos meus filhos, familiares e todos os que comigo trabalharam ou foram pessoas de minha relação, a noção de que todos nós somos cidadãos comuns que devemos buscar profundidade na vida interior, harmonia na família, eficiência na vida profissional, fecundidade na vida apostólica, fraternidade na vida social e patriotismo na vida cidadã, podendo chegar ao final da vida dizendo a Deus, apesar das minhas limitações e meus erros, que procurei não ser inútil e não desistir de lutar, lembrando Santa Tereza de Calcutá, que dizia “Santo é o pecador que não desistiu”.
Conteúdo editado por: Mariana Braga





