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A Operação Carbono, deflagrada recentemente pela Polícia Federal em parceria com Ministérios Públicos estaduais e forças de segurança, expôs mais uma faceta da infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no mercado de combustíveis. A investigação revelou indícios de fraude, adulteração e sonegação fiscal em larga escala, mostrando como facções criminosas vêm expandindo seus tentáculos não apenas no narcotráfico, mas também em setores estratégicos da economia.
Diante desse cenário, o senador Sérgio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça, comenta os impactos da operação, a necessidade de medidas mais duras contra organizações criminosas e sua visão sobre o papel do governo federal na segurança pública. Confira a entrevista exclusiva:
Entrelinhas: Como o senhor enxerga o momento atual da segurança pública no Brasil e, em especial, os desdobramentos da Operação Carbono?
Sergio Moro: Faz tempo que havia notícias de que o PCC controlava postos de combustíveis, distribuidoras e estava profundamente envolvido em fraudes — desde adulteração até sonegação fiscal em larga escala, gerando competição desleal no mercado. A Operação Carbono, conduzida em São Paulo, com apoio do Ministério Público, Polícia Federal e forças estaduais, se espalhou pelo país e revelou o grau de infiltração das organizações criminosas, não só no setor financeiro, mas também no de combustíveis.
Ainda precisamos de mais detalhes sobre prisões e bloqueios de ativos, mas considero um passo importante no combate ao crime organizado. O que chama atenção, positivamente, é a integração entre instituições — algo que lembrava o modelo da Lava Jato, que tentaram demonizar, mas que funcionava.
Entrelinhas: Nos EUA, facções como cartéis mexicanos já foram classificadas como organizações terroristas. Há quem defenda medida semelhante em relação ao PCC e ao Comando Vermelho no Brasil. Qual sua visão?
Moro: Classificar essas organizações como terroristas pode ser positivo, tanto no efeito prático quanto simbólico. O PCC e o Comando Vermelho já cometeram atentados, execuções e ataques que se enquadrariam nesse conceito. Tivemos, por exemplo, a condenação de Roberto Soriano, alto membro do PCC, que ordenou o assassinato de agentes penitenciários federais. Também não podemos esquecer os atentados de 2006.
Portanto, não podemos descartar essa possibilidade. Há projetos tramitando no Congresso para reconhecer essas facções como terroristas, mas o governo federal resiste — alegando temor de que a lei seja usada contra movimentos sociais. Isso é uma falsa equivalência. Uma coisa é organização criminosa, outra são movimentos civis.
Entrelinhas: O senhor defende a criação de uma agência anti-máfia nos moldes italianos?
Moro: Sim, vejo a proposta como interessante, pois permitiria centralização ou coordenação nacional no enfrentamento ao crime organizado, inspirado na experiência italiana. A ideia partiu da Secretaria Nacional de Segurança Pública, chefiada por Mário Sarrubbo, que foi procurador-geral de Justiça em São Paulo.
Infelizmente, há resistência dentro da Polícia Federal. O atual diretor tem politizado a instituição e se opôs à criação da agência. Isso mostra um problema de vaidade institucional que acaba atrapalhando. Creio que, com mudança de governo, poderemos avançar mais nesse sentido.
Entrelinhas: Recentemente, o governo federal anunciou um plano contra facções criminosas. Isso representa uma guinada na política de segurança ou tem mais relação com o cenário eleitoral de 2026?
Moro: Infelizmente, não acredito que haja compromisso real. O governo Lula sempre teve uma visão leniente, tratando criminosos como “coitadinhos”. Já estamos no terceiro ano de mandato, e só agora falam em uma legislação anti-máfia. Isso deveria ter sido feito desde o início.
No Senado, na Comissão de Segurança Pública, aprovamos vários projetos importantes, mas a resistência sempre vem do governo. Um exemplo foi o veto ao fim das saídas temporárias, que o Congresso precisou derrubar.
Se o projeto vier com propostas positivas, vamos analisar com seriedade. Mas é importante lembrar: quando fui ministro da Justiça, aprovamos leis de confisco de patrimônio das facções, isolamos lideranças e implementamos coleta de DNA de presos. Isso é política efetiva.
Entrelinhas: Como e por que o senhor tem atuado contra as audiências de custódia?
Moro: Em 40% dos casos, segundo dados do CNJ, presos em flagrante acabam soltos. Muitas vezes, de forma equivocada. Tivemos exemplo recente de alguém preso com 200 quilos de cocaína liberado porque o juiz alegou que era “pequena quantidade”. Outro caso: um criminoso com 65 passagens pela polícia foi solto em audiência de custódia. Isso mostra que o sistema precisa mudar.
O que funciona contra o crime é lei e ordem: aumentar riscos e reduzir oportunidades. Para isso, precisamos de rigor. No Senado, estamos trabalhando para aprovar projetos que reforcem essa linha.





